Ódio contra greve retrata atraso do Brasil
Mário Magalhães
Se eu fosse antropólogo, estudaria um fenômeno curioso e obscuro: por que muitos brasileiros que viajam ao exterior são tolerantes com conflitos sociais no estrangeiro e intolerantes aqui?
Mais pontualmente, por que encaram ou aparentam encarar as greves de lá como episódios do cotidiano democrático e as do Brasil como aberração extremista?
É frustrante ir ao Louvre e dar com a cara na porta, em mais uma paralisação dos funcionários do museu parisiense. Mas ninguém, ou quase, corre às redes (antis)sociais para insultar os trabalhadores franceses. Não os achincalham como vagabundos.
Ao contrário do que se observa nas nossas bandas neste 28 de abril de xingamentos cabeludos.
Não faltam motivos para irritação em viagem. Suponhamos que uma família se hospede em San Sebastián e planeje o passeio de um ou dois dias em Biarritz. Vai de trem. Entre as duas cidades bascas finca-se a fronteira Espanha-França. Naquela manhã, os ferroviários franceses acabam de começar uma greve. Como gostam de fazer greve os ferroviários franceses! Passeio interrompido, no meio do caminho. Mas não se assiste a surto de ódio.
Já, por aqui, multiplicam-se os discursos demonizando a greve geral e os protestos de hoje.
Lá longe, sobretudo na Europa, costumamos aceitar as greves como lances do jogo. Mesmo quando nos contrariam ou atrapalham em incursões a trabalho ou turismo.
É assim também que os cidadãos locais se comportam. Muitos podem não simpatizar com greves e grevistas, porém não têm acessos de cólera. As sociedades aprenderam a conviver com greves, inclusive gerais.
A ojeriza à greve no Brasil, como se ela constituísse anomalia, retrata o nosso atraso cultural e político.
É como se o direito constitucional à greve fosse abuso.
Quando abuso é impedir greves legítimas e legais.
Chilique por causa de greve é atitude autoritária.
E, às vezes, ridícula.