O Vasco é muito maior do que o senhor feudal de São Januário
Mário Magalhães
Desde o sábado vulcânico em São Januário têm sido enumeradas obviedades necessárias: a punição do assassino do ajudante de eletricista David Rocha Lopes; a punição de quem arremessou bombas; a punição de quem permitiu a entrada dos artefatos explosivos no estádio; a punição, com perda de mando de campo, da agremiação em cuja casa e por obra de ditos torcedores seus a selvageria surgiu e se alastrou; e outras punições mais.
Por que tanta punição? Porque a impunidade é combustível da barbárie.
E por que ''ditos torcedores'', e não somente ''torcedores''? Porque enquanto permanecer a denominação pusilânime de torcedor para quem não está nem aí para o futebol a violência insensata e covarde será relativizada no esporte.
Dito o essencial, é um despropósito abordar a calamidade de São Januário como mal exclusivo vascaíno. Um sem-número de clubes nacionais abrigam cretinos como os que anteontem saíram de casa para aprontar, e não para torcer. A matança não acontece só no Rio, mas em outras cidades e Estados. Até, de autoria de brasileiros, além-fronteira. O combate, nesse aspecto, não é apenas contra as mazelas cruz-maltinas, mas ao banditismo com cores muito mais variadas.
A promiscuidade entre certas torcidas organizadas (a generalização é imprópria) e cartolas, mesmo os engomadinhos oriundos do mercado financeiro, dissemina-se país afora. Tornou-se comum uma torcida vincular-se a uma trincheira ou outra nas rinhas politiqueiras dos clubes. Os ingressos gratuitos são a face mais suave de tal associação daninha para os clubes, mas rendosa _no mínimo politicamente_ para os dirigentes. Essa vergonha não se restringe ao Vasco.
Com base na pancadaria mortal de São Januário, constitui desatino condenar a presença de duas torcidas _no caso a da casa e a do visitante, o Flamengo vitorioso por 1 a 0. O pau se concentrou entre ditos vascaínos.
Aí mora uma tragédia particular do Vasco. Na ambição de eternizar o poder para o seu clã, Eurico Miranda transformou o clube num caldeirão de ressentimentos, ódios e vinganças. No sábado, o caldeirão transbordou.
Não é indispensável ser vascaíno _ eu não sou_ para reconhecer, além da condição de gigante futebolístico, o imenso lugar social e histórico do Clube de Regatas Vasco da Gama na formação social e cultural brasileira. O Vasco é um orgulho do Brasil. (Palavra de um torcedor do Flamengo com pai, uma irmã e dois irmãos vascaínos.)
De tão grande o clube, enfatiza-se a aberração de ser comandado por Eurico.
No tempo em que, para o bem e para o mal, o capitalismo vinga também no futebol, o Vasco parece parado no tempo.
Tem elenco mais fraco do que clubes com torcida muito menor.
O senhor feudal que o controla é aquele que uma vez contou ter sido assaltado quando levava para casa o dinheiro da renda de um jogo.
E cujos acólitos espalhavam que poderia se suicidar em caso de rebaixamento do Vasco para a segundona. O Vasco caiu, e Eurico continuou vivíssimo.
É um personagem passadista e sombrio. Mantém a pinta de protagonista de filme do Coppola.
Ele precisa do Vasco.
O Vasco não precisa dele.
Isso sempre esteve claro, mas muitos tentaram enganar dizendo que era o contrário.
E outros se deixaram enganar.
Para o bem do Vasco e do futebol, é hora de o engano acabar.