Ao aderir aos ‘fatos alternativos’, Fifa rouba dias de glória do futebol
Mário Magalhães
Até a grama devastada do Maracanã sabe da última da Fifa: como contou o repórter Jamil Chade, a entidade empenhada em demonstrar renovação teima em não reconhecer os campeões mundiais de clubes pré-2000.
Os condutores da máquina de fazer dinheiro às custas do futebol mantêm a decisão dos tempos do ex-presidente Joseph Blatter, afastado depois de falcatruas se tornarem públicas.
Devo estar doido. Jurava que no dia 12 de dezembro de 1993 cobrira em Tóquio o bi tricolor, ao lado dos colegas Jorge Araújo e Andréa Fornes. Abria assim a cobertura: ''O São Paulo conquistou ontem o bicampeonato mundial de clubes. É o maior triunfo da história de clubes brasileiros de futebol, ao lado dos dois títulos planetários do Santos (1962/63). Derrotou o Milan por 3 a 2. O gol da vitória foi marcado pelo atacante Muller, a quatro minutos do final. 'Foi a vitória da fantasia contra um time aplicado, que parece uma máquina', disse o meio Toninho Cerezo, 38, o mais velho jogador em campo''.
De acordo com a Fifa, o confronto entre os campeões europeu e sul-americano não valeu o título mundial. Logo, Telê Santana teria passado pela vida sem ganhar um mundial.
Pelo mesmo critério, o Santos do Pelé jamais venceu um mundial, a despeito das conquistas de 1962 e 1963. No segundo jogo da disputa do bi, Almir Pernambuquinho jogou no lugar do rei. Esquentado como era, se ainda estivesse aqui, o Almir sairia no braço com os cartolas da Fifa.
O título da Copa Rio de 1951, comemorado pela torcida do Palmeiras como um mundial, também não é reconhecido. E isso que a Fifa já chancelara o clube como ''primeiro campeão global''. Mas, sustenta agora, não mundial.
O comunicado da sexta-feira é categórico: só são ''considerados oficialmente pela Fifa como campeões mundiais de clubes'' os de 2000 em diante. Também tive o privilégio de cobrir este mundial, vencido pelo Corinthians no Maracanã. O Vasco foi vice.
Uma das minhas maiores alegrias, pelo visto, foi sonho e delírio: os 3 a 0 do Flamengo sobre o Liverpool, no Japão. Assisti à partida pela TV, na madrugada de 13 de dezembro de 1981. No primeiro tempo, enquanto o rubro-negro extasiava, um locutor, salvo engano o Léo Batista, informou que o general Jaruzelski dera um golpe de Estado na Polônia. Se prevalecesse a lei da Fifa, o Zico nunca teria sido campeão mundial. Mas foi.
Nem o Grêmio do Renato Portaluppi, autor dos dois gols na vitória de 2 a 1 sobre o Hamburgo em 1983.
O que a Fifa acha vale tanto quanto a palavra do Donald Trump. O presidente dos Estados Unidos vive a era dos ''fatos alternativos''. Noutras palavras, carentes de lastro na realidade. Sem eufemismos: mentiras.
O futebol é muito maior do que um Gianni Infantino, o presidente da Fifa, e toda a sua turma.
Dias de glória como aqueles em que tantos heróis se tornaram campeões mundiais não podem ser roubados na mão grande, como faz a entidade desmoralizada por tanta roubalheira.
A Fifa aderiu aos fatos alternativos.
Por mais que minta, não mudará a história, nem roubará o que foi conquistado em campo.
Saudade do Telê.