Os cúmplices de Picciani
Mário Magalhães
Se alguém disser que se surpreendeu, merece um diploma de hipócrita rematado: poucas coisas eram tão previsíveis no Rio como um chega pra lá do Ministério Público Federal e da Polícia Federal em Jorge Picciani. O presidente da Assembleia Legislativa foi levado ontem para depor num inquérito que investiga roubalheira com a participação também de integrantes do Tribunal de Contas do Estado. Dos sete conselheiros, cinco foram em cana. Um sexto os entregou em troca de redução de castigo. Resta um _no caso, uma.
O capo dos esquemas de ladroagem nos últimos anos, o ex-governador Sérgio Cabral, passa temporada em Bangu. A era Cabral no poder foi incensada e bajulada, inclusive pelo jornalismo, como poucas na história carioca e fluminense. Deixou, vai deixando, agora com Luiz Fernando Pezão, um rastro de decadência e ruína. Picciani, Cabral e Pezão pertencem ao PMDB. É o mesmo partido de Michel Temer, Romero Jucá, Eduardo Cunha e Renan Calheiros. Portanto, adjetivos são dispensáveis.
O noticiário já havia informado sobre delação de executivo da Odebrecht contando que Picciani pedira e embolsara propina. Isso na operação Lava Jato. A de ontem é outra. Batizaram-na ''O quinto do ouro''.
O deputado é suspeito de agir numa tramoia de desvio para o pessoal do TCE de ''15% dos valores liberados pelo Fundo de Modernização do tribunal para pagamentos de faturas vencidas de fornecedores de alimentação para presos e adolescentes submetidos a medidas de internação''. Organizaria agrados ilegais da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado. Em troca de dinheiro sujo da Fetranspor aos conselheiros, a fiscalização nas empresas seria fajuta.
O presidente da Alerj é pai de Leonardo Picciani, ministro do Esporte no governo Temer. O ministro não representa a própria força política, mas a influência do pai. Em 2014, Jorge Picciani não fez campanha para a chapa Dilma-Temer. Liderou no Rio um movimento pró-Aécio Neves, derrotado no Estado. Logo se aproximou de Dilma, para em seguida aderir ao impeachment. Na véspera da condução coercitiva de ontem, o patriarca dos Picciani esteve em Brasília com Temer, tratando da crise estadual.
O vínculo de Jorge Picciani com o presidente da República, mais bandeiroso ainda pela indicação de um ministro, é evidente. Mas essa tabelinha não é a única. Há outros parceiros na articulação que mantém o deputado como chefão. Dela participam igualmente PT e PSDB. O caso dos petistas é mais intrigante: deblateram-se em Brasília contra a administração Temer, mas no Rio dão suporte a Picciani. No passado recente haviam integrado os governos Cabral e Paes. Depois do impeachment da presidente Dilma Rousseff, trombetearam ruptura com os peemedebistas. Com o notável Picciani, não romperam.
No começo de fevereiro, o deputado foi eleito pela sexta vez presidente da Assembleia. Dos 70 votos, colheu 64. Só se recusaram a lhe conceder apoio cinco deputados do PSOL e um da Rede. PT, PSDB, PSC, PRB, PC do B, PTB, DEM, PP e outros sufragaram Picciani. Até pessoas de trajetória digna, como o deputado Carlos Minc (sem partido), ficaram com o prócer peemedebista. Alguns alegaram que não votaram em Picciani, mas na chapa encabeçada por ele. Fala sério… Picciani uniu de Flávio Bolsonaro ao petista Gilberto Palmares. Qual será o borogodó desse homem?
Está claro que o presidente da Alerj é investigado, e não condenado ou formalmente acusado. É óbvio também que os deputados conhecem de perto seu colega mais poderoso. Aparentemente, julgam que a chancela a Picciani não contradiz pregação por democracia, honestidade e justiça social. Cada um na sua.
Jorge Picciani não chegou aonde chegou à toa. Uma das definições do ''Houaiss'' para a palavra ''cúmplice'' é pessoa que ''colabora com outrem na realização de alguma coisa''. Picciani teve e tem cúmplices, do Planalto à Assembleia Legislativa. Cúmplices que colaboram para lhe assegurar muito poder.