Blog do Mario Magalhaes

Presidente ungido em conchavo imporia programa de Aécio derrotado em 2014
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Mário Magalhães

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Aécio Neves, em comício de sua campanha presidencial – Foto Tarso Sarraf/Estadão Conteúdo

 

Quem não deu o passo fatal no abismo em que despencam os fanáticos sabe que a política econômica de Michel Temer não é aquela consagrada pelas urnas em 2014.

Pelo contrário, contém o núcleo do programa de Aécio Neves, candidato presidencial derrotado no segundo turno.

A agenda de Aécio pode ser recomendável ou não. Cada cabeça uma sentença.

Dilma Rousseff foi quem primeiro relativizou ou abandonou as ideias apresentadas por ela própria, na chapa em que seu vice era Temer. A essência da sua pregação era, mesmo em tempos de crise, preservar os mais pobres. O ajuste, eufemismo para arrocho, começou com ela. Passou à história como arrochinho, em comparação com o gerenciado por seu sucessor. Mas, com a petista, foram aplicadas medidas que sacrificaram quem pouco tem.

Temer radicalizou. Conspirou pela deposição da presidente constitucional e, em troca do patrocínio da coalização que de fato dá as cartas, ofereceu o arrochão que tira ainda mais dos mais vulneráveis. Fragiliza-os. Presenteia os mais ricos com ditas ''reformas'' que abolem direitos sociais conquistados no século 20. Preserva privilégios no alto e asfixia as iniciativas que amparam os de baixo.

Isso não ocorre na Escandinávia, mas no país que se classificou entre os dez mais desiguais do planeta, conforme estudo das Nações Unidas divulgado semanas atrás. Com a mudança na legislação que o governo busca enfiar goela abaixo, a tendência será a desigualdade se agravar. Querem um lugar entre os três primeiros, no pódio?

Reformas, sem aspas, são necessárias. O problema é, como acontece há cinco séculos, mais uma vez os endinheirados serem protegidos, punindo pobres, miseráveis, assalariados. Não há reforma em curso, e sim covardia.

É possível discordar ou concordar com Michel Temer e Aécio Neves.

O inegável é que os cidadãos se declararam há dois anos e meio contra a agenda neoliberal em vigor. A que é abençoada pelo ''mercado''. A de Aécio Neves.

Haverá quem diga, com razão, que a coligação Dilma-Temer foi irrigada por dinheiro ilegal. As provas são igualmente eloquentes sobre a dobradinha Aécio-Aloysio Nunes. A diferença pró-Dilma foi de 3.459.963 votos.

Na agonia de Temer, amadurece um conchavo para impedir eleições diretas e ungir em escolha indireta um presidente que imponha a continuidade da política econômica. Noutras palavras, a preconizada por Aécio e seus correligionários na campanha. A síntese do acerto seria a manutenção de Henrique Meirelles no Ministério da Fazenda. O ministro que até outro dia era funcionário da holding que controla a JBS.

Adotar a política recusada pelos eleitores equivale a ignorar a soberania do sufrágio popular. Isto é, a maltratar a democracia.

A situação econômica do Brasil mudou? Então que os brasileiros voltem a se pronunciar sobre o que querem.

A Constituição prevê eleição indireta? Se assim permanecer, que o voto de deputados e senadores bancados por JBS, Odebrecht e outras companhias encrencadas decida. Os parlamentares endossarão programas e valores rejeitados pela maioria em 2014.

A Constituição também prevê propostas para emendá-la. Uma PEC poderia, obedecendo escrupulosamente à lei, antecipar as eleições diretas.

Sem diretas, um novo acordão será celebrado para que a próxima administração governe no sentido aposto ao que as urnas decidiram.

Nessa hipótese, Aécio Neves de alguma forma obterá a vitória que os eleitores lhe negaram.

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Berdamerdas e escroques
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Mário Magalhães

Alcoviteiro, biltre, beócio, calhorda, energúmeno, janota, mentecapto, mequetrefe, mocorongo, paspalho, palerma, patife, pulha, purgante e sacripanta. Esses foram os quinze xingamentos ou avacalhações dos velhos tempos garimpados pela repórter Juliana Kataoka. Como toda seleção, essa pode ser espichada ou encolhida. A minha lista dos dez melhores filmes muda com mais frequência que fralda de bebê.

Mentecapto eu uso. Sempre me lembra o romance O grande mentecapto, do Fernando Sabino. Virou filme dirigido pelo Oswaldo Caldeira, com o Diogo Vilela como o protagonista Geraldo Viramundo. Não sou boa referência. Outro dia comentava que ninguém mais enxovalha o próximo como escroque. Então ouvi que dias antes me referira a um certo tipo como escroque. A propósito, o verbo enxovalhar ainda é corriqueiro?

Escroque não está na lista, mas patife está. Machuca mais que uppercut em boxeur com queixo de vidro. Tenho um amigo niteroiense das antigas que raramente, ou nunca, diz palavrão. Combina com sua elegância. Estou a léguas dele, na elegância e nos palavrões. Volta e meia ele enche a boca e sentencia alguém como patife. Chamar um fulano de patife merece cenário em preto e branco, estética de cinema americano dos anos 1940. Como tem patife por aí.

O listão da Juliana dispensou canalha, verme, cafajeste. Suponho que o motivo tenha sido a sobrevivência dessas palavras nas conversas do cotidiano. Se não as dizemos, pensamos. Janota e palerma não xingam ninguém. Também não envaidecem.

Na minha lista, uma palavra indispensável foi a que aprendi mais tarde: berdamerda. Quem me ensinou foi um amigo potiguar, nascido no mesmo ano do amigo niteroiense. Ao mencionar alguém metido a besta, porém sem importância, o amigo potiguar não fala que o sujeito é um joão-ninguém, uma pessoa reles, um bosta. Não passa de um berdamerda.

Berdamerda é substantivo tão demolidor que dispensa ponto de exclamação. O dicionário contempla a variante bardamerda. Muda a primeira vogal, mas a merda permanece. O Houaiss informa que a origem da palavra é controversa. Seria cria da frase “vai beber da merda”, que um oficial português do século 19 teria pronunciado ao enfrentar um motim em sua corveta. No que deu o motim eu não sei. Mas sei que todo mundo conhece algum berdamerda.

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Entrevista: Temer confirma teor de gravação e insulta inteligência alheia
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Mário Magalhães

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Michel Temer, o anfitrião de Joesley Batista – Fernanda Carvalho/O Tempo/Folhapress

 

A mais insuspeita opinião sobre a autenticidade de trechos essenciais da gravação feita por Joesley Batista de conversa com Michel Temer foi pronunciada pelo próprio presidente. Em entrevista publicada hoje na ''Folha de S. Paulo'' e em discurso no sábado, Temer desqualificou o áudio, mas confirmou as passagens mais comprometedoras.

A entrevista aos repórteres Daniela Lima, Marina Dias e Fábio Zanini é esclarecedora. Temer assinalou ter ouvido ''uma frase dele [Joesley] em que ele dizia 'Olhe, tenho mantido boa relação com o [Eduardo] Cunha'''. O presidente afirmou ter retrucado ao empresário: ''Mantenha isso''.

Por que recomendaria ao sócio do conglomerado JBS manter ''boa relação'' com o criminoso, ex-presidente da Câmara, encarcerado?

Temer afirmou aos jornalistas: ''Falei: 'Fale com o Rodrigo [Rocha Loures, deputado peemedebista] quando quiser, para não falar toda hora comigo'''.

Ele chancela esse capítulo decisivo da gravação. Definiu como intermediário um correligionário que logo seria filmado com uma mala cheia de dinheiro oriundo do esquema mafioso da JBS.

Uma das passagens mais estarrecedoras da conversa foi a confissão de Joesley Batista sobre tentativa de corrupção _ou corrupção efetivada_ de juízes de direito e procurador da República. É Temer quem endossa o diálogo gravado: ''Ele falou que tinha [comprado] dois juízes e um procurador''.

Noutras palavras, é o presidente quem assegura não ser montagem tal diálogo.

Temer tentou justificar por que, como seria dever de ofício, não informou as autoridades competentes sobre a versão do homem Friboi: ''Conheço o Joesley de antes desse episódio. Sei que ele é um falastrão, uma pessoa que se jacta de eventuais influências''.

Que lei confere prerrogativa ao presidente para atuar como delegado de polícia, promotor de Justiça e juiz, decidindo o que é fanfarronice e o que é fato? Há um procurador preso, por suspeita de ter atuado criminosamente em favor da JBS e seus dirigentes.

Os entrevistadores indagaram por que Temer disse ''ótimo, ótimo'' quando Joesley narrou ter articulado proteção na Justiça e no Ministério Público Federal. O presidente respondeu aos repórteres: ''Não sei, quando ele estava contando que estava se livrando das coisas etc.''

Isto é, Temer ratificou o trecho da gravação em que o empresário relatou ''que estava se livrando das coisas''.

No sábado, o presidente já havia validado a parte do áudio sobre os tratos de Joesley com Cunha. Temer: ''A conexão é com a frase: 'Eu me dou muito bem com o ex-deputado, mantenho uma boa relação'. E eu digo: 'Mantenha isso, viu'. Eu enfatizo muito o 'viu'''.

Em suma, Michel Temer busca invalidar a gravação como prova, mas confirma algumas das passagens mais cabeludas.

Ao receber Joesley Batista no Palácio do Jaburu, ele não sabia que estava sendo gravado. Ao dar a entrevista e discursar anteontem, foi diferente.

Deboche

Na entrevista à ''Folha'', Temer aparentou debochar da capacidade de discernimento dos cidadãos.

Em sua defesa, alegou:  ''Ontem mesmo o Eduardo Cunha lançou uma carta em que diz que jamais pediu [dinheiro] a ele [Joesley] e muito menos a mim''.

Desde quando um trambiqueiro da espécie do antigo deputado tem credibilidade para sentenciar verdades? O presidente supõe que todo mundo já esqueceu quem é Eduardo Cunha?

Os entrevistadores questionaram Temer: ''É moralmente defensável receber tarde da noite, fora da agenda, um empresário que estava sendo investigado?'' A resposta: ''Eu nem sabia que ele estava sendo investigado''. Alguém acredita? Se for verdade, o presidente trai condição de incapaz para exercer a função.

Outra pergunta: ''Um assessor muito próximo do senhor [deputado Rocha Loures] foi filmado correndo com uma mala pela rua. Qual sua avaliação?'' Resposta: ''Vou esclarecer direitinho. Primeiro, tudo foi montado. Ele [Joesley] teve treinamento de 15 dias, vocês que deram [refere-se à ''Folha''], para gravar, fazer a delação, como encaminhar a conversa''. Entrevistadores: ''A imagem dele correndo com dinheiro não é montagem''. Temer, irritado: ''Não, peraí, eu vou chegar lá, né, se você me permitir… O que ele [Joesley] fez? A primeira coisa, o orientaram ou ele tomou a deliberação: 'Grave alguém graúdo'. Depois, como foi mencionado o nome do Rodrigo, certamente disseram: 'Vá atrás do Rodrigo'. E aí o Rodrigo certamente foi induzido, foi seduzido por ofertas mirabolantes e irreais. Agora, a pergunta que se impõe é a seguinte: a questão do Cade foi resolvida? Não foi. A questão do BNDES foi resolvida? Não foi''.

O presidente diz que seu indicado errou. E que não se sente traído. Acrescentou, em declaração que passa aos anais do despudor político nacional: ''Ele [Rocha Loures] é um homem, coitado, ele é de boa índole, de muito boa índole. Eu o conheci como deputado, depois foi para o meu gabinete na Vice-Presidência, depois me acompanhou na Presidência, mas um homem de muito boa índole''.

Comentário do blog: imagina se não fosse de boa índole. A mala seria maior? Temer insulta a inteligência alheia.

O presidente disse que ''chamou a atenção de todos a tranquilidade com que ele [Joesley] saiu do país, quando muitos estão na prisão. Ou, quando saem, saem com tornozeleira''.

É estranho que não tenha se insurgido com a boa vida que hoje levam antigos bandidos encastelados na Petrobras, onde foram colocados sobretudo pelo PT e pelo PMDB. Outros, como o senhor JBS, beneficiam-se de favores insensatos e impróprios.

Temer, perguntado sobre eventual culpa sua, respondeu: ''Ingenuidade. Fui ingênuo ao receber uma pessoa naquele momento''.

O presidente não pareceu nada ingênuo na cavilação em que se empenhou para derrubar sua antecessora.

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Atitude de jornalistas com Andrea Neves, irmã de Aécio, foi abominável
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Mário Magalhães

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Andrea Neves, presa em Belo Horizonte – Foto Cristiane Mattos/Reuters

 

Beirou a depravação a relação promíscua de parte _parte_ do jornalismo mineiro com as administrações de Aécio Neves como governador.

A rigor, não foi jornalismo, e sim propaganda mal disfarçada.

Em vez de se exercer a fiscalização crítica do poder, valor indissociável da atividade jornalística, promoveu-se o governo como se marqueteiro dele fosse.

Para patrulhar o comportamento de jornalistas dignos do nome, a maioria, Andrea Neves atuou com mão de ferro. Numerosos episódios já foram narrados e merecem ser conhecidos.

Ela é irmã de Aécio e, desprezando eufemismos, sua operadora mais influente.

Andrea perseguiu ou incitou a perseguição a jornalistas que não se curvaram à voz oficial do governo de Minas.

Já ouvi que, no método menos truculento para impedir a difusão de notícias que não convinham ao governo, ela indagava se a pauta era mesmo boa.

Pauta é o objeto da notícia ou reportagem, o seu propósito inicial. Muitíssimas vezes Andrea derrubou, mexendo os pauzinhos, pautas legítimas e relevantes que contrariavam seus interesses.

Houve quem observasse vez ou outra a aparência de monopólio informativo simpático a Aécio.

Sem pluralismo de informação não há democracia efetiva.

Os cidadãos precisam conhecer fatos e opiniões para formar o seu próprio juízo.

Portanto, Andrea e Aécio, censores de fancaria, agiam em prejuízo da democracia.

Toda essa introdução pretende contextualizar os acontecimentos.

Mas o contexto não justifica a atitude de alguns _que eu tenha ouvido, dois_ repórteres que ontem provocaram Andrea Neves quando ela já estava presa.

''A pauta é boa?'', ''Gostou da pauta, Andrea?'', gritaram (assista clicando aqui).

Foi uma vingança abominável, de autoria de jornalistas.

Mesmo se fosse a ''apresentação'' de um assassino à imprensa, não caberia a jornalista berrar como se fosse acusador. Repórter informa, não é promotor nem advogado, muito menos juiz.

Como a presa estava em condição de nítida inferioridade, as provocações não pareceram gesto de valentia _pelo contrário.

Minha admiração é imensa pelos jornalistas que mantiveram a altivez diante de Andrea e Aécio quando eles mandavam e desmandavam, e não somente agora, ao caírem em desgraça.

Chopp e festa pela prisão de Andrea Neves são compreensíveis e legítimos. Imagino que animados.

Mas a vingança primitiva alimentada por ressentimento _os gritos para Andrea_ não convém ao jornalismo, o mesmo jornalismo tão alvejado pelos irmãos Neves.

Ninguém é filho de chocadeira, já dizia João Saldanha. Noutras palavras, todos têm opiniões, idiossincrasias, inclusive jornalistas.

Mas não nos cabe agir como amigo ou inimigo deste ou daquele, a despeito de a objetividade quimicamente pura inexistir no jornalismo e na vida.

Lembrei-me do tempo insensato em que repórteres andavam com broche de partido político e escreviam sobre o partido que cobriam ou sobre partidos adversários.

Gritar provocando uma mulher presa não é igual a chutá-la. Mas não é igual a jornalismo, goste-se ou não da neta de Tancredo.

A defesa do jornalismo contra figuras como Andrea Neves não dispensa métodos, critérios e valores do jornalismo de qualidade.

Pelo contrário, reforça a necessidade deles.

Que valem tanto para a irmã de Aécio quanto para qualquer outro personagem das histórias que o jornalismo conta.

A ruína ou enfraquecimento do esquema dos Neves, protagonizado pelo irmão e gerenciado pela irmã, é boa notícia.

Jornalista atuando como justiceiro e vingador, não.

O jornalismo precisa de coragem, e não de covardia.

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Temer debocha do país. Gravação é, sim, escandalosa. Conchavo amadurece
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Mário Magalhães

Michel Temer fala ontem à tarde – Imagem reprodução/UOL

 

Rouco como um torcedor de futebol depois do jogo, Michel Temer abriu seu discurso pontualmente às quatro horas e dez minutos da tarde de ontem. Sua torcida, ali, era para convencer a diminuta parcela dos cidadãos a quem ele se dirigia. Depois de quatrocentas palavras, pronunciadas em quatro minutos e trinta e oito segundos, o orador havia protagonizado um vexame de antologia. Talvez não na opinião dos destinatários do seu recado.

Que eram _são_ os seus sócios mais graúdos na aventura que lhe permitiu sentar na cadeira presidencial. Temer falou a quem manda, o empresariado mais abastado. Em troca de sua permanência no governo, ofereceu mais sangue. Não do pescoço dele. E sim dos mais pobres, sacrificados sem piedade nas ditas reformas que ameaçam retroceder os direitos sociais à primeira metade do século 20. ''Todo o imenso esforço de retirar o país de sua maior recessão pode se tornar inútil'', disse. ''E nós não podemos jogar no lixo da história tanto trabalho feito em prol do país.''

Ao proclamar seu dia do fico, Temer busca passar à história não uma bravata fugaz, e sim uma sentença irremediável. Dá de ombros para a maioria dos brasileiros, que o rejeitam como um vegano despreza a carne de rês da Friboi. Trata-os (trata-nos) como parvos. Na passagem suprema de atrevimento, debochou: ''Ouvi realmente o relato de um empresário que, por ter relações com um ex-deputado, auxiliava a família do ex-parlamentar''. Por covardia, calou sobre a identidades dos ditos-cujos. São eles Joesley Batista e Eduardo Cunha, este correligionário do presidente.

Na gravação liberada pela Justiça pouco mais tarde, inexiste referência aos parentes do correntista Eduardo Cunha. O que se escuta é o seguinte, em palavras de Batista, sobre o ex-presidente da Câmara: ''Eu, o que ia falar, assim, dentro do possível, eu fiz o máximo que deu ali, zerei tudo o que tinha de alguma pendência daqui para ali, zerou tudo, liquidou tudo. E ele foi firme em cima. Ele já tava lá, veio, cobrou, tal, tal, tal. Pronto. Acelerei o passo e tirei da fila''.

Mais: ''O negócio dos vazamentos do telefone lá do Eduardo com Geddel [Vieira Lima] volta e meia citava algo meio tangenciando a nós. Eu tô lá me defendendo. Como é que eu… O que eu mais ou menos me dei conta de fazer até agora? Eu tô de bem com o Eduardo…''. Temer advertiu: ''Tem que manter isso, viu? (Inaudível)''. O empresário emendou: ''Todo mês''.

O que seria todo mês? Um beijinho na bochecha do um-sete-um encarcerado? Observa-se, porém, um contraste relevante em relação à afirmativa do Ministério Público Federal. A procuradoria deu a entender que a gravação provaria cabalmente o endosso de Temer às propinas que continuariam a ser pagas a Cunha. A má qualidade técnica do áudio não permite assegurar que se passou o que parece que se passou. Na dúvida, é impossível condenar o réu por esse trecho do diálogo. Pelo menos em tribunais onde os juízes não se comportam como acusadores. É plausível a palavra de Batista, segundo o qual Temer chancelou o agrado a Cunha. Mas só palavra, o relato alheio, não basta, ou não deveria bastar para punir alguém.

Para Temer, o problema mais grave é que a gravação evidencia que ele foi informado sobre as armações de Joesley Batista e seu conglomerado JBS para conter ilegalmente investigações e obstruir a Justiça. ''Eu consegui um procurador dentro da força-tarefa'', disse o mandachuva da holding dona da Seara. Temer: ''Que tá lá…''. Batista: ''Que também tá me dando informação''.

Não há notícia de que Michel Temer tenha agido como o ofício obriga. Ou seja, informado às autoridades o que tinha ouvido, a infiltração criminosa, por meio de um funcionário público, no coração de investigação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal.

Se tal gesto não o impede de prosseguir no Planalto, é difícil saber o que impediria. Fosfosol: um ano atrás, a presidente constitucional Dilma Rousseff foi deposta por muito menos, com base no pretexto das chamadas pedaladas fiscais. Não havia então as versões de Mônica Moura e João Santana sobre o alegado alerta da presidente sobre a prisão do casal de marqueteiros.

A conversa do anfitrião Temer com o convidado Batista tem momentos que, se não constituem crime, revelam um pouco mais a alma do presidente. Adulado como homem tranquilo, sábio e tolerante, ele se refere a Marcelo Calero como um ''idiota''. O antigo ministro da Cultura deixou o governo ao se insurgir contra uma traquinagem patrocinada pelo então ministro Geddel Vieira Lima. Para o ''sábio'' Temer, Calero é um reles idiota.

O Planalto plantou _a novidade não é atribuída a pessoa_ a informação de que suspeita de adulteração da gravação. Pode ter acontecido? Pode. Mas carece de lógica. Joesley Batista não é bonzinho, generoso. Nada disso. Trata-se de um espertalhão e, tudo indica, criminoso. Depois de cometer crimes, ele tenta proteger os seus negócios e a própria pele. Se entregasse diálogos fraudados, estaria arriscado a se prejudicar ainda mais. Também seria desmoralizante para Rodrigo Janot, procurador-geral da República, e Edson Fachin, ministro do STF. Se Batista fosse um suicida, seria verossímil a suspeita. O empresário aparenta ter amor à vida.

Outra queixa dos aduladores de Temer é que seu interlocutor naquela noite de março no Jaburu não tinha as melhores intenções ao registrar em segredo a conversa. É óbvio como as limitações do elenco do Flamengo que havia o propósito de se favorecer, oferecendo provas à Justiça. Daí a sugerir que a gravação não serviria como prova abre-se uma distância semelhante à que separa um presidente da República digno da função e a figura histórica de Michel Temer.

Enquanto o presidente se desdobra para sobreviver no cargo que lhe premia com foro privilegiado, amadurecem as tratativas de quem quer se livrar dele, mas teme ainda mais a manifestação soberana dos cidadãos nas urnas. Como em 1984, no ocaso da ditadura, o voto popular atormenta muita gente. Há quem classifique as diretas já como golpe. Ora, se propostas de emenda à Constituição são acolhidas quando se trata de mexer em conquistas dos trabalhadores, por que seriam golpistas ao permitir o pronunciamento coletivo sobre os destinos do país? As PECs são previstas em lei. Logo, seria legal uma que antecipasse as eleições. Isso entende até quem nunca presenciou uma aula de direito constitucional e não posa de rábula.

Idem o impeachment: é catalogado em lei; desde que a cumpra, é procedimento legal e legítimo _e urgente.

Sem multidões nas ruas exigindo #DiretasJá, o Brasil assistirá mais uma vez a um conchavo. Talvez com Temer. Talvez sem ele. Certamente, de cúpula, barrando o conjunto dos eleitores.

P.S. 1) são esperadas novas denúncias de Joesley Batista, depois das que atingiram Michel Temer e Aécio Neves. Para o Brasil, é bom que venham, com provas;

P.S. 2) para ler e ver a íntegra do discurso de Temer recusando a renúncia, basta clicar aqui;

P.S. 3) para ler a transcrição da conversa entre Temer e Batista, clique aqui.

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Ruas decidirão desfecho da crise; #DiretasJá são melhor saída para o Brasil
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Mário Magalhães

Campanha das Diretas, 1984, em foto de Gil Passarelli: hora de esquentar de novo os tamborins

 

A nota de Michel Temer divulgada ontem à noite é tão clara quanto cínica: se depender da vontade do presidente, não haverá renúncia.

O consórcio que o instalou no Planalto implodiu. Há segmentos convencidos de que o melhor para os seus interesses é manter o marido de Marcela encabeçando o governo. Impopularidade por impopularidade, Temer já é rejeitado pela esmagadora maioria dos brasileiros.

Outros sócios da aventura temerista e temerária preferem o afastamento, por renúncia ou impeachment, sempre a toque de caixa. A continuidade de Temer nutre o risco de caos e descortina o imprevisível. Conspiram para entregar a Presidência a próceres da política, como o ex-ministro Nelson Jobim, ou do Judiciário, como a ministra Cármen Lúcia.

Numa opção ou na outra, a saída para a crise seria por cima. Isto é, desprezando o pronunciamento soberano do conjunto dos cidadãos.

Como sabem até as formigas lá de casa, tão vorazes que atacam também comida salgada, a crise agravou-se dramaticamente com gravações escondidas feitas pelo empresário Joesley Batista, do frigorífico JBS. O furo jornalístico sobre o áudio das conversas foi do repórter Lauro Jardim.

De acordo com a reportagem, cujo conteúdo foi mais tarde confirmado por outras apurações, Michel Temer aprovou o pagamento mensal de propina ao ex-deputado Eduardo Cunha e ao doleiro Lúcio Funaro. Ambos estão em cana. O propósito da mesada seria comprar o silêncio dos dois presidiários. ''Tem que manter isso, viu'', teria dito o presidente.

Se a perícia confirmar que a voz é de Temer, eis o que se chama de prova, e não especulação, suposição ou mesmo indício. O presidente também teria encaminhado Batista, para tratar de assunto de interesse da JBS, a um deputado. A Polícia Federal teria filmado a entrega de R$ 500 mil ao eminente parlamentar.

A propósito: chama a atenção como, ao contrário do que ocorreu noutros episódios, demora o vazamento ou divulgação de áudio e imagens.

Caducou a controvérsia legal e política sobre processo contra Temer por atos cometidos quando ainda não exercia a Presidência. A gravação _e a eventual obstrução de Justiça_ seria de março de 2017.

O microfone de Batista também teria captado na moita pedido de R$ 2 milhões de agrado, feito por Aécio Neves. O STF afastou o tucano do Senado. Também teria sido filmada a entrega de dinheiro a alegado representante do neto de Tancredo Neves (que, esteja onde estiver, não tem nada a ver com isso). Andrea Neves, irmã e operadora de Aécio, está presa.

Se não houver barulho nas ruas, o desenlace da agonia de Temer será definido sem consulta aos eleitores. Só o rugido popular poderá impor o procedimento democrático elementar das eleições. Na democracia, presidente se elege nas urnas.

Há um sem-número de procedimentos constitucionais para antecipar o certame presidencial previsto para o terceiro trimestre de 2018. O Congresso evidenciou, afoito pelas ditas reformas que sacrificam os mais pobres e vulneráveis, que é capaz de ser célere quando quer.

A melhor solução para a crise será aquela que os cidadãos determinarem em eleição.

Michel Temer já era ilegítimo ao assumir. Agora, é muito mais.

Nenhum malabarismo retórico, em nome da ''responsabilidade institucional'', será convincente ao pregar a exclusão dos brasileiros na escolha do governante.

Irresponsabilidade é entregar o destino nacional a quem carece de legitimidade para isso.

O melhor para o país são diretas já.

Que só virão com as ruas ocupadas por muita gente.

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FotoRio: abre exposição de Ana Carolina Fernandes sobre baía de Guanabara
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Mário Magalhães

 

Abre nesta quarta-feira no Rio a nova exposição fotográfica de Ana Carolina Fernandes, ''Os veios abertos da baía de Guanabara''.

Ana Carolina é um dos maiores nomes do fotojornalismo brasileiro.

Ela sobrevoou de helicóptero a baía maltratada e retratou o abandono e a imundície, ainda que a beleza nem sempre sucumba à desgraça. Voou em companhia do biólogo Mario Moscatelli.

A autora classifica sua mostra, com título inspirado no livro de Eduardo Galeano, como de ''fotos-denúncia''. São 11 imagens.

A exposição de Ana Carolina é uma das oito do FotoRio 2017, o Encontro Internacional de Fotografia do Rio de Janeiro. A curadoria é de Milton Guran.

Todas as oito estarão no Centro Cultural Justiça Federal (av. Rio Branco, 241, na altura da Cinelândia).

A inauguração é amanhã, 17 de maio, às 19h (entrada livre).

A visitação, gratuita, vai de terça a domingo, das 12h às 19h, no período de 18 de maio a 2 de julho.

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Cuca, Guardiola e Bielsa: depoimentos sobre a emoção como alma do futebol
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Mário Magalhães

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Cuca, em 2016 – Foto Friedemann Vogel/Getty Images

 

A certa altura do ''Bem, Amigos!'' de ontem, Paulo Cesar Vasconcellos perguntou ao Cuca sobre como ser um técnico tão popular nos clubes por que passou. A resposta:

''Tem muita emoção junto, às vezes deixamos a razão de lado e trabalhamos com a emoção''.

Pouco antes, eu assistira à entrevista do Pep Guardiola a João Castello Branco. O catalão pontificou:

''O futebol é emoção. Futebol não são números, futebol não são os títulos. Futebol é o que ele desperta durante 90 minutos nas pessoas que veem a partida''.

Sobre a seleção brasileira de 1982, o técnico do Manchester City sentenciou: ''Essa seleção foi a mais maravilhosa que existiu. Um livro é bom, um filme é bom, um time é bom quando passam, 20, 30, 40 anos e ainda falam deles. E desse time ainda falam. E, se falam, é porque desperta emoção''.

Dias atrás, o Marcelo Bielsa dissera, num seminário promovido pela CBF no Rio, depois de mencionar as emoções proporcionadas historicamente pelo futebol brasileiro:

''A emoção é o talento mais importante do treinador''.

O argentino observou a emoção que o Tite demonstrara ao evocar antigos escretes. Emendou:

''A emoção é chave para o treinador''. Sem ela, é difícil convencer.

Três grandes figuras concordam: a emoção é a alma do futebol.

Noutras palavras, o futebol é sobretudo paixão.

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Favoritos do Brasileiro + Estreia dos cariocas + Libertadores + City, Barça
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Mário Magalhães

Matheus Sávio, de braços erguidos, comemora seu gol – Foto Dhavid Normando/Futura Press/ Estadão Conteúdo

 

Fixou-se como lugar-comum dizer que a primeira rodada do Brasileiro tem pouco a esclarecer sobre o campeonato porque muita água vai rolar.

Sim, faltam 37 rodadas. Mas a primeira onda pode dar pistas sobre as seguintes. E vale tantos pontos quanto a última.

Dos meus cinco favoritos ao título, Palmeiras e Grêmio empolgaram. Flamengo e Atlético-MG escancararam virtudes e defeitos no empate de 1 a 1, com um tempo de superioridade de cada time. E o Corinthians, contra a Chapecoense, frustrou na igualdade em um gol.

O Galo poderia ter vencido no Maracanã, talvez merecesse, embora no sábado o Flamengo tenha novamente desperdiçado chances preciosas. Os anfitriões se ressentem demais da ausência de Diego. O velocista e carismático Berrío mantém relação conflituosa com a bola. Para piorar, padece de insegurança crônica. Poderia ter finalizado duas vezes com perigo, mas ficou com medo de chutar. Se eu fosse o Zé Ricardo, não teria colocado Vinicius Junior em campo numa partida tão acirrada. Mesmo perto do fim. O garoto de 16 anos deveria ser lançado em jogos resolvidos ou mais fáceis. Mas é confortável falar depois: e se o menino fisicamente parecido com o Adílio tivesse decidido?

O Vasco teve o desprazer de estrear contra o Palmeiras, em São Paulo. Os atuais campeões têm o mais completo elenco do país e ainda estão se reforçando. Com Cuca, ficaram mais eficientes _e o Borja pareceu o Borja. Jogaram muito, com Dudu esbanjando futebol. Mas o adversário poderoso não justifica o tamanho do revés cruz-maltino. Os visitantes levaram 4 a 0 porque o melhor em campo foi Martín Silva. O goleiro impediu estrago maior. Os dois pênaltis cometidos por Jomar sintetizaram as limitações individuais e coletivas. Os vascaínos foram muito dóceis. Num dos gols, Mina saiu da defesa e atravessou quase todo o campo sem ser importunado, criando a jogada mortal. É cedo para diagnosticar o Vasco na UTI. Se não evoluir muito, poderá sofrer nova agonia rumo à segundona. O clube é vítima da mentalidade feudal que o preside, em tempos de futebol capitalista. Vive noutra era. Precisa de uma revolução burguesa. Apesar de tudo, e do gol perdido, não canso de admirar o futebol do meia Douglas.

O Botafogo também não deu sorte, ao pegar em Porto Alegre um dos candidatos ao título. O Grêmio ganhou por 2 a 0, e não mais, porque ninguém jogou (defendeu) como Gatito Fernández. O segundo gol foi irregular _a bola bateu na mão de Luan_, o que não muda o essencial: o Botafogo voltou a apresentar a pior versão do sistema com três volantes. O time já provou que pode ser ambicioso no ataque mesmo com um trio de especialistas em marcação no meio. Ontem ocorreu o contrário: entrou para esperar o Grêmio, sonhando com algum contra-ataque milagroso que ficou na vontade. É simples culpar o Camilo, ligação dos volantes com os atacantes, mas, se a bola não chega nele, como fazer alguma coisa? O alvinegro não levou Sassá ao Sul por alegada indisciplina. Se o atacante viajasse e não ficasse nem no banco, seria de fato um castigo. Deixaram-no no Rio. Alguém acha que o Sassá ficou em casa descansando e matutando sobre seus vacilos?

Único carioca a vencer na estreia, o Fluminense teve seu dia sim na trajetória ciclotímica recente. Há equipes que mantém um padrão, seja bom, medíocre ou ruim. A do Abel é imprevisível. A vitória de 3 a 2 sobre o Santos não foi pouca coisa. O derrotado é o vice-campeão nacional. Tenho amigos tricolores que malham o lateral esquerdo Léo. Não entendo por quê. O garoto é bom, como voltou a deixar claro no jogo matinal do domingo. Com o regresso do Scarpa, que entrou no segundo tempo, é possível melhorar. Até que ponto? Não sei.

Na quarta-feira,  o Flamengo decide contra o San Lorenzo uma vaga nas oitavas de final da Libertadores. Para depender de si mesmo, precisa enfim somar um mísero pontinho fora de casa. Anteontem, dois problemas recorrentes rubro-negros foram reafirmados: criar, mas não marcar; e dar muito mole em alguns lances _se o Réver tivesse entrado mais firme na dividida, o Galo não teria alcançado o gol.

No mesmo grupo, o 4, o Atlético-PR enfrentará no Chile a Universidad Catolica. Em caso de triunfo, se classifica. E Paulo Autuori justificará a ausência de tantos titulares ontem, em medida que contribuiu para os 6 a 2 do Bahia. Na minha opinião, o técnico acertou em poupar, a Libertadores é mais importante. Como não assisti ao chocolate, só aos gols, não sei o que houve (além da moleza, um tanto estranha, na marcação dos rubro-negros diante dos tricolores).

Além-mar, Gabriel Jesus marcou um gol de pênalti nos 2 a 1 do Manchester City sobre o Leicester City. O moleque tem moral, como evidenciou também noutro momento: o Yayá Touré deu-lhe uma bronca, descabida, e o brasileiro reagiu. Não se intimidou. Já seu (nosso) compatriota Fernandinho acertou uma cotovelada num adversário. Merecia amarelo ou vermelho, porém o apitador não deu, que eu lembre, nem falta.

Como se pretendesse responder à comissão técnica do Barcelona, que o repreendeu, Neymar fez três gols e deu um passe decisivo na goleada de 4 a 1 sobre o Las Palmas. Talvez o ex-santista esteja excessivamente preocupado com assuntos fora do futebol, como reclamaram. Sei lá. Continua jogando muito. Quem esteve bem foi o zagueiro blaugrana Marlon, ex-Fluminense. Aos 21 anos, parece que ele conquistou seu lugar no elenco do time de cima.

No fim de semana do Dia das Mães, vi seis jogos. Nada mal para quem, há uma eternidade, despediu-se do jornalismo esportivo (o mais prazeroso, disparado).

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