O que é previsível em Curitiba
Mário Magalhães
Em Curitiba, é imprevisível o que ocorrerá nas dependências da Justiça Federal, no interrogatório do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva previsto para amanhã.
Do lado de fora, em ruas e praças da cidade, tudo é mais imprevisível ainda. Também devido à proibição de acampamentos de manifestantes que lembra as medidas de emergência do general Newton Cruz em Brasília. O então comandante militar do Planalto constrangeu (e reprimiu), em 1983 e 1984, manifestações que se pronunciavam sobre votações no Congresso. Há quem argumente que não cabem protestos em relação a decisões de outro Poder, o Judiciário. Se fosse assim, boa parte da crônica dos séculos recentes teria de ser reescrita. A proibição estimula a radicalização, como sabe quem conhece um pouquinho de história.
Mas há muita coisa previsível, sobretudo no balanço dos eventos.
Aconteça o que acontecer, os entusiastas de Lula proclamarão que o ex-presidente desmoralizou o juiz federal Sergio Moro, que presidirá a audiência.
Em qualquer situação, os entusiastas de Moro proclamarão que o juiz desmoralizou Lula.
Cronistas mais cuidadosos falarão de vitória, e não de desmoralização.
No fundo, dá no mesmo: são versões e relatos sedimentados antes de os fatos acontecerem.
Os partidários de Moro denunciam o réu Lula por se comportar como político. Mas Lula é isso mesmo, para o bem e para o mal, um político.
Os partidários de Lula denunciam o juiz Moro por se comportar como acusador, ou procurador da República, e não julgador. O problema: Moro é um magistrado.
Duas revistas semanais insuspeitas de veleidades lulistas estamparam na capa o iminente duelo Moro versus Lula.
Li e ouvi condenações às publicações. Sustentam que elas subvertem a agenda protocolar que não prevê confronto, e sim o interrogatório do réu pelo juiz em processo criminal.
É necessário muito malabarismo retórico, porém, para negar o cenário de batalha entre o magistrado e o réu.
Essa interpretação é útil para Lula, que se queixa de alegada perseguição promovida por Moro.
O juiz contribui para essa impressão com atitudes que podem ser legais, mas atípicas. Magistrado ir ao Facebook ''transmitir um recado'' (sobre o interrogatório de Lula) é comum? Moro dirigiu-se a ''muita gente que apoia a operação Lava Jato''. E à minoria que não apoia? E aos cidadãos que apoiam, com restrições? Isso é procedimento costumeiro na Justiça?
A essa altura, é evidente que houve promiscuidade entre Lula e empreiteiras, como se observa em numerosos processos. Cabe à Justiça sentenciar se houve crime, que é outra coisa.
O interrogatório de amanhã trata da ação relativa ao triplex no Guarujá (e ao armazenamento de bens). A dúvida é se houve repetição do caso Juscelino Kubitschek, que morou em apartamento emprestado por amigo empresário (a ditadura acusou o ex-presidente de ser o proprietário oculto do imóvel em Ipanema, o que a Justiça e a história não confirmaram). Ou se Lula escondeu a posse do triplex em nome da OAS.
Ainda na fase em que muitas provas não tinham sido produzidas, muita gente já tinha certeza disso ou daquilo. O parti pris se repetirá na audiência de Curitiba.
Há um ambiente propício a fanatismos, aparentados das sociedades do nazismo, do fascismo e do stalinismo. Não foram poucos os alemães que apoiaram a eliminação física de judeus e adversários políticos. Muitíssimos soviéticos acreditaram que vários líderes da Revolução de 1917 tinham se transformado em traidores _era mentira; velhos revolucionários foram fuzilados. O fanatismo deriva de consciências embotadas por ódio, ressentimento e ignorância.
O que será o amanhã só se saberá amanhã à tarde.
Não para os que, alheios aos fatos e aos méritos, comentam o jogo antes de o jogo ter sido jogado.