Spotlight: pedofilia na Igreja do Brasil é escassa ou jornalismo não apura?
Mário Magalhães
(O blog reproduz este post, de 11 de janeiro, sobre questões jornalísticas estimuladas por ''Spotlight'', Oscar de melhor filme.)
Há um ótimo filme na praça. ''Spotlight: Segredos Revelados'' reconstitui uma vibrante investigação feita por uma equipe do jornal ''The Boston Globe'' no comecinho do século.
O título reproduz o nome pelo qual é conhecido o núcleo de repórteres especiais do jornal _''spotlight'' quer dizer holofote.
Eles publicaram reportagens revelando a pedofilia disseminada na Igreja católica na região de Boston, sobretudo a rede de poder, de cardeal a advogados, que encobria os criminosos.
Façanha jornalística, num tempo em que o jornalismo tem do que se envergonhar. A primeira matéria da série saiu em janeiro de 2002. Um ano mais tarde, os Estados Unidos invadiriam o Iraque sob o pretexto de o governo Saddam Hussein possuir armas de destruição em massa. O jornalismo norte-americano deu cobertura desvairada à acusação, que se comprovou falsa.
A seguir, seis pitacos jornalísticos, e não estéticos, a respeito de questões estimuladas pelo filme.
*
1) Ao contrário do que fez a pequena, porém valente equipe do ''Boston Globe'' há mais de uma década, no Brasil as investigações jornalísticas sobre pedofilia na Igreja identificaram casos isolados, não um fenômeno sistêmico. O que será diferente aqui: padres pedófilos cometem abusos em episódios pontuais, que não constituem prática disseminada, ou o jornalismo nacional não foi capaz de descobrir um fenômeno amplo?
2) ''Repórter investigativo'', expressão que tem sido repetida à exaustão nos comentários sobre ''Spotlight'', é pleonasmo. Todo repórter investiga, é da natureza do seu ofício. As investigações podem tomar mais ou menos tempo, guardar grandes ou modestas ambições jornalísticas. Mas, se há repórter na parada, há investigação, a denominação mais presunçosa de apuração. O jornalismo reúne gêneros que não exigem necessariamente investigação. A crônica alimenta-se, acima de tudo, da observação. Ao contrário do gênero da reportagem, que impõe investigar.
3) Sem bilheteria não tem circo. A premissa, lição que ouvi por muitos anos, aplica-se também ao jornalismo. Uma equipe como a do ''Boston Globe'' custa caro. Há de pagar salários, viagens, infra, advogados. Sem investimento em investigações profundas, grupos de repórteres como o que protagoniza o filme tendem a ser mais enxutos e correm o risco de extinção. Como o jornalismo é serviço público, ainda que exercido por empreendimentos privados, quem perde são os cidadãos.
4) Não basta bilheteria. Independência editorial é indispensável. Dois segmentos em relação aos quais o jornalismo costuma se sentir intimidado são a Igreja católica e o Judiciário. Talvez, inclusive no Brasil, a independência tenha progredido nos últimos anos. Talvez.
5) Poucos males são tão daninhos numa redação jornalística quanto a inércia. ''Spotlight'' mostra a resistência ao escrutínio de crimes de padres pedófilos. ''Já demos'' é o mantra de quem, alegando notícia discreta veiculada antes, resiste a se arriscar em investigações trabalhosas que exponham mais do que a superfície.
6) Sei que muitos jornalistas brasileiros têm aplaudido ''Spotlight''. Também sei que é comum nas redações alguns jornalistas tomarem por vagabundos e preguiçosos os repórteres integrantes de equipes de investigação de fôlego. Seriam vagabundos e preguiçosos porque publicam pouco. Os colegas do ''Boston Globe'' tocaram por cinco meses a apuração sobre pedofilia antes de publicar a reportagem inaugural da premiada série.