Blog do Mario Magalhaes

Porta dos Fundos, Andrade Gutierrez e a punição de toda (toda!) a corrupção
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Mário Magalhães

 

Ex-presidente da Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo disse aos investigadores da Operação Lava Jato que ''doações legais'' (não existe almoço grátis) da empreiteira às campanhas eleitorais de Dilma Rousseff tiveram como origem dinheiro de obras superfaturadas da Petrobras e do setor elétrico.

''Em 2014, a Andrade Gutierrez doou R$ 20 milhões para o comitê da campanha de Dilma'', informaram os repórteres Bela Megale, Graciliano Rocha, Valdo Cruz e Leandro Colon.

Os jornalistas acrescentaram: ''A campanha de 2014 de Aécio Neves (PSDB), que perdeu para Dilma no segundo turno, auferiu R$ 200 mil a mais do que a de Dilma. Os delatores não citaram o tucano em seus depoimentos''.

Não tive como não pensar no vídeo ''Delação'', do canal Porta dos Fundos, já assistido por mais de 5 milhões de pessoas (para ver, basta clicar na imagem acima).

Quer dizer que R$ 20,0 milhões para Dilma Rousseff são sujos e R$ 20,2 milhões para Aécio Neves, limpos?

Não falta mesmo matéria-prima para o pessoal bolar encenações verossímeis como a do Porta dos Fundos.

A seletividade partidária da Lava Jato não justifica, contudo, a obscena argumentação escancarada ou subliminar cada vez mais comum: ''Nós fazemos, mas eles também fazem''. Com a variante: ''Nós fazemos, porém eles fizeram antes''.

Tais alegações são irmãs xifópagas da hipocrisia e do farisaísmo de quem está nu, mas só observa a nudez alheia. Rotos e esfarrapados.

Se houve roubalheira em obras federais, que corruptos e corruptores paguem rigorosamente na forma da lei. Porque a propina que frauda o custo da obra é paga com dinheiro que poderia ser destinado a escolas, hospitais ou cientistas cada vez mais asfixiados pelos governos.

Há de punir todos, corruptos e corruptores, e não só alvos selecionados.

São gravíssimas as afirmações da dita delação premiada de Otávio Azevedo. Se houver provas, que os criminosos sejam condenados.

Mas ''delação premiada'' que entrega uns e protege outros proclama uma injustiça: dependendo do RG, há pessoas consideradas inimputáveis no Brasil.

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Impeachment: o número democrático não é 172 nem 342, e sim 54.501.118
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Mário Magalhães

Por Aroeira, no Facebook

 

O governo precisa de 172 votos no plenário da Câmara para assegurar a derrota do pedido de impeachment de Dilma Rousseff.

Mas a presidente pode impedir que o processo seja encaminhado ao Senado sem que seus aliados somem 172 na Câmara: para isso, os deputados partidários do impeachment têm de ser menos de 342.

Do ponto de vista democrático, o número é outro: 54.501.118. Esses foram os eleitores que escolheram Dilma na eleição presidencial de 2014.

Seu adversário, Aécio Neves, colheu 51.041.155 sufrágios.

Diferença de 3.459.963 a favor dela.

Impeachment de presidente consagrada pelo voto popular exige comprovação de crime de responsabilidade, o que inexiste em relação a Dilma.

Entre os candidatos a algozes da presidente, pululam deputados respondendo por crimes mencionados página por página do Código Penal.

Na democracia, prevalece a soberania do voto popular.

Presidente se elege no voto.

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No Brasil, não chamam golpe de golpe. Vira ‘contragolpe’, ‘impeachment’…
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Mário Magalhães

Março de 2015: na faixa, só falta a palavra ''golpe'' – Foto Paulo Peixoto/Folhapress

 

Palavras são navalhas, poetou o Belchior. Não se pode cantar como convém sem querer ferir ninguém.

Certa historiografia suprime, substitui, amansa, anestesia as palavras.

No Brasil, protagonistas e partidários de golpes de Estado quase sempre se recusaram a chamar as coisas pelo nome.

O que houve em 1889? A proclamação da República. E ela decorreu de quê? De um golpe de Estado tantas vezes omitido ou minimizado nos livros escolares.

A Revolução de 1930 foi o quê? Um golpe que depôs um presidente e impediu a posse do sucessor vitorioso em eleição.

O golpe de Estado de 1937 era denominado pelo eufemismo ''movimento''.

Instaurou o dito ''Estado Novo'', expressão matreira para ocultar o que foi o regime ditatorial 1937-1945.

O ex-ditador Getulio Vargas voltaria ao Palácio do Catete em 1951 graças ao voto popular.

Na madrugada de 24 de agosto de 1954, não foi sacramentada somente uma ''licença'' do presidente. Ocorreu um golpe de Estado, freado mais tarde pelo suicídio.

Quando uma ampla coalização militar e civil derrubou o presidente constitucional João Goulart, em 1964, muita gente não falou em golpe, que é o que houve.

Batizaram a deposição como ''movimento'', ''contragolpe'', ''Revolução'' _assim mesmo, com maiúscula.

''Revolução'' foi também como os golpistas nomearam a ditadura que se estendeu até 1985.

Os golpistas se autoproclamaram ''democratas''.

''Impeachment'' também pode ser uma forma de não empregar o nome correto, golpe de Estado. Mas nem sempre.

Quando há prova de que o governante feriu a Constituição, não há golpe, e sim o cumprimento escrupuloso da lei. Foi o que ocorreu com o legal e legítimo cartão vermelho de 1992 para Fernando Collor.

Se inexiste prova de crime cometido por presidente, o impeachment é, sim, golpe de Estado. Como tentam agora contra Dilma Rousseff.

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Placar do impeachment
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Mário Magalhães

De um ex-ministro de governo petista: o impeachment de Dilma Rousseff estava ganhando por 3 a 0 no plenário da Câmara.

A equipe da presidente reagiu e fez dois gols.

O time pró-impeachment teve um jogador expulso.

3 a 2, com chance de virada.

Ainda tem jogo.

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Luiz Bernardo Pericás lança hoje biografia política de Caio Prado Júnior
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Mário Magalhães

aaaaaaaaaaaaaaaapericas

 

Rigoroso resenhista, o jornalista Mauricio Puls avaliou com cotação máxima ''Caio Prado Júnior: Uma biografia política'' (a crítica de Puls, publicada na ''Folha'', está reproduzida abaixo).

O livro do historiador Luiz Bernardo Pericás, editado pela Boitempo e considerado ótimo por Mauricio Puls, será lançado hoje à noite em São Paulo.

A partir das 18h30, na Livraria da Vila (alameda Lorena, 1731).

Caio Prado Júnior (1907-1990) é um dos maiores historiadores brasileiros. É impossível entender o Brasil ignorando-o, ainda que se possa divergir dele.

Aristocrático, Caio foi alvo do ódio e do ressentimento de sua classe por ter se tornado comunista.

No PCB, era uma inteligência fulgurante, mas o partido desprezou-o com intensidades que variaram.

A direção comunista rejeitava uma ideia central de Caio: a despeito de ritmos diferentes e contradições, o país já era capitalista a dada altura do século 20. O PCB insistia em afirmar que o Brasil permanecia feudal.

Não estou em São Paulo, não poderei ir ao lançamento. Mas devorarei aqui no Rio o livro de Pericás.

*

Biografia expõe Caio Prado Júnior, historiador que explicou o país

Por Mauricio Puls, ''Folha de S. Paulo'', 2.mar.2016

Por que o Brasil é assim?

Desde o século 19, muitos intelectuais reclamam da incompatibilidade entre as instituições do país, copiadas de modelos estrangeiros, e uma sociedade que sempre extravasa esses moldes.

Mas foi só em 1942, quando Caio Prado Júnior (1907-1990) publicou ''Formação do Brasil Contemporâneo'', que tal desajuste recebeu uma explicação convincente: o país é assim porque foi estruturado, desde a colônia, para satisfazer necessidades externas, e não para atender suas demandas internas.

Daí a sensação de vivermos num país de fachada.

Em ''Caio Prado Júnior – Uma Biografia Política'', o historiador Luiz Bernardo Pericás expõe com um estilo rigoroso e cativante a trajetória do pensador que lutou uma vida inteira para que o Brasil superasse seu complexo de inferioridade.

Integrante da elite paulistana, Caio penou muito após entrar no PCB: os parentes se afastaram, sua filha foi apedrejada na rua, cruzes em chamas eram atiradas no jardim de sua casa. Passou vários anos na prisão, nunca o deixaram lecionar na USP, teve a gráfica incendiada.

E a militância no PCB tampouco era aprazível: os dirigentes não o consideravam um ''bom marxista'' e só o visitavam para pedir dinheiro.

Defensor da liberdade de pensamento, suas obras eram vistas com desconfiança: Luiz Carlos Prestes disse que ''Formação do Brasil Contemporâneo'' era anticientífica, ''Dialética do Conhecimento'' foi condenada pelo Comitê Central e sua ''Revista Brasiliense'' foi estigmatizada como ''nacional-reformista''.

O PCB nunca aceitou sua tese de que o Brasil não era ''feudal'' e que, portanto, a estratégia política do partido não fazia sentido.

O diagnóstico de Caio Prado Júnior só seria plenamente compreendido depois que a aposta do PCB numa ''burguesia nacional progressista'' levou ao desastre de 1964.

Em 1966, publicou ''A Revolução Brasileira'', na qual criticou duramente tais equívocos. O livro deu-lhe o prêmio de ''Intelectual do Ano'' e teve enorme repercussão.

Mesmo rejeitado pela academia e marginalizado no partido, Prado Júnior deixou marcas profundas na historiografia nacional.

Em seu primeiro grande livro, ''Evolução Política do Brasil'' (1933), ''as classes emergem pela primeira vez nos horizontes de explicação da realidade social brasileira como categoria analítica'', escreveu Carlos Guilherme Mota.

Mas foi em ''Formação do Brasil Contemporâneo'' que ele formulou o arcabouço que inspiraria toda uma corrente teórica. Em 1999, um júri de intelectuais consultados pela Folha incluiu o livro entre os cinco principais ensaios de interpretação do Brasil, ao lado de clássicos de Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda, Euclides da Cunha e Antonio Candido.

Grande admirador de sua obra, Celso Furtado disse certa vez que Caio Prado não teve a projeção internacional que merecia.

Segundo ele, Caio deveria ter passado mais tempo na Europa, colaborando com os estudos sobre o Brasil, para se tornar mais conhecido.

Apesar disso, seu nome não era ignorado: suas obras foram traduzidas para o inglês, espanhol, italiano, japonês e russo.

Fernand Braudel resenhou ''Evolução Política do Brasil'' para os ''Annales'', em 1948, e Arnold Toynbee o visitou no Brasil, em 1966.

Quando foi preso pela ditadura militar, em 1970, os historiadores Stanley Stein, Thomas Skidmore, Warren Dean, Richard Morse e Joseph Love se mobilizaram nos EUA para tentar libertá-lo.

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Comissão do impeachment começa depois, mas vota antes do Conselho de Ética
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Mário Magalhães

Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados – Foto Pedro Ladeira/Folhapress

 

As datas

Em 3 de novembro do ano passado, o Conselho de Ética da Câmara abriu processo de cassação do mandato de Eduardo Cunha.

Em 2 de dezembro, o presidente da Câmara deflagrou a tramitação de processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Foi uma retaliação ao PT. O partido recusara chantagem política e anunciara votos pelo prosseguimento do processo contra o deputado no Conselho de Ética.

Em 3 de dezembro, o pedido do impeachment foi lido no plenário da Câmara.

Em 15 de dezembro, o Conselho de Ética aprovou a continuidade do processo contra Cunha.

Em 17 de março de 2016, após o STF invalidar decisão anterior, a Câmara instalou comissão para analisar o impeachment.

Nesta terça, 5 de abril, a comissão do impeachment informou que pretende votar na segunda-feira o relatório que enviará ao plenário.

Quando o Conselho de Ética se pronunciará sobre a cassação de Eduardo Cunha? Só Deus sabe.

Em suma, a comissão do impeachment começou a trabalhar depois e votará antes do Conselho de Ética.

O conselho, devido a manobras de partidários do presidente da Câmara, arrasta-se feito lesma.

A comissão do impeachment, em contraste, trabalha às carreiras.

As acusações

No Conselho de Ética, Eduardo Cunha é acusado de ter mentido aos seus pares ao dizer que não mantinha contas secretas no exterior. Documentos enviados por autoridades suíças demonstram o contrário.

No Congresso, Dilma Rousseff é acusada pelas ditas pedaladas fiscais, manobras contábeis que não implicam apropriação indébita de recursos públicos.

Procuradoria Geral da República acusa Cunha de evasão de divisas, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Dilma não é acusada de nada pela PGR, nem foi indiciada por crime algum pela Polícia Federal. Não há suspeita declarada de que seja autora de evasão de divisas, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Nem de possuir conta ilegal no estrangeiro.

A PGR acusa Cunha de omitir rendimentos em prestação de contas, crime de falsidade ideológica eleitoral.

Tal crime não é atribuído à presidente da República.

Antes, a PGR denunciara Cunha por embolsar US$ 5 milhões de propinas em esquema investigado na Operação Lava Jato.

Inexiste acusação contra Dilma de ter se locupletado com roubalheira.

Em 3 de março de 2016, o STF transformou Cunha em réu, acusado de corrupção no esquema na Petrobras.

Dilma não é réu na Justiça.

Legalidade e moralidade

Ignoro se são legais ou não os ritmos diferentes de trabalho da comissão do impeachment e do Conselho de Ética.

Mas sei que a diferença é imoral.

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Da direita à esquerda, imprensa pediu cabeça de Getulio Vargas em 1954
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Mário Magalhães

Cortejo fúnebre de Getulio na praia do Flamengo, 25.ago.1954 – CPDOC/AnC

 

O ano de 2016 não é o primeiro em que certas trincheiras de esquerda se associam às da direita para pedir a queda de presidente da República eleit@ pelo voto popular e sem culpa comprovada por crime algum. Em 1954, também foi assim.

Nas décadas de 1930 e 1940, Getulio Dornelles Vargas havia sido ditador. Comandou golpe de Estado, aboliu eleições, fechou o Congresso, interditou a Justiça, impôs a censura, flertou com o nazifascismo, entregou para a Gestapo (em parceria com o STF) a alemã-judia-comunista-grávida Olga Benario, manteve uma polícia que torturou (meu personagem Carlos Marighella apanhou por 21 dias consecutivos em 1936) e matou oposicionistas sem piedade. Devido à tradição de impunidade no Brasil, Getulio nunca foi julgado pelos crimes que cometeu contra a democracia e os direitos humanos.

Em agosto de 1954, era diferente. Quase quatro anos antes, o gaúcho havia sido sufragado pelos cidadãos. Pela primeira vez, sua condição de presidente da República tinha o respaldo legal e legítimo das urnas.

Na madrugada de 5 de agosto de 1954, o jornalista e opositor Carlos Lacerda _protagonista do meu próximo livro_ sofreu um atentado a bala. Foi ferido em um pé. O major-aviador Rubens Vaz, que atuava como seu guarda-costas voluntário, foi assassinado pelo pistoleiro.

A ''Tribuna da Imprensa'', jornal de Lacerda, apontou Getulio como o mandante. O jornalista integrava a União Democrática Nacional, agremiação de direita, que logo reivindicou a renúncia do presidente.

O Partido Comunista, então proscrito, também acusou Getulio de ter ordenado a ação em que mataram o major Vaz. ''Vargas responsável pelo covarde crime'', estampou em 10 de agosto a primeira página da ''Imprensa Popular''. Era o diário de esquerda controlado pelo PCB.

O 24 de agosto, dia do suicídio de Getulio, amanheceu com a ''Tribuna da Imprensa'' noticiando e estimulando o cerco para depor o presidente. E com a ''Imprensa Popular'' republicando entrevista de Luiz Carlos Prestes, o líder do PCB, pedindo ''para pôr abaixo o governo Vargas''.

É claro que a campanha da direita foi decisiva nos acontecimentos de 1954. A historiografia, porém, costuma minimizar ou omitir a orientação do PCB, da qual o partido viria a se arrepender. Naquela época, os comunistas propunham luta armada para derrubar o presidente consagrado pelo voto dos brasileiros.

Nunca houve prova de que Getulio tenha encomendado o atentado contra Lacerda, como muito tempo depois daquelas jornadas tempestuosas o jornalista viria a reconhecer (meu livro, a sair em 2017 pela Companhia das Letras, trará novidades relevantes sobre o atentado de 1954 e a convivência e parceria, na maturidade, de Lacerda com arraigados getulistas). A iniciativa contra Lacerda, tudo indica, foi de Gregório Fortunato, chefe da Guarda Pessoal do presidente.

Em 2016, também inexiste prova de que Dilma Rousseff tenha sido autora de crime. O que não impede que forças de esquerda, como fazem as de direita, defendam seu afastamento. Os 54.501.118 votos para Dilma em 2014 seriam ignorados, como os 3.849.040 pró-Getulio em 1950.

O levantamento jornalístico abaixo foi publicado pelo blog nos 60 anos da morte de Getulio Vargas. Atualizei e acrescentei as primeiras páginas da ''Tribuna'', agora disponível na Hemeroteca Digital.

Em 1954, quase toda a imprensa pediu a cabeça de Getulio. Da esquerda à, sobretudo, direita. Deu no que deu.

Eis o post original:

*

Existe um livro chamado “Em agosto, Getulio ficou só”. Nunca o li, mas sempre apreciei o título bem bolado.

No próximo dia 24 de agosto, o suicídio do presidente Getulio Dornelles Vargas completa 62 anos. A visita à imprensa da época evidencia que, se dependesse do radicalizado ambiente jornalístico, o gaudério de São Borja não teria mesmo como escapar. Ele foi deposto de madrugada, na forma de uma “licença”. Ao se matar, de manhãzinha, impediu os militares de assumirem diretamente o governo. Com o sacrifício, atrasou o golpe de Estado em dez anos.

Com muitas publicações levando para a internet suas coleções, e a Biblioteca Nacional botando no ar parte de sua hemeroteca, ficou mais fácil consultar os velhos jornais. Eles confirmam que o presidente sufragado pelo voto popular em 1950 estava acossado pela direita, principalmente, mas também pela esquerda.

Além da “Última Hora”, pró-Palácio do Catete, então sede da Presidência, o “Jornal do Brasil” se opôs à iminente virada de mesa institucional. Não deveriam estar sozinhos, como um levantamento mais vasto demonstrará, mas quase.

As primeiras páginas abaixo são dos matutinos, em 24 de agosto de 1954, e dos vespertinos da véspera. Isto é, as derradeiras edições antes do tiro no peito.

Um dos jornais mais panfletários foi o ''Diário Carioca'', que saiu com o minieditorial “Reú, renúncia, rua”. A demissão do presidente seria “exigência da consciência nacional ante a vergonha nacional e internacional a que o governo dos Vargas arrastou o Brasil”:

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Detalhe da primeira página do “Diário Carioca'':

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A ''Tribuna da Imprensa'', vespertino de propriedade de Carlos Lacerda, estava em campanha pela renúncia de Getulio. Na primeira edição de 23 de agosto de 1954, trazia o ultimato de brigadeiros contra o presidente. E uma chamada sobre o chefe da Guarda Pessoal de Getulio: ''Gregório era o verdadeiro presidente da República''. Na segunda, mudou a manchete, para noticiar e estimular o cerco sobre Vargas:

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aaaaaatribuna 2

 

''O Globo'' também deu editorial pedindo a cabeça de Getulio. Ofereceu duas opções: “por um ato de sua livre vontade” ou “sob coação das circunstâncias”. Em caso de derrubada, o Brasil continuaria na condição de “um estado juridicamente constituído”:

 

O ''Diário da Noite'' pertencia à rede do magnata Assis Chateaubriand. Fiel escudeiro de Chatô, o jornalista Austregesilo de Athayde pontificou, em sua coluna: haveria “podridão do governo” e “negociatas do chefe da Guarda Pessoal” do presidente. Aconselhou interferência militar: “Atentem nesse índice a opinião e as Forças Armadas, a fim de ajuizarem corretamente a anarquia moral em que se encontra submerso o país”:

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Na polarização da Guerra Fria, os quatro diários mencionados estavam ao lado dos Estados Unidos. Porém, a “Imprensa Popular” (li em arquivo físico da Universidade Estadual Paulista), pró-União Soviética, também conclamou pela derrubada de Getulio. Na manhã de 24 de agosto, o jornal republicou uma entrevista do principal líder comunista, Luiz Carlos Prestes. Seu partido, então banido, editava a “IP”. Embora denunciasse “os golpistas” em geral, Prestes defendeu “pôr abaixo o governo Vargas”:

 

Os paulistanos ''Folha da Manhã'' e ''Folha da Noite'' noticiaram os movimentos do presidente e as ações dos conspiradores, mas não tomaram posição explícita, pelo menos que eu tenha reparado:

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Como era seu padrão, ''O Estado de S. Paulo'' dedicou a primeira página somente ao noticiário internacional. A cobertura mais relevante da crise brasileira ficou na página abaixo. Em outra, pediu a deposição de Getulio e advertiu: ''Os que defendem a permanência desse homem no governo estão separados da nação por um fosso intransponível'':

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No Rio, o ''Jornal do Brasil'' tinha suas idiossincrasias, reservando quase toda a capa para anúncios de arrumadeiras, copeiras, choferes e jardineiros. Foi a única publicação, entre as consultadas, com a informação da queda de Getulio, mas não da morte. Fechou depois das cinco da manhã. A manchete: “Renunciou o presidente da República”. Não havia renunciado, mas havia fogo sob a fumaça. Em editorial, o “JB” se opôs à deposição, porque inexistia “conhecimentos dos fatos”, sobre o atentado contra Carlos Lacerda no começo do mês. Sem conhecê-los, seria temerário opinar acerca de “quaisquer das soluções de natureza constitucional que as crises imponham”. Jamais se provou que Getulio soubesse do plano contra Lacerda:

 

Na ''Última Hora'', a manchete histórica: “Só morto sairei do Catete!”. No dia seguinte, o jornal estampou: “O presidente cumpriu a palavra: ‘Só morto sairei do Catete!’”:

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São legítimas todas as apreciações sobre Getulio Vargas e seu legado, que conhecemos melhor com a trilogia de fôlego que o jornalista Lira Neto publicou pela Companhia das Letras. Mas o aspecto central em 1954 é o golpe de Estado contra um presidente constitucional.

Getulio não era mais o ditador deplorável dos anos 1930 e 1940. Era um governante eleito pelo povo. Sua derrubada fez mal ao país, que desprestigiou a democracia. E aos trabalhadores, cujas conquistas haviam se acumulado na administração democrática do presidente que saiu da vida para entrar na história.

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