Philip Roth e a crise brasileira
Mário Magalhães
Não direi quando, em que circunstâncias ou na boca de quem aparecem as palavras abaixo, porque odeio spoiler e posso estragar a surpresa. Trata-se de trecho do romance ''Indignação'', de Philip Roth, com tradução de Jorio Dauster na edição da Companhia das Letras:
''[…] vinha fazendo tanta força para lhe ensinar havia muito tempo: a forma terrível e incompreensível pela qual nossas escolhas mais banais, fortuitas e até cômicas conduzem a resultados tão desproporcionais''.
Vale para o peão mal mexido que resulta em xeque-mate adversário.
Para o veterano que, já alquebrado, decide regressar às manobras de skate da juventude, bate com a cabeça no meio-fio e morre.
Ou o presidente João Goulart, que escalou o fanfarrão general Assis Brasil para comandar o seu dito dispositivo militar, e deu no que deu.
E ainda Fernando Collor, que fez uma graça, convocando seus partidários a saírem de verde-amarelo às ruas e precipitou a queda, com os brasileiros desfilando de preto num domingo memorável.
Antes que alguém implique com o título lá em cima, um país no qual o Eduardo Cunha manda tanto só pode estar em crise. Ou não?
Não quero dizer que o doce de leite comprado pela presidente Dilma em Montevidéu terá consequência na vida política nacional, além de fornecer umas calorias a mais à agora moça esbelta.
Mas desconfio que pequenos movimentos, tidos como ''banais e fortuitos'', com a temperatura nas alturas como está, possam ter ''resultados desproporcionais'' na próxima quadra histórica.
Foi por isso que me lembrei do livro do Philip Roth.