Tratar crueldade como ‘descuido’ equivale a tolerar o inaceitável
Mário Magalhães
Depois da madrugada em que os termômetros despencaram abaixo dos oito graus, pessoas que dormiam ao relento (ou quase) na praça da Sé foram despertadas por equipes a serviço da Prefeitura de São Paulo.
Não com pedidos gentis ou mesmo gritos grosseiros para cair fora, e sim com jatos d'água.
Com o risco da ironia imprópria, enfatize-se que a água não era aquecida…
Em vez de compaixão com os moradores (em situação) de rua, crueldade.
No lugar de civilização, barbárie.
João Doria poderia ter aproveitado o episódio para mandar um recado a quem trabalha para o município, ainda que por meio de empresa privada: há ações inadmissíveis, que exigem punição dos autores nos termos escrupulosos da lei.
O prefeito, porém, minimizou: ''Houve nessa circunstância um descuido''.
''Descuido'' todo mundo acumula, aos montes, todos os dias.
O que houve na Sé foi outra coisa: maldade, e das mais covardes.
Com o eufemismo, Doria deu a impressão de que tolera o inaceitável.
Ao menos quando as vítimas dos sádicos são os mais pobres e vulneráveis.