Presidente ungido em conchavo imporia programa de Aécio derrotado em 2014
Mário Magalhães
Quem não deu o passo fatal no abismo em que despencam os fanáticos sabe que a política econômica de Michel Temer não é aquela consagrada pelas urnas em 2014.
Pelo contrário, contém o núcleo do programa de Aécio Neves, candidato presidencial derrotado no segundo turno.
A agenda de Aécio pode ser recomendável ou não. Cada cabeça uma sentença.
Dilma Rousseff foi quem primeiro relativizou ou abandonou as ideias apresentadas por ela própria, na chapa em que seu vice era Temer. A essência da sua pregação era, mesmo em tempos de crise, preservar os mais pobres. O ajuste, eufemismo para arrocho, começou com ela. Passou à história como arrochinho, em comparação com o gerenciado por seu sucessor. Mas, com a petista, foram aplicadas medidas que sacrificaram quem pouco tem.
Temer radicalizou. Conspirou pela deposição da presidente constitucional e, em troca do patrocínio da coalização que de fato dá as cartas, ofereceu o arrochão que tira ainda mais dos mais vulneráveis. Fragiliza-os. Presenteia os mais ricos com ditas ''reformas'' que abolem direitos sociais conquistados no século 20. Preserva privilégios no alto e asfixia as iniciativas que amparam os de baixo.
Isso não ocorre na Escandinávia, mas no país que se classificou entre os dez mais desiguais do planeta, conforme estudo das Nações Unidas divulgado semanas atrás. Com a mudança na legislação que o governo busca enfiar goela abaixo, a tendência será a desigualdade se agravar. Querem um lugar entre os três primeiros, no pódio?
Reformas, sem aspas, são necessárias. O problema é, como acontece há cinco séculos, mais uma vez os endinheirados serem protegidos, punindo pobres, miseráveis, assalariados. Não há reforma em curso, e sim covardia.
É possível discordar ou concordar com Michel Temer e Aécio Neves.
O inegável é que os cidadãos se declararam há dois anos e meio contra a agenda neoliberal em vigor. A que é abençoada pelo ''mercado''. A de Aécio Neves.
Haverá quem diga, com razão, que a coligação Dilma-Temer foi irrigada por dinheiro ilegal. As provas são igualmente eloquentes sobre a dobradinha Aécio-Aloysio Nunes. A diferença pró-Dilma foi de 3.459.963 votos.
Na agonia de Temer, amadurece um conchavo para impedir eleições diretas e ungir em escolha indireta um presidente que imponha a continuidade da política econômica. Noutras palavras, a preconizada por Aécio e seus correligionários na campanha. A síntese do acerto seria a manutenção de Henrique Meirelles no Ministério da Fazenda. O ministro que até outro dia era funcionário da holding que controla a JBS.
Adotar a política recusada pelos eleitores equivale a ignorar a soberania do sufrágio popular. Isto é, a maltratar a democracia.
A situação econômica do Brasil mudou? Então que os brasileiros voltem a se pronunciar sobre o que querem.
A Constituição prevê eleição indireta? Se assim permanecer, que o voto de deputados e senadores bancados por JBS, Odebrecht e outras companhias encrencadas decida. Os parlamentares endossarão programas e valores rejeitados pela maioria em 2014.
A Constituição também prevê propostas para emendá-la. Uma PEC poderia, obedecendo escrupulosamente à lei, antecipar as eleições diretas.
Sem diretas, um novo acordão será celebrado para que a próxima administração governe no sentido aposto ao que as urnas decidiram.
Nessa hipótese, Aécio Neves de alguma forma obterá a vitória que os eleitores lhe negaram.