Blog do Mario Magalhaes

Rock antinazista embala manifestações alemãs pró-acolhimento de refugiados
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Mário Magalhães

 

Enquanto Freud explica, em alemão, o rock dá o toque. Na mesma língua: um sucesso da banda alemã Die Ärzte, que bombou nos anos 1990, voltou às paradas de sucesso. Turbinado por um movimento disseminado nas redes sociais, o hit ''Schrei Nach Liebe'' (''Gritar por amor'') é um petardo contra os neonazistas. O regresso consagrador se deve ao empenho de muitos alemães no combate aos segmentos de extrema direita que protestam contra o acolhimento de refugiados pelo país. Um professor de música começou a agitar o revival, e virou onda na internet e nas ruas.

Fiquei sabendo por reportagem do ''Washington Post'', que recomendou uma tradução para o inglês à disposição no Youtube (clique na imagem no alto ou aqui).

A letra diz coisas como ''Você é realmente estúpido'', ''A sua atitude é o ódio'', ''Sua violência é apenas um grito silencioso por amor'', ''Seus pais nunca tiveram tempo para você'', ''Imbecil!'', ''Porque você tem medo de mostrar ternura/ Você é um fascista'', ''Sua namorada nunca tem tempo para você''.

Nada que lembre um soluço de Schiller e Rilke, é claro. E ainda prejudicado pela minha tradução, mais ou menos livre, da versão inglesa.

Mas, como dito, é rock de combate. E para combater neonazista, causa justa, maiores sacadas poéticas são bem-vindas, porém prescindíveis.

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Alguém deixou de receber córneas porque fone para transplantes não atendeu
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Mário Magalhães

blog - doe órgãos

Marcos Marcelino Cahu, 32, sabia o que queria que fizessem com seus órgãos, quando chegasse ao fim do caminho: que os doassem, para salvar e melhorar a vida de quem ficou.

No sábado, quando Marcos morreu no Rio, deu-se o fim da picada: o hospital buscou contato com a Central Estadual de Transplantes para a doação de tecidos e córneas _outros órgãos foram descartados, porque não houve morte encefálica, mas por parada cardíaca. A doação de córneas pode ocorrer pelo menos até seis horas depois da parada cardíaca (saiba mais aqui).

A família informou o Hospital Estadual Getulio Vargas sobre a condição de Marcos como doador.

O hospital contou à família que ligou para o Disque Transplante, 155, mas ninguém atendeu. Era o sábado do feriadão.

A Secretaria Estadual de Saúde declarou que o telefone ficou 12 horas fora do ar por problemas técnicos. Mas que havia outros números para a equipe ser contatada.

A Oi sustenta não ter havido interrupção do serviço telefônico.

Nesse jogo de empurra, pessoas deixaram de ser beneficiadas pela opção generosa de Marcos.

Alguém deixou de ter a chance de enxergar.

É mesmo o fim da picada.

Como foi a morte de Marcos, alvejado por uma mal denominada ''bala perdida'', disparada em alegado tiroteio entre policiais militares e bandidos na zona norte. Ele não morreu; foi morto. Marcos trabalhava num estaleiro.

Para saber mais sobre as duas barbaridades _a morte de Marcos e  a impossibilidade de honrar sua vontade de doador_, basta clicar aqui, na reportagem do Marco Grillo.

Ou neste link, da matéria da Tatiana Nascimento.

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Poucos times têm tanto motivo para reclamar de arbitragem como o Flamengo
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Mário Magalhães

blog - flamengo garfado

Flamengo garfado contra o Avaí – Foto reprodução

 

A informação desacompanhada do contexto pode desinformar, talvez não como a mentira, mas longe da verdade.

Exemplo histórico é a tomada de Berlim, em 1945, pelas tropas soviéticas triunfantes na guerra. Os soldados do Exército Vermelho cometeram toda sorte de abusos contra a população civil, sobretudo mulheres. A informação só está completa quando se conta o que os militares alemães haviam aprontado ao invadir a União Soviética. Não se trata de justificar ou minimizar as barbaridades dos soviéticos, muito menos as da Wehrmacht, mas de contextualizá-las.

Contexto foi o que faltou em numerosos comentários sobre o passeio rubro-negro no Fla-Flu. Para quem não viu, a síntese é a seguinte: poucos placares foram tão enganosos no Campeonato Brasileiro como o 3 a 1 no Maracanã. Se o Flamengo tivesse caprichado mais, 7 a 1 não teria sido aberração, tamanha a assimetria entre uma equipe que ascende e outra que cai.

A equipe do Oswaldo de Oliveira, quatro vitórias em quatro partidas na competição, é a de melhor aproveitamento no segundo turno. O jogo de ontem deixou claro que a principal mudança, além da confiança, é a troca do cultivo mais prolongado da posse de bola pela aposta em bem-sucedidos ataques rápidos. O técnico entendeu mais as características do elenco do que o antecessor, Cristóvão Borges.

O primeiro gol do Flamengo ocorreu em falha do árbitro, que não viu a bola bater no braço do Wallace antes de o Emerson completar. Repito: falha do árbitro.

Houve quem quisesse atribuir a tal erro a supremacia rubro-negra. Ela já ocorria, desde a saída de bola, e continuou depois.

Mas o maior problema na abordagem é descontextualizar o que ocorre com o clube da Gávea e do Ninho do Urubu no Brasileiro. O Flamengo é um dos times mais prejudicados, como demonstrou no sábado levantamento publicado pela ''Folha''.

Nenhuma equipe foi mais garfada. Ao lado do Flamengo, empatavam Atlético-MG, Fluminense, Palmeiras e Sport.

Os mais beneficiados foram Corinthians e Avaí, com quatro mãozinhas. Os catarinenses fizeram gol fatal contra o Flamengo, 2 a 1, depois de a bola ter saído, muiiiiito, pela linha de fundo.

O Flamengo também se deu mal num pênalti inventado para o Fluminense, no primeiro turno, outro tento decisivo, 3 a 2.

Isso tudo elimina o fato de que o Wallace tocou na bola?

Não, mas contar o episódio do Fla-Flu omitindo que o Flamengo tem sido muito prejudicado é construir uma narrativa sem contexto.

Em torcedores, até se entende. No noticiário, fica esquisito. Sugiro compararem as coberturas do 3 a 2, com o penal mandrake, com a do 3 a 1 de ontem. Desproporção. E a ladainha segue hoje.

O tom do domingo fez com que o Flamengo parecesse se dar bem com arbitragens. Não é o que tem acontecido. Nesse infortúnio, Fla e Flu estão juntos. Haja juiz ruim!

E olha que a pesquisa da ''Folha'' ignora outros equívocos, mas deixa pra lá.

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Livro conta o incrível dia em que a esquerda se uniu contra os fascistas
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Mário Magalhães

blog - a revoada dos galinhas verdes

 

A esquerda só se une no cárcere, proclama o aforismo. Só pronunciou tal sentença, e a espalhou, quem não tem a mais remota ideia do que é a vida de militantes na cadeia. A clausura muitas vezes estimula as divergências, e não as convergências. É o que demonstra a história dos anos 1930, 1940, 1960 e 1970, com tanta desinteligência entre os presos políticos.

Idem fora dos presídios. Até mesmo em ações unitárias a unidade não decorreu de muitas opiniões comuns. Na primeira metade da década de 1940, a esquerda brasileira se dividia entre quem estava com o ditador Getulio Vargas ''na guerra'' ou ''na guerra e na paz''. Os primeiros aceitavam a frente contra o Eixo, mas em casa batalhavam pelo fim do Estado Novo (1937-1945). Os segundos, em nome da aliança contra o nazifascismo, preferiam dar trégua ao presidente e apoiá-lo sem pudores. Estavam juntos nas ruas, contra Hitler e companhia, mas guardavam diferenças sobre o gaúcho e seu regime.

Na mesma época, voltando ao pessoal em cana, os presos de esquerda racharam em Fernando de Noronha e na Ilha Grande, onde cumpriam pena. Uns toparam a oferta da administração, nomeada pelo Estado Novo, de trabalhar em troca de caraminguás. Outros recusaram colaboração com os carcereiros que representavam o governo antidemocrático.

Quem vê fotos de artistas e intelectuais se manifestando nas ruas do Rio contra a ditadura, de 1966 a 1968, ignora os confrontos nas assembleias nos teatros. Havia quem quisesse botar o bloco na rua, desfraldando bandeiras, e quem preferisse se limitar a manifestos e abaixo-assinados, argumentando que demonstrações em praça pública constituíam ''provocação'' aos generais linha-dura.

Deem uma olhada nas faixas dos atos, na virada da década de 1970 para a de 1980, contra a ditadura instaurada em 1964. Umas reivindicavam ''Abaixo a ditadura''. Outras, por seus portadores julgarem que tal estandarte configurava radicalismo tendente ao isolamento, pediam ''Pelas liberdades democráticas'', sem cobrar o fim da ditadura. Antes, em 1968, rivalizavam os brados ''Só o povo armado derruba a ditadura'' e, contra a aposta na guerrilha, ''O povo organizado derruba a ditadura''.

Em suma, é complicado unir a esquerda. A velha piada sobre os trotsquistas tem lastro real: dois formam um partido, três resultam em racha.

Nos princípios dos anos 1930, a esquerda estava fragmentada como sempre. Com o desgaste das democracias liberais, acentuado pela quebra da Bolsa em Nova York, e a ascensão do fascismo, na Itália, e do nazismo, na Alemanha, o ambiente adubou a formação de uma poderosa organização de extrema direita no Brasil. Batizada como Ação Integralista Brasileira, reunia centenas de milhares de integrantes, sacaneados como galinhas verdes por seus contendores.

Os integralistas marcaram para a tarde de 7 de outubro de 1934 um ato público em São Paulo, interpretado pelos inimigos como uma tentativa de exibição de força inspirada na marcha fascista sobre Roma, ocorrida 12 anos antes.

Foi então que se deu o milagre histórico, e a esquerda se uniu para pôr os fascistoides para correr. Uniu-se mesmo: anarquistas, stalinistas, trotsquistas, nacionalistas, sindicalistas, tenentistas, sociais-democratas, uma miríade de tons. Já contei esse episódio aqui no blog, no post ''Há 80 anos, antifascistas expulsaram extrema direita da praça da Sé''.

Acaba de sair em livro, pela editora Veneta, o mais espetacular relato sobre a batalha da praça da Sé. O autor é o jornalista Fúlvio Abramo (1909-1993), e o título, ''A revoada dos galinhas verdes: Uma história da luta contra o fascismo no Brasil''.

Além de jornalista qualificado, memorialista cativante e cabra escrupuloso até o último fio de cabelo, Fúlvio Abramo se beneficia de um trunfo especial em sua narrativa, publicada originalmente em 1984: ele foi um dos protagonistas da frente única de esquerda que pelejou na Sé e freou o crescimento do integralismo.

Li de uma vez só, sem parar, as 196 páginas (há uma boa seleção de fotografias e uma cronologia preparada pelo editor Rogério de Campos).

''A revoada dos galinhas verdes'', tremenda leitura para quem se interessa por história, pode ser encontrado nas melhores livrarias e, na editora, pela internet (basta clicar aqui).

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‘Yes, we can!’: a Dilma deveria ler a Laura
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Mário Magalhães

Por Aroeira, grande cronista da(s) crise(s), em março de 2015

 

Dilma Rousseff deveria ler o artigo de Laura Carvalho publicado hoje na ''Folha''. Em meio a um sem-número de chantagens para manter o arrocho, a presidente poderia constatar que há outro caminho, diferente do sacrifício dos mais pobres. A professora de economia da USP ensina,  tim-tim por tim-tim, como é possível Dilma honrar os compromissos de campanha, sem se render à política econômica dos ''ideólogos de Chicago''. Vale, muito, a leitura:

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Yes, we can!

Por Laura Carvalho

Os mais recentes números do PIB (Produto Interno Bruto) indicam uma contração de mesma magnitude da que vivenciamos no primeiro trimestre de 2009, após a eclosão da maior crise internacional desde 1929.

Naquela ocasião, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi à TV e parece ter convencido a maioria dos brasileiros de que o Brasil podia superar a crise: tinha vultosas reservas internacionais, contava com a força do mercado interno e o comando firme do governo.

Após anunciar diversas medidas de estímulo à economia, o ex-presidente garantiu que os investimentos governamentais não seriam cortados, para então pedir a colaboração de todos: os empresários deveriam seguir investindo e as famílias não poderiam ter medo de consumir.

''Se você não comprar, o comércio não vende […] e aí a fábrica produzirá menos'', explica o ex-presidente, em uma verdadeira aula sobre o Princípio da Demanda Efetiva de Keynes. Já no segundo trimestre de 2009, a economia voltou a crescer 2,2%.

O governo Dilma, desde que ganhou as eleições, parece, ao contrário, ter se dedicado a convencer os brasileiros de que a oposição estava certa e de que estamos todos no mesmo barco em vias de naufrágio. O governo decidiu investir menos, incentivando as famílias e empresários a fazer o mesmo. Perde seu tempo procurando a fadinha da confiança, em vez de buscar a autoconfiança perdida.

Um manual de autoajuda bem simplório, desses disponíveis na internet, sugere que, para recuperar a autoconfiança, se faça um balanço de si mesmo e se reconheça o seu potencial.

Apesar dos erros na política econômica, o nível de dívida pública líquida, que era de 37% do PIB em 2011, hoje é de 34% do PIB. Esse patamar já foi de 60% no Brasil, em 2002, e é hoje de 170% na Grécia e de 50% na Alemanha.

A dívida bruta, que não desconta as reservas internacionais e outros ativos do governo, subiu nos últimos anos, é verdade, mas ainda nos mantem atrás da grande maioria dos países que conseguem se financiar no mercado de títulos. Além disso, seu perfil melhorou bastante, com prazos mais longos, quase nenhuma dívida externa e menos títulos indexados à Selic.

Assim, o governo ainda pode ajudar a superar a crise se contar, como em 2009, com a força do mercado interno e com sua capacidade de endividamento, que, aliás, já está sendo usada para cobrir sucessivas quedas nas receitas e o pagamento de juros cada vez mais altos. Melhor seria endividar-se para preservar empregos e expandir investimentos em infraestrutura física e social.

Já a alta do dólar, por encarecer produtos importados, é uma boa oportunidade para a indústria nacional, que tem hoje melhores condições de atender a um eventual aumento nas vendas.

Infelizmente os ideólogos de Chicago continuam a desdenhar da aula magna de economia que nos deu o operário ganhador de tantos títulos de doutor honoris causa mundo afora. Pior. Desprezam os gritos da realidade para os quais até simplórios manuais de autoajuda revelam-se mais úteis que seu cantochão ortodoxo.

A proposta de Orçamento para 2016, enviada na segunda-feira (31) ao Congresso Nacional, dá aos mais otimistas a impressão de que o realismo ainda tem alguma chance neste governo. O balanço feito também indica que o navio pode chegar a terra firme. Mas quem comanda?

Laura Carvalho é professora do Departamento de Economia da FEA-USP com doutorado na New School for Social Research (NYC).


Memória: a reta final da Help
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Mário Magalhães

blog - help

Lembrança da discoteca Help, da coleção do blogueiro

 

O Museu da Imagem e do Som, aqui do Rio, completa hoje 50 anos de ótimos serviços prestados à cultura nacional, sobretudo a carioca. O Estado promete concluir as obras da nova sede do MIS no primeiro semestre do ano que vem. Será um prédio monumental e estiloso, na avenida Atlântica, de cara para o mar de Copacabana. A efeméride deste 3 de setembro me fez lembrar da casa que funcionou até janeiro de 2010 no terreno que abrigará o MIS. Era a discoteca Help, que marcou época na cidade. Em maio de 2009, quando estava em curso a desapropriação, escrevi uma reportagem (reproduzida abaixo) sobre o lugar. Como nunca tinha ido lá, aceitei o convite generoso de um amigo habitué para me ciceronear. Conversei, ouvi histórias, contei. Por mais imponente e bacana que seja o novo MIS, mantenho a opinião: era melhor ter poupado dinheiro público com a aquisição do terreno, deixado as garotas de programa trabalharem em paz por lá e erguer o prédio na região portuária. Jogo jogado, mais 50 anos de sucesso ao MIS, agora também em Copacabana!

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Help!

Dona de curvas discretas que sugerem encantos depois de algumas doses, a mineira de nome de guerra Adriana dá de ombros ao anúncio de que, desta feita, a discoteca Help vai mesmo virar museu: ''Só se for museu de mulher pelada''.

Não se veem mulheres peladas no estabelecimento fundado 25 anos atrás na orla de Copacabana, como reduto da juventude bem nutrida da zona sul, e que se consolidou na década de 1990 como templo da prostituição no Brasil.

O governo do Rio de Janeiro pretende erguer nos 1.600 metros quadrados do terreno da av. Atlântica a sede do MIS (Museu da Imagem e do Som).

O Estado depositou em juízo R$ 13 milhões para a desapropriação e orça o projeto em R$ 65 milhões, metade da iniciativa privada. Com acervo de 1.300 metros lineares de documentos, o MIS funciona em dois prédios históricos, de 1864 e 1922.

Sem cafetão

Em modelos minimalistas ou dois números menores, mulheres dançam na pista com ambição de terminar a noite sem roupa, mas com dinheiro no bolso. A vingar o plano do governo, elas vão perder o coliseu onde a clientela fantasia que as caça enquanto é caçada.

Milhares de garotas e senhoras de programa -ninguém precisa quantas exatamente- partirão em diáspora incerta em busca de um canto seguro como a Help para trabalhar.

Aqui, cafetão não tem vez. Dos em média R$ 15 mil que uma gaúcha balzaquiana jura faturar por mês aos R$ 3.200, R$ 3.500 de uma paulista de nove filhos, quatro netos e 42 anos de formosura, nenhum tostão é transferido a agente, ''protetor'' e explorador.

O desembolso é pelo ingresso, R$ 28 antes da meia-noite e R$ 38 até o fechamento, por volta das 5h -o valor não varia por sexo. O investimento é de risco: se não obtiver cliente, contabiliza prejuízo. O preço espanta prostitutas mais pobres e travestis que se prostituem.

Em contraste com os inferninhos do bairro, as prostitutas não empurram drinks aos frequentadores, boa parte oriunda do exterior. Cada um tira seu tíquete no caixa e pede no balcão. A preços módicos, a considerar a vizinhança: lata de refrigerante a R$ 3, garrafinha de espumante top do Vale dos Vinhedos a R$ 20.

Não há sexo, nudez, performance erótica. O cenário passaria por boate comum, se as mulheres não ofertassem o amor pago. Seguranças zelam contra o consumo de drogas. Bolsas ficam na chapelaria. As portas dos banheiros são tão baixas que inibem quem lá acorre em apuros.

Quadros apregoam em vários idiomas o veto a saias excessivamente curtas, o que estimula a dúvida: se as minissaias que desfilam lá dentro não são demasiado minúsculas, serão as vestes proibidas invisíveis a olho nu?

Impõem-se limites aos amassos. Não se identificam jovens com aparência de menor de idade. À meia-noite o DJ ataca com a gravação original de ''Help'' pelos Beatles. Logo vem o baticum techno.

Moralismo

''É um lugar extremamente seguro e de acordo com as normas e códigos do trabalho sexual no Brasil'', diz o antropólogo Thaddeus Blanchette. ''Se todas as zonas e os bordéis fossem que nem a Help, a gente seria uma cidade feliz.''

Americano radicado no Rio, Blanchette é co-autor, com a antropóloga Ana Paula da Silva, do estudo ''Nossa Senhora da Help''. Ambos são doutores pela UFRJ. O título ironiza o estrangeiro crente que fisgara na discoteca a mulher dos sonhos: baiana, 26 anos e virgem.

Autora do livro ''Filha, Mãe, Avó e Puta'' (Objetiva, 2009), a ex-prostituta Gabriela Leite sintetiza: ''O fechamento é fruto de moralismo do governo, para esconder a prostituição''.

A Secretaria de Estado de Cultura, dirigida por Adriana Rattes, nega: ''É uma acusação leviana. O governo tem outras grandes preocupações que não o moralismo''.

Ela acrescenta: ''A grande motivação do novo MIS é a certeza de que a cultura é fator de ponta de desenvolvimento econômico. O MIS será a maior atração do turismo cultural nacional e internacional, além de centro de documentação sobre a história da música e da imagem desta Cidade Maravilhosa''.

Em outubro, contudo, o governador Sérgio Cabral comemorou: ''[…] Vamos recuperar uma área degradada da cidade, que acabou se transformando em um centro de prostituição e referência negativa […]''.

Blanchette retruca: ''O governo está fechando um lugar modelar. Onde mulher vai para encontrar cliente. E vai embora para o hotel dele. Na Help, é a mulher que controla os termos da negociação. Ela pode ou não ir com alguém''.

Turistas

A controvérsia anima fóruns da internet mundo afora. Um gaiato escreveu que, se é tão bom como contam, viajará ao Brasil antes que a Help morra. Na quinta, o Google fornecia 603 mil links para a busca conjunta pelas palavras ''disco'' ''Help'' e ''Copacabana''. Proliferam-se anúncios na rede por apartamentos próximos à discoteca. Em um site, há três categorias: a 4, 8 e 12 minutos de distância. Fazem-se reservas por telefone nos EUA.

Os turistas sexuais são o alvo recorrente das moças: elas sonham com um marido ''gringo'' que as leve ao lugar-comum da felicidade, muito além do Brasil. Uma confidencia que deixou os filhos na Europa, com o pai alemão, e retomou a labuta antiga.

No padrão da Help, a prostituição é legal. Ilegal é explorá-la. Ninguém sabe quantas prostitutas há no país -no Censo, elas ocultam a ocupação. Não são poucas as que fazem da Help um complemento financeiro a atividades diurnas.

Em outras quadras de Copacabana, como em torno da rua Prado Junior, profissionais do sexo submetidas ao controle de cafetões são comuns. Aquela região deve receber muitas iminentes órfãs da Help. Será o fim da autonomia atual. Nas calçadas da praia, elas buscarão a freguesia e terão que se expor ao jogo bruto do trottoir.

Proprietário do imóvel, o espólio de uma polonesa resiste à desapropriação na Justiça, daí o ceticismo de alguns sobre a instalação do MIS.

Decisões judiciais levam o Estado a considerar que se está ''na reta final para começar a demolição'' do prédio da Help, no qual cabem 2.000 pagantes, com o uso da área de um restaurante desativado. Os donos da discoteca, locatários do imóvel, dizem não querer polêmica e esperam que a despedida esteja distante.

As futuras sem-teto não pedem socorro: lamentam, mas se conformam com o despejo. Nas memórias de muitos, elas serão o acervo do museu imaginário de mulheres peladas.

(Folha de S. Paulo, 31 de maio de 2009)


Falcão: ‘Não temos cultura tática’. Ele diz a Zico: ‘Pode contar comigo’
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Mário Magalhães

Paulo Roberto Falcão, em 2012 - Foto Felipe Oliveira/ECBahia

Paulo Roberto Falcão, em 2012 – Foto Felipe Oliveira/ECBahia

 

Paulo Roberto Falcão, titular na minha seleção brasileira de todos os tempos, deu entrevista ao jornalista Ednilson Valia. O técnico e comentarista afirmou que o futebol nacional não tem cultura tática, comparou treinadores brasileiros e argentinos, contou o que disse ao Zico, candidato a presidente da Fifa. Falou muito mais, como se pode ver no pingue-pongue reproduzido abaixo. Para ler no blog do Ednilson, acompanhado do áudio, basta clicar aqui.

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Falcão diz que o Brasil não tem cultura tática e que a diferença entre técnicos brasileiros e argentinos vão além do futebol
 
Por Ednilson Valia
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Paulo Roberto Falcão paga por ser educado. O título de “Rei de Roma” não lhe valeu o respeito devido para os dirigentes de futebol no Brasil. Não basta ser inteligente, hábil com as palavras e um homem que já viveu todas as funções em um clube do esporte mais popular do mundo.
Ele atendeu ao jornalista por telefone, gentil, respondeu todas as perguntas e questionou sobre a predileção de alguns cartolas por treinadores ''sargentões'', disse que  as diferenças entre treinadores brasileiros e argentinos vão além do futebol, refletiu sobre a goleada sofrida pela Seleção Brasileira na semifinal da Copa do Mundo e diz quem prefere ver na presidência da Fifa, entre Platini e Zico.
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Técnicos brasileiros educados e polidos sofrem preconceito dos dirigentes em alguns clubes, que preferem a velha fórmula de ter um treinador estilo  ''sargentão'' que prega arrogância com um linguajar de ''boleiro'' acreditando na conquista de bons resultados. Por que ainda existe essa cultura?
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Falcão: Não sei por que existe. Mas existe. Na busca de treinadores para determinadas situações. Tipo em um momento de dificuldade, time caindo para a série B, vamos buscar fulano para dar uma chacoalhada. Isso nós ouvimos a toda hora. Um ''Sargentão''. Os treinadores têm que se adequar com os jogadores com que tem na mão. Evidentemente isso não significa a falta de comando. O treinador que tem um histórico tem o respeito do atleta.
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Há um questionamento na mídia esportiva indagando que os treinadores brasileiros são fracos taticamente e que não apresentam variações estratégicas durante os jogos. Você concorda? Os técnicos brasileiros são ultrapassados?
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Falcão: A palavra ultrapassado é baseada no quê?  Você pode falar que alguém é ultrapassado ou não? Qual é o parâmetro ou o termômetro para isso? É muito difícil dizer se alguém é ultrapassado ou não. Evidente que existem profissionais que se preparam mais. Uma preparação não é assistir os jogos pela TV e dizer que está aprendendo. A televisão só te dá a bola, mesmo que você veja alguma coisa diferente,  tem que saber qual é a função do jogador posicionado. E para isso tem que conversar com pessoas que estão culturalmente taticamente a nossa frente. Nós (brasileiros) não temos a cultura tática. Se você pegar os últimos anos e verificar os times, verá que tinham quatro ou cinco craques. Não havia muita preocupação com o aspecto tático. Não somos um país de cultura tática. Somos um país de cultuar sempre a qualidade técnica e individual. Quando isso desaparece, tem que repensar um pouquinho as coisas. Teremos que conversar, falar, viajar e ver com profissionais de países que sempre tiveram preocupação com a tática.
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Na última Copa América, as quatro seleções semifinalistas tinham treinadores argentinos; Simeone faz muito sucesso no Atlético de Madrid, Bielsa acabou de deixar o Olympique de Marseille, Pekerman vem praticando um bom futebol a frente da Colômbia e o Mauricio Pochetino está à frente do Tottenham. Por que os argentinos tem conquistado espaço na Europa e os brasileiros não? E quais são as principais diferenças entre os treinadores da Argentina e do Brasil?
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Falcão: Não tenho explicação para isso. Talvez a explicação é isso que estávamos falando. Eu tenho viajado e olhado os professores (técnicos) que entendo de países que estão na frente da gente.  Tem que investir na profissão. Não temos cultura tática. A Argentina, como todo mundo sabe, sempre teve uma relação com a Europa, na roupa, nos sapatos, no couro, o país mais europeu na América do Sul é a Argentina. Isso é cultural, vai além do futebol.
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Existe uma crise no futebol brasileiro? Se sim, quais são os principais fatores para tal? Clubes, Federações, CBF e imprensa?
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Falcão: Acho que está todo mundo no mesmo barco. Nós temos é que fortalecer os clubes. Foi isso que eu disse ao presidente Marco Polo (presidente da CBF) e ao Gilmar Rinaldi (diretor de seleções), quando ele me ligou: temos que  fortalecer os clubes através do trabalho nas categorias de base. Mas a categoria de base não é aos 18 anos, que os times investem mais porque em dois anos ele vai se transformar em um profissional e ser vendido. Quando digo em categorias de base ressalto que tem que iniciar aos 10 ou 8 anos, colocando profissionais que tenham capacidade de ensinar fundamentos. Explicando como dominar bola, como se posiciona, qual é a função do ala, do lateral, como é jogar com três zagueiros, qual é a função do zagueiro. Mas neste período tem que priorizar a qualidade técnica. Muitas vezes não é  o que acontece.  Esse é um dos grandes problemas. O treinador das categorias de base tem um sonho de treinar um time profissional, que é justo, mas no momento de definição de um campeonato naquela categoria, entre um jogador de mais qualidade técnica e menos disposição física, sabe que aquela vitória é importante para ele e então prioriza o jogador pronto fisicamente . Mas eu acho que não, acredito que tem que ser valorizado um jogador que sabe jogar, tocar, mas isso tem vir de cima, da direção do clube, mas como conceito de futebol e uma filosofia. De ''baixo'' não precisa ganhar títulos, você tem que formar jogadores com qualidade. Isso tinha antigamente, os torcedores  cedo ao estádio para ver o time de juniores jogar. Ver jogadores de 19 anos jogar e era um espetáculo. Precisa fortalecer os clubes através de bons profissionais nas categorias de base e que priorizem jogadores que tenham técnica e não deixar de lado aqueles com mais disposição física, estes também serão trabalhados.
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É possível fazer uma avaliação das consequências ao futebol da goleada sofrida para a Alemanha por 7 a 1, em um semifinal de Copa do Mundo disputada  no Brasil?
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Falcão: Isso vai ficar sempre na gente. Ninguém poderia imaginar isso. Nem a própria a Alemanha imaginava isso. A conseqüência é que houve o debate. Mas se repete aquela a história depois de Santos e Barcelona, que o próprio Neymar saiu de campo dizendo que havia tomado uma aula de futebol. Agora também não estamos fazendo nada. Temos que fortalecer os funcionários que trabalham nos clubes. Uma melhor avaliação dos treinadores, para que não possa ter demissões a toda hora. Se define um técnico porque tem que isso e aquilo. Para mim é simples: tem que entender de futebol e saber a psicologia de grupo. Isso é o mais importante, o resto vem a cavalo.
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Há um levante de alguns clubes sobre a ''Espanholização''(Maiores cotas da televisão para Flamengo e Corinthians) no futebol brasileiro e exigindo uma nova ideia para a partilha das cotas de TV. Você acredita que caso continue esse processo da ''Espanholização'' a médio e a longo prazo, Corinthians e Flamengo podem dominar o futebol brasileiro, no quesito títulos?
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Falcão: Eu acho que evidentemente que os times que proporcionam maiores atrações tem que ter uma diferença. Mas não pode ser uma diferença esmagadora. Flamengo e Corinthians, com torcidas e times fortes, de dois estados importantes e representativos para o futebol no Brasil. Acho que a diferença não pode ser tanta.
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Os dirigentes da CBF estão sendo acusados de corrupção a pedido da Justiça americana. Tanto a Fifa, quanto a CBF, alguns ex-jogadores estão se candidatando para disputar as presidências das respectivas entidades. O que seria melhor para o futebol, um ex-atleta no comando ou um executivo? E para o esporte, Platini ou Zico na presidência da Fifa?
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Falcão: Eu acho que na realidade um homem que nunca jogou futebol  não pode ser deixado de lado,  ele pode ter condições de delegar para que se possa ter bons profissionais da área e fazer com toda credibilidade. Eu também acho que não é porque foi jogador de futebol tem todas as condições para ser presidente, claro que ele leva vantagem, desde que delegue para executivos as funções burocráticas. Entre o Platini e o Zico, eu tenho uma relação boa com o Platini, mas evidentemente gostaria de ver o Zico, por toda a sua seriedade e liguei para ele e disse que pode contar comigo se precisar de alguma coisa. Acho que a imprensa tem uma situação importante, é a imprensa que relata. Estamos todos no mesmo barco. O Brasil melhorando o seu futebol, melhora para todo mundo.

Dilma, FHC, Bicudo, Luxa e Ronaldinho: o presente não apaga o passado
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Mário Magalhães

O segundo mandato de Dilma Rousseff se caracteriza sobretudo pela política econômica que, na campanha da reeleição, a presidente disse que rejeitaria. Estão aí aumento do desemprego, desempregados com menos direitos, idem pescadores, juros mais camaradas para os ricos e mais sádicos para os pobres, cortes orçamentários na saúde e na educação, bibliotecas de escolas públicas à espera de livros. O neoliberalismo condenado no palanque dá as cartas. Retrocesso em conquistas e benefícios sociais.

Isso não apaga a trajetória de Dilma Rousseff, que dedicou boa parte da vida a combater pelos mais fracos, concorde-se ou não com as ideias que ela abraçou e os métodos que escolheu. Também não elimina dos anais seu primeiro governo. A despeito de erros e insucessos, de 2011 a 2014 houve êxitos como levar médicos a milhões de brasileiros desassistidos e manter o desemprego em níveis mais baixos.

Fernando Henrique Cardoso sugeriu a renúncia de Dilma e depois disse que não era bem assim, que havia sido mal interpretado e coisa e tal. Em meio à crise política, com um ruidoso coro golpista se esgoelando, o ex-presidente propôs que a governante eleita pela maioria dos cidadãos não honrasse, ao menos cumprindo o mandato legítimo e legal, os votos recebidos. No embate acerca da soberania do sufrágio popular, FHC endossou uma das alternativas dos movimentos que buscam apear a eleita em outubro.

Isso não retira do retrato o sociólogo Fernando Henrique Cardoso defendendo em 1964 a ordem constitucional, contrário à deposição do presidente João Goulart no golpe de Estado que instituiu a ditadura. Nem a evidência de que FHC pelejou dignamente pelo regresso da democracia.

Hélio Bicudo associou-se à aventura do impeachment de Dilma. O fato de o impeachment estar contemplado na Constituição não o torna constitucional em qualquer cenário. Se inexistem os requisitos para o afastamento _como inexistem_, o impeachment configura medida antidemocrática e encarna o golpismo.

Nada eliminará da memória o destemido promotor Hélio Bicudo, batalhando pela democracia quando muita gente nem estava aí ou fingia que não era consigo. Enfrentou os matadores do esquadrão da morte e se consagrou, nos anos sinistros da ditadura, como herói da luta pelos direitos humanos. Cabra corajoso e generoso, orgulho do Brasil.

Vanderlei Luxemburgo acaba de ser demitido do Cruzeiro. No atual Campeonato Brasileiro, já havia dançado do Flamengo. Há anos não emplaca um trabalho admirável.

Mas o futebol não esquece os timaços que o técnico montou no passado, destacadamente no Palmeiras. Os motivos que o levaram à decadência devem ser objeto de reflexão, em especial por ele próprio. Seus feitos permanecem para sempre.

Ronaldinho Gaúcho foi vaiado pela torcida do Fluminense, em mais um momento ruim da carreira que despenca feito tobogã.

Meninos, eu vi o Ronaldinho nascendo, no Grêmio, e no auge, no Barcelona. Foi um dos jogadores mais espetaculares a que assisti. Pena que seu ápice não tenha durado muito. Mais pena ainda que prefira se arrastar em campo a se despedir sem maiores vexames.

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Sobre o sotaque do Wagner Moura em ‘Narcos’
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Mário Magalhães

blog - narcos

 

Com a tarimba de quem morou por dez anos, a adolescência inteirinha, a menos de uma hora e meia da fronteira com o Uruguai, estou assombrado com a última deste nosso país idiossincrático: a pátria agora parece ser a de especialistas em espanhol, sobretudo em sotaque, até na pronúncia de cada rincão da Colômbia. Enfim, damos adeus à solidão da fala portuguesa em meio a terras castelhanas, reconhecemo-nos latino-americanos… _seria isso mesmo?

Junto com a estreia da novela das nove, o talk of the town tem sido a atuação do Wagner Moura na série ''Narcos''. Em particular, o seu acento em ''habla hispana'', na pele do traficante colombiano Pablo Escobar, nascido (1949) e morto (1993) no departamento de Antioquia.

Antes que atirem o primeiro petardo, mirando o interlocutor, e não as ideias, sou suspeito: conheço o Wagner Moura, considero-o um tremendo ator, um cidadão decente. E, sim, cedi a ele e à produtora O2 os direitos de adaptação cinematográfica de um livro que escrevi. Dito isso, vamos à arte.

Com direção do José Padilha, fotografia do Lula Carvalho e canção de abertura do Rodrigo Amarante, os dez episódios da temporada inaugural de ''Narcos'' são estupendos (a rigor, Padilha produz todos e assina a direção dos dois primeiros). Um trabalho de altíssima qualidade estética. Abandonei a segunda rodada de ''True Detective'' pelo meio, assistindo em pacote ao resto dos capítulos. ''Narcos'' é muito melhor. E, eis a contra-indicação, vicia. Como o Netflix oferece todos os episódios, é difícil parar de ver. Acabei na madrugada de domingo para segunda. Saí para trabalhar esgotado, mas sem arrependimento.

A interpretação do Wagner Moura é acachapante. Um ator menos talentoso se perderia em caras e bocas vivendo o criminoso sem escrúpulos que mandava explodir bombas e matava inocentes aos magotes. Em vez disso, o intérprete de ''Narcos'' criou um personagem ensimesmado, melancólico, de uma tristeza de derrotado mesmo quando triunfa. Um desempenho que mundo afora colhe aclamação de público e crítica.

O que mais impressiona no seu espanhol não é o sotaque brasileiro, mas como, em escasso tempo de preparação, alguém sem intimidade com a língua do García Márquez passou a defendê-la com galhardia e eficiência. É claro que em um ano, ou numa vida, ninguém perde integralmente a prosódia do idioma materno. Mas não ouvi nada que afetasse a verossimilhança. O que se vê na tela é Pablo Escobar, ou o magnífico personagem Pablo Escobar do Wagner Moura. A despeito da pronúncia de um não nativo. Como costuma ocorrer, as principais ciladas fonéticas se dão nas palavras iguais ou semelhantes ao português. Nossa tendência, força do hábito, é pronunciá-las como sempre fizemos.

Estranha a bronca com o sotaque do co-protagonista _Escobar divide o proscênio com um agente antidrogas norte-americano_ da série falada em inglês e espanhol. Que eu me lembre, pouca gente encrencou com o carioquês e o baianês em ''O homem que copiava'', ótimo filme do Jorge Furtado passado em Porto Alegre. Não era o caso, pois a verdade da história e dos personagens não deriva da pronúncia. Idem com a minissérie ''A casa das sete mulheres'', o que não ofuscou as virtudes do belo programa.

Em ''Comer, rezar e amar'', o Javier Bardem faz um brasileiro que não fala português como brasileiro. E daí? O Sean Connery manteve o sotaque escocês mesmo na pele de norte-americano. E o espanhol do Rodrigo Santoro-Raúl Castro, em ''Che'', difere do dos cubanos.

Como estava o russo do Omar Sharif em ''Doutor Jivago''? Não estava. O filme é em inglês, e o do grande ator tem sotaque egípcio.

E o alemão do Tom Cruise em ''Operação Valquíria''? Não sei, pois seu coronel Von Stauffenberg se comunica em inglês gringuíssimo.

O que isso tudo quer dizer? Que sotaque não determina o êxito da interpretação, e sim o conjunto da construção do personagem. E aí o Wagner Moura arrebenta, em mais uma tabelinha com o José Padilha.

De qualquer modo, não acho que seja ilegítimo ou besteira se incomodar com seu sotaque, também no Brasil e ainda mais na Colômbia. Cada cabeça uma sentença.

Enquanto a controvérsia rola no país em que boa parte do público prefere filmes dublados, o Wagner Moura vai se consagrando, inclusive nos Estados Unidos. Vem aí uma promissora carreira internacional.

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Renê, do Sport, anotou o golaço do fim de semana. O golaço da dignidade
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Mário Magalhães

O lateral Renê (de frente), do Sport. no 2 a 2 de maio com o Flamengo - Foto Buda Mendes/Getty Images

O lateral Renê (de frente), do Sport, no 2 a 2 de maio com o Fla – Foto Buda Mendes/Getty Images

 

Depois do almoço, no sábado, Bayern de Munique 3 a 0 no Bayer Leverkusen. Com novo experimento do Guardiola. No Barcelona, ele chegou a jogar sem nenhum defensor de ofício entre os quatro da linha de defesa. Anteontem, montou a equipe bávara com um trio fazendo as vezes de zaga, mas sem nenhum zagueiro-zagueiro ou mesmo zagueiro mais estiloso. No centro, atrás, o volante Xabi Alonso, com o lateral ou volante Lahm pela direita e o lateral Alaba pela esquerda. Perde-se em punch defensivo, mas ganha-se a saída de bola com altíssimo nível técnico. Deu certo. Impossível ter sono com um onze do treinador catalão.

Em seguida, na tarde do sábado, o encanto diminuiu, embora fosse o Barça em campo, 1 a 0 no Malaga. O problema é que o time do Messi, em princípio de temporada, ainda busca embalar. O Neymar, recuperado de caxumba, está fora de forma. O Barcelona finalizou mais de 20 vezes e fez menos faltas do que os dedos da mão.

No domingo, o Flamengo venceu o Sport por 1 a 0, no terceiro jogo do Oswaldo. O treinador soma duas vitórias no Brasileiro e um empate (com eliminação) na Copa do Brasil. Tudo bem que contar com um jogador a mais desde o primeiro tempo, consequência de expulsão justa do Samuel Xavier, ajudou. Mas desde o início parecia haver mais solidariedade, com um buscando o outro, em vez de tentar resolver sozinho. E mais ousadia, sem a obsessão roda presa dos três volantes que prevaleceu neste ano. O Leão, que jogara muito mais que o Flamengo no Rio, desacelerou, fase ruim, em Pernambuco.

O episódio mais notável da partida não foi o gol do Everton ou o vermelho para o Samuel. Mas a decisão do lateral-esquerdo Renê de recusar o apelo da torcida, de muitos companheiros e do técnico Eduardo Baptista (este não deve ter sido visto) para não parar o jogo quando o Everton estava caído. Contra a massa, Renê tocou pela lateral.

Dois toques, antes de concluir.

Um. No 2 a 2 do Maracanã, em maio, o Flamengo só chegou aos 2 a 2 nos acréscimos da segunda etapa. Diego Souza havia ido para o gol, substituindo Magrão, contundido. Na jogada do empate, o rubro-negro carioca não devolveu a bola para o rubro-negro pernambucano, depois que ela havia sido chutada para fora, quando o Élber estava no chão. Os donos da casa apontaram cera, interpretação igual à do árbitro. O Sport julgou que o Flamengo ferira o fair play, ao ficar com a pelota. Seus jogadores saíram legitimamente bronqueados.

Dois. Sou Flamengo, o que não significa que seja um fanático capaz de aceitar estupidez em nome do paixão. Acho que ganhar roubado não é mais gostoso, portanto discordo de um ex-goleiro nosso que pronunciou tal cretinice. Mas sou rubro-negro _do Rio_, tenho coração e opinião, não sou filho de chocadeira. O que eu quero dizer é que pensaria a mesma coisa se tivesse ocorrido o contrário, com as camisas trocadas. Se alguém desconfiar que é papo furado, faz parte.

Aos finalmentes. Renê deu uma lição de dignidade. Foi maior que o Flamengo do Maracanã e que o Sport da torcida e parcela do time. Ensinou, para muito além do futebol, que é possível não se curvar ao ímpeto de manada, que dá para pensar por conta própria. Everton estava mesmo sofrendo, levou um pisão daqueles de machucar de verdade. Corria o segundo tempo, e o Sport honrava suas melhores tradições, sem se entregar. Ao ver que um colega de profissão, adversário no gramado, se contorcia de dor, o Renê chutou para a lateral. Não é que tenha sido vaiado, apenas. Foi xingado e hostilizado pela torcida do seu clube.

O Renê reconheceu o direito de o torcedor  apupar, mas afirmou que em campo a decisão é dele. ''Se eu não tivesse feito [parado o jogo para o atendimento médico], eu sairia com a consciência pesada.''

O mais generoso no gesto do Renê foi rejeitar a vingança. No clima do jogo, foi de uma coragem incomum. (E ainda por cima o cara salvou dois gols.)

Talvez o Brasil fosse melhor se, em vez de se preocupar com vaias e xingamentos, cada um se mantivesse escrupulosamente fiel à sua consciência.

Parabéns, Renê!

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