O roubo da lua (uma crônica sobre corrupção no Rio em novembro de 2016)
Mário Magalhães
Como todo mundo sabe, em 20 de julho de 1969 o comandante Neil Armstrong imprimiu a primeira pegada humana na superfície lunar. Aquele domingo era de lua nova no Rio. O que não me impediu de nos dias seguintes sentar na areia da praia do posto 6, olhar para o céu, me hipnotizar com a casca quase em forma de bumerangue _a lua crescente_ e encasquetar: cadê os astronautas que eu vira nos jornais e na TV?
Quer dizer, nem todo mundo sabe. Trinta anos depois da frase épica “um pequeno passo para o homem, um salto gigantesco para a humanidade”, seis por cento dos norte-americanos afirmaram ao Gallup que a viagem da Apollo 11 não passara de encenação. Em números, milhões de mentes. Em cada quatro britânicos, um cultiva essa teoria da conspiração, informou meses atrás o Daily Telegraph londrino.
Nunca fui dado a parvoíces tipo Elvis não morreu. Aos cinco anos, não cogitava trapaça. Só não entendia por que os homenzinhos haviam sumido e me entristecia. Como ignorava o regresso da missão, continuei a procurá-los. Foi minha primeira frustração com o céu.
A segunda demorou dezessete anos, e atendia pelo nome de cometa Halley. O dito cujo não dava as caras desde 1910, quando desfilara fulgurante no espaço. Uma avó não o esquecera. A vó contava que seus contemporâneos tinham temido o fim do mundo na hipótese de a cauda surgir imponente. Ela surgiu, e o mundo deu de ombros.
Em 1986, os amigos encomendavam binóculos e se endividavam em crediários para comprar lunetas. O Benito de Paula lançou música de boas-vindas ao Halley. O cometa pop virou pretexto de convites para atravessar as madrugadas abraçadinho, ao ar livre, em busca dos seus vestígios. Tudo pela astronomia.
Na hora agá, foi como ir ao ano novo em Copacabana para se embevecer com a queima de fogos e dar com um improviso de rojões mequetrefes de festa junina. E olhe lá, porque a olho nu eu não vi nada. A próxima visita do cometa caô ficou agendada, juraram os entendidos, para dali a 75 anos.
Nesta semana, animei-me com a promessa da maior lua em 68 anos. Tão grande que a promoveram a superlua, primeira divisão. Passaria tão pertinho de nós que conviria se abaixar para não ser abalroado no cocuruto. No domingo, numa terra desposada do sol, encantei-me foi com a lua. É só um aperitivo, desdenharam. Superlua só amanhã.
O amanhã chegou, tomei o avião, terminei de ler o livro sobre o Guardiola e desembarquei no Rio nublado e chuvoso. À noite, caminhava de uma varanda a outra, uma voltada para o sul, outra para o leste. Olhei para cá e para lá, para norte e oeste, olhei tanto para cima que não sei como escapei de um torcicolo.
Não encontrei lua, superlua, nem a mais desenxabida estrela. Já na internet, ah, a internet, cada imagem mais linda que a outra, planeta afora. Moral da história: em tempos de roubalheira pornográfica, roubaram a lua no Rio. Igualzinho ao Gru, o vilão adorável e gatuno de Meu Malvado Favorito.
Pior foi ver mais tarde fotos da superlua reluzindo em céu carioca. Se a lua é metáfora, ela também retrata desigualdade. Tão exibida para uns, invisível para outros.
Lembrei-me da dona Sylvia, amiga mais afinada que diapasão, a cantar “todos eles estão errados, a lua é dos namorados”. Um verso da marchinha alerta a lua: “Querem te roubar a paz”. Por aqui, ao menos no pedaço do céu que me coube, roubaram a lua inteira.