Blog do Mario Magalhaes

Arma que matou PC Farias e namorada não tinha digitais de Suzana, cujas mãos estavam sem chumbo. Depois de simulações, perito concluiu: Suzana não atirou

Mário Magalhães

Suzana Marcolino e PC Farias, mortos, em junho de 1996

O revólver Rossi 38 Special do qual comprovadamente saíram as balas que mataram Paulo César Farias e Suzana Marcolino em junho de 1996 não tinha nenhuma impressão digital da namorada de PC.

O tipo de munição usada nos crimes contém chumbo, bário, antimônio, cobre e zinco. Todos os exames laboratoriais detectaram ausência dessas substâncias nas mãos de Suzana.

Apesar de todas essas constatações, a primeira investigação da polícia de Alagoas sustentou em 1996 que Suzana assassinara PC com um tiro e se suicidara em seguida, também com um só disparo certeiro.

Em 1999, uma nova investigação policial descartou a versão de homicídio-suicídio, concluindo que PC e Suzana foram mortos por outra (s) pessoa (s). A ausência das digitais da namorada na arma, e a inexistência de chumbo, bário, antimônio, cobre e zinco nas mãos contribuíram para o indiciamento de nove pessoas por duplo homicídio.

Em seguida, o Ministério Público denunciou (acusou formalmente) oito delas. A Justiça entendeu haver provas para levar quatro seguranças de PC a júri popular (ou seja, pronunciou-os). O julgamento começou ontem em Maceió, quase 17 anos depois do crime.

Em outras palavras, a polícia (no inquérito), o Ministério Público (na denúncia) e a Justiça de Alagoas (no pronúncia) consideraram haver provas de que a versão original de 1996 (homicídio-suicídio) estava incorreta.

PC Farias foi o caixa de campanha de Fernando Collor de Mello em 1989. Até o impeachment do presidente, em 1992, PC operou um esquema de corrupção em torno do Planalto. Paulo César e sua namorada Suzana Marcolino apareceram mortos numa casa de praia de Maceió em junho de 1996.

Teste de digitais

As conclusões policiais divergentes em 1996 e 99 se fundamentaram em laudos de equipes diferentes de peritos. Um dos integrantes da primeira equipe afirmou que não havia digitais de Suzana na arma porque a superfície do cabo é “rugosa”. Essa equipe não fez nenhum teste específico para sustentar a hipótese.

Em 1997, o especialista em balística Domingos Tochetto, então professor da Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul, simulou o que teria ocorrido se Suzana tivesse mesmo atirado.

Foi usada uma arma igual à que matou PC e Suzana. Vinte pessoas _17 mulheres e três homens_, a pedido de Tochetto, carregaram o revólver e o empunharam. Não ficaram registradas impressões digitais no cabo, mas em todos os 20 casos foram deixadas duas ou três impressões na armação e no tambor, onde se acomodam as balas.

Essas partes da arma são feitas de aço inoxidável. “Haveria algum indício se o revólver tivesse sido manipulado por Suzana, haveria impressão digital”, concluiu Tochetto.

Mais: mesmo que alguém depois tivesse limpado as digitais, as de Suzana teriam permanecido no tambor, se ela tivesse carregado a arma com projéteis, afirmou o perito.

Suzana teve morte instantânea. Não teria como ter limpado a arma depois de se matar.

Chumbo, bário, antimônio, cobre e zinco

Outro exame feito por Tochetto, tido como o maior especialista em balística forense no país, demonstrou que, se Suzana tivesse dado pelo menos um tiro na madrugada de 23 de junho de 1996, teria de haver vestígios de chumbo, bário, antimônio, cobre ou zinco em suas mãos, o que não existia.

Tocheto produziu seu laudo a pedido do Ministério Público de Alagoas. Assim eu descrevi seu teste em uma reportagem na “Folha de S. Paulo” em 1999:

“Tochetto se baseou em três exames residuográficos. O primeiro recolhimento de material das mãos de Suzana ocorreu na casa onde ela e PC morreram, o segundo no Instituto Médico Legal de Maceió, horas após as mortes, e um terceiro na necropsia feita dez dias depois.

Nas três vezes, não foram encontrados os elementos que deveriam ter ficado em pelo menos uma das mãos caso ela tivesse disparado.
Quando o revólver projeta a bala, são expelidos chumbo, bário e antimônio.

A ‘camisa’ que envolve a bala tem cobre e zinco.

Em 1997, Tochetto co-assinou um contralaudo do caso PC que chamava a atenção para a ausência dessas substâncias.

Só com o teste feito agora, porém, foi possível obter uma conclusão definitiva de que Suzana Marcolino não atirou.

Na simulação, uma mulher atirou com arma igual à que matou PC. Uma câmara gravou, e o computador mostrou em câmara lenta uma nuvem de pó indo em direção à mão da atiradora.

A seguir, recolheu-se material das mãos da atiradora com método igual ao que os peritos usaram em Alagoas. Em laboratório, se comprovou, em várias situações, que pelo menos uma das cinco substâncias foi encontrada.

Como não havia nenhuma das cinco nas mãos de Suzana, ela não teria nem matado PC nem se suicidado, na opinião do perito. A presença de pólvora nas mãos de Suzana não quer dizer, diz Tochetto, que ela atirou, mas que manipulou um revólver _ou alguém passou suas mãos sobre a arma”.

Os laudos produzidos por Domingos Tochetto constam do processo do Caso PC.

Ignoro se ele deporá ou não no julgamento em curso em Maceió.

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