Cabral: Desvios de esquema denunciado bancariam comida popular por 4 anos
Mário Magalhães
A maior desgraça do Brasil é a desigualdade. Na modalidade, somos uns dos campeões mundiais.
O aspecto mais abominável da corrupção é que ela contribui para a permanência ou ampliação da desigualdade.
Corruptos e corruptores favorecem os mais ricos e prejudicam os mais pobres. Ludibriam os cidadãos.
Dois episódios, combinados, mostram como a coisa funciona.
No começo do mês, o governador Luiz Fernando Pezão anunciou o fim do programa Restaurante Cidadão. Em 16 restaurantes populares, o Estado servia de segunda a sexta mais de 50 mil refeições diárias, no máximo a R$ 2. De acordo com o governo, ''o público beneficiário dos restaurantes é formado, em sua maioria, por trabalhadores formais e informais de baixa renda, desempregados, estudantes, aposentados, moradores de rua e famílias em situação de risco de insegurança alimentar e nutricional, cuja principal refeição do dia é realizada nestes estabelecimentos''. Noutras palavras, quem precisa de comida subsidiada. O custo anual do programa é R$ 57,4 milhões. Essa será a ''poupança'', com o fechamento dos restaurantes (parte deles deve ser assumida por prefeituras, como a do Rio).
Na manhã de hoje, foi preso o ex-governador Sérgio Cabral, antecessor e padrinho político de Pezão. Cabral é acusado de participar de um esquema de propinas. Os investigadores estimam que o desvio de dinheiro público chegou a R$ 222 milhões. O objetivo da prisão, de acordo com o Ministério Público Federal, é ''aprofundar investigações sobre organização criminosa chefiada pelo ex-governador Sérgio Cabral _dedicada à prática de atos de corrupção e lavagem de dinheiro, composta por dirigentes de empreiteiras e políticos do alto escalão do governo do Rio''. Ontem havia sido preso o ex-governador Anthony Garotinho, que apoiou a eleição de Cabral em 2006 _mais tarde os dois romperam.
Na ponta do lápis, os recursos públicos apropriados ilegalmente, conforme os números dos procuradores da República, seriam suficientes para bancar por quase quatro anos a alimentação de quem tem como alternativa, em muitos casos, a fome.
De todas as desgraças do Rio, nenhuma é maior do que a covardia com quem pouco ou nada tem.
É para essa perversidade que a corrupção também conspira.