Blog do Mario Magalhaes

A banalidade das balas

Mário Magalhães

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Claudineia dos Santos Melo, baleada, e uma imagem do bebê Arthur, atingido – Reprodução TV Globo

 

Quem ainda para em banca de jornal para olhar as primeiras páginas dos diários impressos deparou-se hoje no Rio com três manchetes de destroçar o coração.

''Meia Hora'': ''Rio perde mais uma criança para a violência''.

''Extra'': ''Sobra violência, falta governo''.

''O Dia'': ''O Estado que mata as suas crianças''.

São mesmo títulos de revoltar e comover, mas aparentam sensibilizar cada vez menos.

Entre tantos motivos, alguns relacionados ao egoísmo humano e à miséria existencial, está a assiduidade de episódios semelhantes.

Quanto mais surpreendente o fato, maior a tendência de chocar. E vice-versa. Os cariocas se habituaram à crônica da morte de crianças por balas disparadas por policiais e traficantes. Mudam os nomes e as histórias de cada um que se vai, porém as circunstâncias se parecem.

A última tragédia era conhecida desde a véspera, trombeteada na internet. Notícia incandescente, só que com o amargo gosto de déjà-vu: ontem à tarde Vanessa dos Santos foi morta a bala quando estava dentro de casa, num complexo de favelas do Lins de Vasconcelos. Ela tinha onze anos. Atingiram-na na cabeça.

O menino Arthur viria ao mundo na segunda-feira, dia marcado para o parto de sua mãe. Seu nascimento teve de ser antecipado. Na sexta-feira, Claudineia dos Santos Melo foi baleada na favela do Lixão, em Duque de Caxias. A bala feriu Arthur, que já nasceu sofrendo, e luta pela vida, em estado gravíssimo.

Em março, Maria Eduarda Alves da Conceição, moradora da favela da Pedreira, participava da aula de educação física no colégio quando a mataram com três tiros. Havia completado treze anos.

Em janeiro, Sofia Lara Braga, de dois anos, foi morta ao ser baleada no rosto quando brincava no parquinho do Habib's de Irajá.

Às vésperas da Páscoa de 2015, no complexo do Alemão, tinha sido a vez do garoto Eduardo de Jesus, dez anos, filho de Maria e José.

''O Dia'' contabilizou 37 crianças mortas por disparo mais ou menos distante desde 2007.

Crianças cariocas perdem o direito à vida. Quanto mais pobre, maior o risco.

E os mais velhos, também. Há cinco dias, mãe e filha foram mortas no morro da Mangueira. Marlene tinha 76 anos. Ana Cristina, 42.

A banalidade das balas vai fazendo com que a violência aberrante se tinja de inconveniente inescapável.

O jornalismo contribui para omitir ou relativizar a existência de assassinos toda vez que pronuncia ou escreve a expressão indigna ''bala perdida'' (leia mais aqui).

Como disse há pouco o pai de Vanessa, ''não foi bala perdida, foi assassinato''.

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