Sabáticas: Uma folha do passado
Mário Magalhães
Minha ignorância botânica me impede de saber qual é a espécie das árvores que têm transformado a calçada da praia de Botafogo, grudada à areia, num tapete de flores amarelas. Perguntei aqui e acolá, o pessoal especulou, sem certeza.
O outono como única estação em que flores e folhas caem em profusão talvez exista em livros infantis ilustrados, mas não no Rio. Na quarta-feira, o sol marrento do verão já torrava às oito e meia da manhã. Na esquina da rua São Clemente com a praia de Botafogo, uma brava gari recolhia sozinha um monte de folhas mortas.
Mal distingo girassol de margarida, porém reconheci as folhas de abricó-de-macaco, árvore cujos frutos grandões se assemelham a bolas de futebol. Mais adiante, um pouco depois do monumento ao Estácio de Sá, uma bolota daquelas caiu perto de uma ciclista. Se pegasse na cabeça, machucaria.
Não vi folhas de amendoeira em meio às de abricó-de-macaco. Mas reparei no que parecia uma página de jornal velho ou sujo. Era as duas coisas, velho e sujo. Abaixei-me e li o título, Correio da Manhã, diário extinto há décadas. O ano, 1934. Edição de três de junho de 1934.
O tempo cortou um anúncio da Casa dos Três Irmãos, loja que vendia seda na rua do Ouvidor. “A maior liquidação de todos os tempos”, apregoavam _esse papo é antigo. Um desenho mostrava os três maiores felinos: leão, tigre e jaguar, que vinha a ser a nossa onça. Virando a página, a poeta Maria A. Velloso gracejava em versos com a história de um cabra valente pra chuchu que, no entanto, se borrava diante de rato.
Coloquei o papel no bolso, e ele escapou da lata de lixo da história. Quem será que o guardara? Por quê? E quem o descartou ou perdeu?
Meu plano era correr. Inibido pelo calor sádico, só caminhei. Pensei no ano de 1934. O da nova Constituição do Brasil. Da Copa da Itália, vencida pelos italianos. Hitler alcançara o poder um ano antes. Faltavam dois para a guerra civil espanhola e cinco para a Segunda Guerra.
Em 1934, os cariocas cantaram pela primeira vez Cidade Maravilhosa. Quando eu vejo as lâminas de flores amarelas e de folhas de abricó-de-macaco tenho a impressão de que a marchinha do André Filho ainda vale. Será?