O tumor de Crivella e as doenças dos políticos
Mário Magalhães
Marcelo Crivella confirmou o furo do repórter Lauro Jardim publicado ontem de manhã: o prefeito do Rio tem um tumor minúsculo na próstata. Até segunda ordem, o tratamento prescinde de cirurgia. Não há informação sobre o caráter, maligno ou benigno, do tumor.
Doenças de políticos costumam ser abordadas com pouca ou nenhuma transparência no Brasil, a despeito de exceções. Muitos deles as consideram assunto privado. Enganam-se. Quando ocupam funções públicas, sobretudo os ungidos pelo voto dos cidadãos, devem satisfação sobre as condições de saúde para exercer os cargos que postulam por vontade própria.
Talvez nunca se tenha escondido tanto a enfermidade de um figurão quanto na agonia de Tancredo Neves. Horas antes de tomar posse na Presidência, em março de 1985, o antigo deputado, senador, ministro e primeiro-ministro baixou ao hospital. Alegaram que uma diverticulite o debilitara. Ocultaram a existência de um tumor. Forjaram uma fotografia mostrando Tancredo melhor do que estava. O vice José Sarney assumiu em seu lugar. Durante semanas, o porta-voz de Tancredo divulgava os diagnósticos com o mesmo prólogo: ''Senhores, trago boas notícias''. Em 21 de abril, com a despedida do presidente que só morto subiu a rampa do Palácio do Planalto, o epílogo foi triste.
Tancredo havia sido ministro da Justiça de Getulio Vargas. Ainda hoje sobrevivem controvérsias sobre o distúrbio cardiovascular que em novembro 1955 levou à internação do presidente João Café Filho, o vice que sucedera Getulio depois do suicídio. Na época, os oposicionistas acusaram Café de encenar a doença para facilitar um cambalacho destinado a impedir a posse do presidente sufragado nas urnas, Juscelino Kubitschek. Bambambãs da medicina assinaram laudos sobre o mal do presidente, mas muita gente não acreditou. Café acabou derrubado, e JK assumiu.
O presidente João Goulart, que fora vice de Juscelino, desde cedo sofreu com seu coração. A cardiopatia se manifestou no começo da década de 1960 em viagens à China e ao México. A fragilidade era tamanha que o cardiologista Euryclides de Jesus Zerbini aconselhou forfait no comício da Central do Brasil, na sexta-feira 13 de março de 1964. Jango ignorou-o, subiu ao palanque e discursou. O segredo era de polichinelo. Em agosto de 1963, o embaixador dos Estados Unidos, Lincoln Gordon, agourou numa mensagem reservada: ''Se Deus é realmente brasileiro, o problema cardíaco que acometeu Goulart em 1962 não tardará a se tornar agudo''.
Jango foi deposto em 1964 pelo golpe de Estado que pariu a ditadura de 21 anos. O segundo presidente do novo regime foi o marechal Arthur da Costa e Silva. Em agosto de 1969, o veterano oficial de infantaria sumiu. O governo alardeou que o marechal padecia de uma gripe. A verdade era outra: uma trombose cerebral lhe roubara movimentos do corpo e dificultava a fala. Substituiu-o uma junta militar ridicularizada como ''os três patetas''. Costa e Silva morreu em dezembro.
Não são exclusivos do passado distante os mistérios sobre saúde. Pessoas próximas a dois ministros do governo Luiz Inácio Lula da Silva me confidenciaram que eles enfrentaram câncer de próstata. As intervenções bem-sucedidas a que se submeteram permaneceram em sigilo. Não os nomeio porque nunca chequei com rigor a versão dos amigos dos ministros.
Em outubro de 2011, o ex-presidente Lula viria a ser mais sincero, anunciando que tinha câncer na laringe. Muitos dos médicos que o acompanharam já haviam cuidado de sua sucessora, Dilma Rousseff, quando ela era pré-candidata. Em 25 de abril de 2009, um sábado, os repórteres Mônica Bergamo e Diógenes Campanha revelaram que a ministra Dilma passava por ''tratamento prolongado de saúde'' e que os doutores haviam colocado em seu corpo um cateter característico de ''tratamento quimioterápico''. Horas mais tarde, no hospital Sírio-Libanês, Dilma contou que lutava contra um linfoma.
Em meados de 1983, o general João Baptista Figueiredo preferira cascatear. Na manhã de 22 de junho daquele ano, a ''Folha de S. Paulo'' chegou às bancas com a chamada de primeira página ''Coração de Figueiredo pode exigir cirurgia''. Remetia para a coluna de Janio de Freitas, que abria tonitruante: ''Uma nova manifestação da cardiopatia do general Figueiredo, até agora mantida em sigilo rigoroso do seu circuito mais estreito de relações, está fazendo com que seja cogitada uma cirurgia do presidente, em futuro próximo, para implante de pontes de safena''.
O líder do governo, Nelson Marchezan, negou: ''A saúde do presidente está muito boa''. Peitou os jornalistas que o entrevistavam: ''Será que vocês vão querer que o presidente monte a cavalo todos os dias para provar que está bem de saúde?'' O general Rubem Ludwig, chefe da Casa Militar, pegou mais pesado. Classificou de ''terrorista'' a notícia. O jornalista Carlos Castello Branco, quase sempre bem informado, tropeçou: ''O presidente está bem de saúde''.
Em 15 de julho, duas pontes de safena foram implantadas em Figueiredo, o presidente que dizia preferir o cheiro de cavalo ao de povo. Ainda no leito da clínica de Cleveland, o recém-operado se deixou fotografar. Na edição do dia seguinte, Janio mencionou algumas declarações que haviam desqualificado o seu furo bombástico. Não omitiu os autores. E concluiu, numa tirada antológica do jornalismo: ''Ao general Figueiredo, pronta recuperação. Aos outros citados, também''.