Internacionalismo
Mário Magalhães
Mário Magalhães
Mário Magalhães
Nesta quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016, faz 40 anos que foi preso em São Paulo o operário Manoel Fiel Filho. Nascido em Quebrangulo, terra de Graciliano Ramos, o alagoano foi levado em 1976 para o campo de concentração do Destacamento de Operações de Informações, comandado por oficiais do Exército. Horas mais tarde, apareceu enforcado na cela. Enforcado com meias. Estranho? Mais ainda do que parece: ele estava só de chinelos ao ser detido na fábrica onde trabalhava. Conforme um sem-número de provas colhidas desde então, sabe-se que Manoel foi assassinado na tortura, antes de sobrevir a farsa mequetrefe dos agentes da ditadura, a mesma encenada três meses antes no mesmo lugar, onde mataram o jornalista Vladimir Herzog. A União e a Justiça reconheceram em mais de uma oportunidade que Manoel Fiel Filho foi morto por torturadores. Ele militava no Partido Comunista Brasileiro, tinha 49 anos, mulher e duas filhas. Seus algozes nunca foram punidos ou mesmo julgados.
No dia dos 40 anos de sua morte, começa em São Paulo um evento jornalístico-esportivo-político para celebrar sua memória. Por iniciativa do jornalista e ultramaratonista Rodolfo Lucena, durante 40 dias haverá corrida de rua, passando por locais e percursos caros à história de Manoel Fiel Filho e das lutas contra a ditadura e pela democracia.
A largada da Corrida por Manuel será dada amanhã, quarta-feira, às 8h, num ato público no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo (rua Galvão Bueno, 782). Em seguida, os presentes sairão em caminhada ''em memória da vida e da morte do operário''.
No dia seguinte (quinta-feira) começa a corrida pra valer, com concentração a partir das 6h45 na rua Oscar Freire, em frente à saída do metrô Sumaré (linha verde). A largada está marcada para as 7h.
Não é para qualquer um, mas o gremista Rodolfo promete pegar leve: ''É um percurso que vai de 12 a 14 km, vamos ver. Vou num ritmo MUITO LEVE, em blocos de 300 metros caminhando e 1.700 m correndo (sigo a orientação de meu treinador, Alexandre Blass)''.
Quantas pessoas o Rodolfo espera? ''Não tenho nenhuma expectativa quanto a número de pessoas. O convite é aberto. Pode vir uma ou cem, sabe-se lá… A largada será feita com quem estiver presente no momento''.
Para saber mais sobre a Corrida por Manoel, leia esta apresentação. No mesmo link também podem ser baixadas as artes publicadas lá no alto, de autoria dos designers Joana Brasileiro e Adilson Secco.
O dia a dia do projeto será contado no blog do Rodolfo.
Bela iniciativa, bom antídoto contra o esquecimento.
O esquecimento, ensina a história, é amigo da barbárie.
Mário Magalhães
Marcelo Castro, ministro da Saúde – Foto Pedro Ladeira/Folhapress
Um dos bochichos do dia, no degradante ambiente político brasiliense, trata da possível licença-relâmpago do ministro da Saúde, Marcelo Castro.
Ele se afastaria do Ministério para retomar o mandato de deputado federal. Nessa condição, teria direito a voto na renhida eleição do novo líder do PMDB na Câmara. Em seguida, reassumiria o cargo atual.
Lugar de ministro da Saúde, num país com tantas mazelas e em meio a uma crise dramática como a do vírus zika, é na frente de combate, e não nos QGs das intrigas partidárias.
Mas a real é que, como diz o pessoal, a ausência do ministro e deputado seria, se confirmada, daquelas que preenchem lacunas.
O vexame maior não seria o forfait por um ou dois dias do Ministério enquanto se desenvolve a guerra contra o mosquito Aedes.
É Marcelo Castro comandar a nau do Ministério da Saúde em meio a tormentas devastadoras.
Talvez ele tenha sido um bom secretário da Agricultura no governo Mão Santa. Ignoro.
O que não ignoro é que o psiquiatra Marcelo Castro é o homem errado no lugar errado.
Como pode o ministro da Saúde dizer ''vamos torcer para que as pessoas antes de entrar no período fértil peguem a zika, para elas ficarem imunizadas pelo próprio mosquito. Aí não precisa da vacina''.
Falou isso rindo. Que torcida…
Depois, oscilou entre afirmações contraditórias como ''estamos perdendo feio a batalha para o mosquito'' e o combate ao vírus ''está sob controle''.
O Organização Mundial da Saúde decretou estado internacional de emergência por causa do zika.
Em quadra de urgência para salvar vidas, o ministro da Saúde é um deputado muito menos qualificado que uma infinidade de técnicos.
Dilma Rousseff nomeou-o por conta de acomodações políticas e politiqueiras.
A presidente deveria ter preservado o Ministério da Saúde para cuidar da saúde dos cidadãos, e não de interesses menores palacianos e peemedebistas.
Desprezo pela saúde alheia tem, ou deveria ter, limite.
P.S.: o ''Diário Oficial da União'' desta quarta-feira (17 de fevereiro) publicou o afastamento de Marcelo Castro. Em tese, o deputado reassumirá o Ministério da Saúde amanhã, quinta-feira. Verbos conjugados no futuro do pretérito, neste post escrito ontem, devem ser lidos no futuro do presente ou no pretérito perfeito. CQD: a licença é um vexame, mas vexame maior é Marcelo Castro ser ministro da Saúde.
Mário Magalhães
Nelson só houve um; maus imitadores há vários – Foto divulgação
Há mais de meio século, Nelson Rodrigues escreveu para o teatro ''Perdoa-me por me traíres''.
Décadas mais tarde, Braz Chediak dirigiu uma adaptação cinematográfica com Lídia Brondi, Vera Fischer, Rubens Corrêa, Nuno Leal Maia _um elenco da pesada.
No Rio, às vésperas da campanha eleitoral, ensaiam uma variante canastra da peça de Nelson: ''Perdoa-me por me bateres''.
Quem viver verá.
Mário Magalhães
Engravatado: E aí, brincou muito o Carnaval?
Ascensorista: Que nada, doutor. O mosquito me pegou. Dengue, zika, essa porra toda.
Engravatado: Dizem que é sinal de dinheiro.
Ascensorista: Ah, doutor, então o mosquito picou o cara errado. Devia querer alguém do lado e acertou em mim.
Mário Magalhães
Mário Magalhães
Os garotos da foto trabalham aqui no Rio como boleiros, ou apanhadores de bolas de tênis, no Clube dos Caiçaras.
Ou melhor, trabalhavam.
O Ministério Público do Trabalho identificou como trabalho infantil a atividade de mais de 20 adolescentes de 14 e 15 anos, e o _de fato_ trabalho foi interrompido há meio ano.
O Caiçaras alega que dava apoios diversos aos boleiros, inclusive escolar. E que em gorjetas eles podiam ganhar uns mil reais por mês. Fora do clube, perdem o dinheiro e a ajuda.
O imbroglio foi revelado na semana passada pelo jornalista Ancelmo Gois.
Desconheço muitas informações, por isso não posso julgar.
Mas sei que o Brasil que não abandona os mais fracos e pobres deve muito a procuradores que, até com o sacrifício da vida, têm batalhado contra condições indignas e ilegais de trabalho.
Cheguei a ler que a chance de os meninos se tornarem grandes jogadores de tênis terminou por culpa do MPT.
Falso. Jovens humildes não costumam se tornar tenistas profissionais porque tal esporte, no Brasil, é quase exclusividade da classe média para cima.
E nada impede o clube localizado na lagoa Rodrigo de Freitas de abrir suas portas para os antigos boleiros, em vez de apanharem bolas, passarem a aprender e treinar como jogadores. Ou impede?
É possível que haja um acordo, e os garotos ganhem o estatuto de aprendizes. O trabalho no país é vedado a menor de 16 anos, salvo na condição de aprendiz.
O que mais me impressionou foi a fotografia de Fernando Lemos, publicada na primeira página de ''O Globo'' deste domingo.
Todos os boleiros são negros ou mestiços.
E ainda tem gente proclamando democracia racial, ausência de racismo e outras balelas.
É obsceno comparar ''méritos'' quando as oportunidades são tão desiguais.
Até quando o lugar de meninos negros será somente fora das quadras, apanhando bolas de tenistas brancos?
Mário Magalhães
O desenho, de 2016, é do artista português Yvens Pessoa.
O verso, de autoria de Álvaro de Campos, ou Fernando Pessoa.
Do poema ''Tabacaria'', que abre assim, como tanta gente sabe de cabeça:
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Mário Magalhães
Estética refinada e alta performance esportiva, eis o Barcelona – Foto reprodução ESPN
Os Harlem Globetrotters são, como se sabe, uma equipe norte-americana de basquete que se dedica a jogos de exibição mundo afora. Com farto repertório de jogadas espetaculares, sobretudo enterradas, seus integrantes parecem malabaristas, trapezistas, equilibristas. De algum modo, são mesmo artistas circenses. Para eles, o basquete é menos competição e mais entretenimento.
O All-Star Game reúne uma vez por ano a nata da NBA. Os melhores jogadores do planeta se enfrentam em partida amistosa. Todos querem vencer, mas a festa prevalece. O jogo de 2016 foi ontem. Deu seleção do Oeste, inacreditáveis 196 a 173 sobre a do Leste.
Com craques supremos como Michael Jordan, Magic Johnson, Scottie Pippen e Larry Bird, a seleção de basquete dos Estados Unidos conquistou a medalha de ouro na Olimpíada de 1992. Ganhou sempre com dezenas de pontos de vantagem. Celebraram-na como Dream Team. Naquele Time dos Sonhos, a alta performance esportiva se combinava com a estética refinada. Arte e desempenho, forma e conteúdo, fantasia e resultado. Tudo junto.
Na mesma cidade de Barcelona dos Jogos de 1992, assistiu-se neste domingo a um jogo para a história. Desses que jamais constrangerão um locutor ao pronunciar a palavra-clichê ''espetáculo''. Não foi numa quadra de basquete, mas no gramado do Camp Nou. No lugar dos basqueteboleiros norte-americanos, jogaram os boleiros Messi, Neymar, Suárez e Iniesta.
O que Messi e companhia fizeram ontem, nos 6 a 1 contra a boa equipe do Celta, esteve à altura dos seus melhores dias, ou dos melhores dias de Jordan e sua turma. Não foi apenas a atuação demolidora, capaz de resolver um jogo emperrado, difícil. Mas a coleção de movimentos coloridos, ações lúdicas. Mistura de Globetrotters, All-Star Game e Dream Team.
Messi abriu o placar batendo com brilho uma falta, no estilo de um Zico canhoto _o Galinho, destro, cobrava melhor. No segundo, acertou um passe vertical pelo alto, como uma linha torta de arquiteto irrequieto, encobrindo três defensores, para Suárez desempatar, 2 a 1. No terceiro, deixou três adversários para trás e tocou para Neymar, que driblou o goleiro e concluiu _Suárez tocou para o gol quando a bola estava sobre a linha. No quarto… ah, o quarto!
O argentino cavou um pênalti _que existiu_ depois de um drible desconcertante e se escalou para bater. Em vez de chutar no gol, tocou para o lado, num passe, e Suárez anotou. Mimetizou Cruyff, que em 1982 fez algo parecido pelo Ajax. A diferença é que então houve tabela, e o holandês finalizou. Ontem, coube a Messi o passe. Foi mais generoso que Cruyff.
No quinto, foi a vez de o uruguaio oferecer a assistência magistral, para Rakitic deixar o seu. Neymar fez o sexto, e muito mais. Uma carretilha que o brasileiro aplicou só não foi o momento mais sublime da jornada porque houve o pênalti nascido para a eternidade.
Era o Dia dos Namorados na Espanha. Se é verdade que o futebol influencia a disposição dos amantes, a noite deve ter sido longa na Catalunha.
Mário Magalhães
Car@s,
o blog fará um breve pit stop até o comecinho de fevereiro.
O blogueiro não sabe se alcançará a Lua. Novamente tentará.
Pode não chegar lá _o Frank Sinatra chegou?_, mas terá sempre (mais) uma boa razão de viver.
Até!