Blog do Mario Magalhaes

Governo Temer nasce ilegítimo. Na democracia, presidente se elege no voto
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Mário Magalhães

Michel Temer, o presidente sem voto – Foto Kleyton Amorim/UOL

 

Daqui a algumas horas, um pouco mais, um pouco menos, Michel Miguel Elias Temer Lulia assumirá a Presidência da República.

A pouco mais de quatro meses de festejar seus 76 anos, o paulista ocupará o Planalto sem ter recebido um mísero voto para o cargo.

Em 2014, os eleitores o sufragaram como vice. A ascensão seria protocolar em casos como o de João Goulart, em 1961, e Itamar Franco, em 1992.

Jango substituiu o renunciante Jânio Quadros.

Itamar ocupou o lugar de Fernando Collor de Mello, escanteado por justo impeachment, decorrente de crime cometido pelo presidente.

Michel Temer será promovido ao menos por 180 dias em virtude do afastamento da presidente constitucional Dilma Rousseff.

Foi ela, e não ele, que em 2014 foi reconduzida ao Planalto por 54.501.118 cidadãos.

O Senado acaba de aprovar o cartão amarelo salpicado de vermelho para Dilma, que só em hipótese remota regressará ao posto para o qual foi eleita.

Numerosos senadores e deputados suspeitos e denunciados pelos crimes mais cabeludos depuseram a governante contra quem inexiste suspeita ou acusação de crime.

Pedaladas fiscais, empréstimos, créditos _tudo isso não constitui apropriação indébita de recursos públicos.

Foram pretextos vulgares para derrubar quem tinha (e tem) direito de cumprir o mandato até dezembro de 2018, se prevalecesse a soberania do voto popular.

O vice que vai virar titular seria hoje humilhado, com raquíticos 2% dos votos, em eleição direta para presidente.

Ele só chegará lá empurrado por um golpe de Estado que a história um dia destrinchará, quando a serenidade prevalecer.

Presidente ungido pelo tapetão.

Usurpando o mandato que os brasileiros não lhe conferiram.

Levando consigo ao poder iminente muitos ministros eminentes por serem investigados em episódios de bandalheira.

Temer será um presidente ilegítimo.

Cujos sócios e aliados se empenharam em conflagrar o Brasil.

Promoveram intolerância e ódio que não serão cicatrizados no tempo de uma geração.

O mais talentoso malabarismo verbal não redimirá o governo Temer de sua condição ilegítima já de nascença.

Na democracia, presidente se elege no voto. No voto popular.

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Mais um golpe vagabundíssimo
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Mário Magalhães

O muso, a cara e o coração do impeachment – Foto Pedro Ladeira/Folhapress

 

Poucos anos depois da deposição do presidente constitucional João Goulart, em 1964, um dos arautos mais estridentes do movimento avacalhou-o como ''golpe vagabundíssimo''. Houvera, de fato, golpe de Estado. Mas antes o arauto o incensara como ''Revolução'', em caixa-alta. E como cruzada em defesa da democracia e contra a corrupção.

Proclamaram que seria uma ''Revolução'' destinada a assegurar eleições diretas para o Planalto. Logo aboliram-nas. Denunciados pelos golpistas como larápios, Jango e o ex-presidente Juscelino Kubitschek tiveram a vida devassada, e os esbirros não obtiveram uma só prova de que os investigados tivessem se apropriado de patrimônio público. Os dois acabaram formando ao lado do velho antagonista. Batalhando pela redemocratização, conforme os dois ex-governantes, ou democratização, como preferia o arauto do 1º de abril. Juntos contra a ditadura parida pela derrubada de Goulart.

Neste exato instante, começo da tarde de 11 de maio de 2016, o Senado debate o afastamento da presidente constitucional Dilma Rousseff. A guilhotina tem hora marcada, a madrugada vindoura. Sem blindados nas ruas e divisões de infantaria nas estradas. Com uma embalagem menos vulgar que a de 52 anos atrás. Mas mesmo assim um golpe de Estado. Mais um golpe vagabundíssimo.

Dilma sofre processo de impeachment sem que exista um único indício ou prova de que tenha cometido crime. Ao contrário de numerosos algozes, os senadores e deputados denunciados por uma vastidão de artigos do Código Penal. As manobras fiscais de créditos e ditas pedaladas não constituem subtração de dinheiro do povo. Eram práticas corriqueiras de todos os grandes partidos, aqueles que em maioria se preparam para eliminar a presidente consagrada em 2014 por 54.501.118 votos. Configura injustiça _ou golpe_ aplicar determinados critérios punitivos a gestores de certa coloração, e a de outras, não.

Dilma Rousseff não está sendo deposta em virtude do seu desastroso segundo mandato. Ao trocar suas promessas de palanque pela plataforma do candidato derrotado, ela impôs à sua base social os maiores sacrifícios da crise. Agravou-a, castigando os brasileiros mais pobres. Um dia a história talvez esclareça por que a presidente fez o que fez.

Seria indigno, contudo, culpar Dilma pelo golpe. As responsabilidades são dos autores. Na raiz do impeachment se identifica a rejeição à soberania do voto popular, cultivada atavicamente por castas sociais poderosas. Quatro dias após a reeleição, o PSDB já questionava a legitimidade da candidata que triunfara. Diante da inércia e da hesitação do governo, grupelhos de fanáticos de extrema-direita se vitaminaram, deflagrando a formação de coalização semelhante à que fulminou Jango (as Forças Armadas e a Igreja são exceções notáveis; os grandes proprietários de terras, o empresariado mais graúdo, os meios de comunicação hegemônicos, o Congresso conservador e a classe média mais radicalizada reeditam o papel desempenhado há meio século; a Casa Branca, rápida no gatilho para pitacar até sobre corrida de calhambeques mundo afora, cala sobre a farsa antidemocrática no Brasil).

A recusa às urnas não é mera idiossincrasia desvinculada de outros propósitos. Coube a um jornalista bem-humorado boa explicação. Falando pela boca da dona História, Luis Fernando Verissimo escreveu: “[…] A ilusão que qualquer governo com pretensões sociais poderia conviver, em qualquer lugar do mundo, com os donos do dinheiro e uma plutocracia conservadora, sem que cedo ou tarde houvesse um conflito, e uma tentativa de aniquilamento da discrepância. Um governo para os pobres, mais do que um incômodo político para o conservadorismo dominante, era um mau exemplo, uma ameaça inadmissível para a fortaleza do poder real. Era preciso acabar com a ameaça e jogar sal em cima. Era isso que estava acontecendo [em 2016]''.

Não é no piscar de olhos histórico de pouco mais de um século desde a Abolição que são suprimidas relações de poder obscenas na derradeira nação a extinguir a escravidão formal. O Brasil permanece como um dos dez países mais desiguais. A terra onde uma patroa de classe média tinha e quem sabe ainda tenha chiliques ao se deparar com a empregada doméstica trajando roupa igual à sua.

Há uma pegadinha marota, abrangendo apenas três anos e pouco, nos balanços da economia e de indicadores sociais na queda de Dilma. Seu governo agoniza, mas o cartão vermelho é sobretudo para os 13 anos e quatro meses de representantes do PT na Presidência. Perdas e danos devem ser contabilizados desde 2003.

Nesse período, ninguém insinuou revolução ou ameaça aos interesses mais caros dos manda-chuvas de sempre. Mas o que se passou não foi indiferente à população que desde o desembarque de Cabral levou a pior. Nos 13 anos petistas, a renda dos mais pobres teve 129% de aumento real, descontada a inflação. E a dos mais ricos, 32%.

De 2001 a 2009, a taxa de pobreza no país despencou de 35,2% para 21,4%. A da extrema pobreza, para menos da metade, de 15,3% para 7,3%. O programa Bolsa Família contribuiu para a queda, bem como o aumento real do salário mínimo em 53%, nos oito anos de Lula (2003-2010). Em 2013, 13,8 milhões de famílias eram atendidas pelo Bolsa Família, aproximadamente 27% da população ou ao menos 50 milhões de viventes. Poucas iniciativas dos anos Lula-Dilma foram tão demonizadas como o Bolsa Família. O programa tem notórias limitações, mas comer um prato de comida não é capricho para os ao menos 30 milhões de seres humanos que deixaram a miséria absoluta, a da fome.

Nesses 13 anos, as universidades receberam mais estudantes que antes. E mais negros. Avião deixou de ser transporte só de bacana. Empregadas domésticas conquistaram carteira assinada. O desemprego hoje, a despeito do aumento recente, é menor do que em tempos de Fernando Henrique Cardoso. A mortalidade infantil despencou. O salário mínimo recuperou-se também com Dilma.

Nada foi benesse, e sim conquista de quem foi à luta. Mas tudo sobreveio de 2003 a 2016, o que é fato, e não opinião.

Eis o que a dona História, de Verissimo, quis dizer: até dividir um pouquinho da riqueza é inaceitável para os donos do dinheiro.

Tomara que no porvir os historiadores não minimizem um capítulo decisivo da deposição de Dilma: o golpe não ocorreria se o PT tivesse aceitado livrar Eduardo Cunha do voto pró-cassação por quebra de decoro parlamentar. Para retaliar, Cunha instaurou a ação do impeachment, acelerou-a, tramou e presidiu a sessão da Câmara em 17 de abril, encaminhando a degola.

Dilma paga por um gesto de decência do PT, e não por uma das numerosas ações indecentes que caracterizam a trajetória do partido. Se Aécio Neves tivesse se submetido à manifestação soberana dos cidadãos em 2014, talvez o impeachment não prosperasse. Sem Eduardo Cunha, com certeza a conspiração não teria vingado.

O PMDB participou das administrações do PSDB e do PT. Agora deve alcançar o poder, sem intermediários. O Brasil cai na mão do que existe de mais atrasado, e não apenas em matéria de zelo pela coisa pública. É medieval a agenda sobre comportamento e direitos civis de muitos figurões do impeachment e do iminente governo Michel Temer. Quem assume é a agremiação de Eduardo Cunha.

Collor foi apeado em 1992 depois de comprovadamente ter cometido crime. Com Dilma, isso não ocorreu. A deposição de 2016 pertence à família da de 1964.

A saída à força da presidente é menos uma derrota pessoal e muito mais uma tragédia para o Brasil e a democracia tão golpeada.

P.S.: o autor da expressão ''golpe vagabundíssimo'' é Carlos Lacerda, governador da Guanabara em 1964. Durante sua vida, Lacerda (1914-1977) foi protagonista de golpes bem ou mal sucedidos. Mas enfrentou duas ditaduras e muitas vezes lutou pela democracia e contra o golpismo. Militou no comunismo, tornou-se anticomunista. ''Não era um homem, mas uma convulsão da natureza'', disse Barbosa Lima Sobrinho. É legítimo supor que hoje Lacerda estaria deste ou daquele lado. Não me arrisco a chutar. Ele é o protagonista do meu próximo livro, a sair pela Companhia das Letras no ano que vem. Sem deixar de contar as décadas anteriores, concentro-me no período 1964-1977. Ao iniciar a empreitada do livro, sabia que seus personagens e temas permanecem apaixonantes. Mas não imaginava que seriam tão atuais.

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Na terra de Zumbi, professor que criticar escravidão e miséria será punido
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Mário Magalhães

Memorial Zumbi dos Palmares, em Alagoas – Foto Beto Macário/UOL

 

Se a lei que entrou em vigor nesta segunda-feira for cumprida, professores de Alagoas podem ser demitidos, suspensos ou advertidos se manifestarem opinião em sala de aula.

Caso critiquem, por exemplo:

* a escravidão;

* o nazismo;

* o tráfico de seres humanos;

* os responsáveis pelo aquecimento global;

* os destruidores da floresta amazônica;

* os exterminadores dos povos indígenas;

* ditaduras de todas as colorações;

* o técnico Dunga;

* o filme ''Guerra Civil'', com o Capitão América e companhia.

Ou se elogiarem a bola redonda que o Ganso vem jogando.

A lei medieval aprovada pela Assembleia e publicada no ''Diário Oficial'' do Estado leva o número 7.800/16.

Na melhor (ou pior) tradição nacional de não chamar as coisas pelo nome, institui o Programa Escola Livre, que na verdade impede a liberdade de expressão nas escolas.

Em nome de uma suposta neutralidade, os professores da rede estadual estão proibidos de opinar nas aulas.

A lei não se pronuncia sobre os tópicos assinalados lá no alto pelo blog, mas permite que assim seja interpretada.

Ela determina: ''Ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, o Professor apresentará aos alunos, de forma justa, com a mesma profundidade e seriedade, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito''.

O que significa isso, por exemplo, ao abordar a tortura? Igualar argumentos contra e pró, quando o direito internacional declara tal prática violação dos direitos humanos?

Na terra do Quilombo dos Palmares, de Zumbi e de Ganga Zumba, o professor não pode condenar a escravidão.

Num dos Estados mais desiguais e miseráveis do Brasil, agora é risco professor classificar desigualdade e miséria como males.

Outra norma da lei:  ''O Professor deverá abster-se de introduzir, em disciplina ou atividade obrigatória, conteúdos que possam estar em conflito com as convicções morais, religiosas ou ideológicas dos estudantes ou de seus pais ou responsáveis''.

Quer dizer que, se os ''responsáveis'' de um estudante são favoráveis ao ''direito'' (sic) ao estupro, o professor não pode dizer não?

E se são praticantes de violência doméstica?

Ou, por motivos religiosos, impedem a transfusão de sangue que pode salvar vidas?

É pau, é pedra, é o fim do caminho.

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República de bananas é país que rasga 54.501.118 votos
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Mário Magalhães

Agora, há até viúvas de Eduardo Cunha e José Sarney – Foto Caio Guatelli/Folhapress

 

O tal Waldir Maranhão levou mais bordoadas em um dia do que Eduardo Cunha em quinze meses como presidente da Câmara.

Adjetivos corrosivos e substantivos pejorativos, empoeirados pela falta de uso, dardejaram o deputado que ousou declarar ilegal e ilegítima a sessão da Câmara que deu sinal verde ao impeachment da presidente constitucional Dilma Rousseff.

Denunciaram a ''manobra'' do obscuro Maranhão, mais tarde revogada, tamanha a fuzilaria contra ele.

As manobras infindáveis, manjadíssimas e inescrupulosas de Cunha para depor a governante eleita pelo voto popular não foram tratadas assim.

Dois pesos, duas medidas. E uma hipocrisia do tamanho do mundo.

Dos mais pedantes aos mais histriônicos, muita gente proclamou em coro que Waldir Maranhão, presidente interino da Câmara, transformou o país numa república de bananas.

Perdão pela obviedade ululante, mas é preciso dizer: uma das características essenciais das velhas republiquetas bananeiras latino-americanas era _e é_ o desprezo pela soberania do voto popular.

Ganhou na urna? E daí? A preferência dos eleitores era _é_ constantemente sufocada por transações e interesses avessos à democracia.

Eduardo Cunha, com mandato de deputado federal suspenso pelo STF, apressou-se em declarar ''absurda'' e ''irresponsável'' a decisão de Maranhão.

Cunha, quem diria, pegou mais leve do que alguns operadores em surto.

Em tons diferentes, reafirmou-se a ampla coalização pró-impeachment, que vai de Eduardo Cunha aos que juram não ter uma só convicção em comum com o belzebu.

Bastou verem ameaçado o golpe de Estado em curso _impeachment sem prova de crime é golpe_ que certo pessoal falou como viúva de Cunha.

Estranho país, onde vicejam viúvas da ditadura e viúvas de Eduardo Cunha.

Não só: ao avacalharem o governador do Maranhão, Flávio Dino, revelaram-se também viúvas de José Sarney e sua família.

Para quem não sabe, se isso é possível: os Sarney conspiraram ativamente pela derrubada de Dilma.

Assim caminhamos: parlamentares acusados e suspeitos dos crimes mais cabeludos, associados a um empresariado historicamente corruptor, estão na bica para depor uma mulher honesta e honrada.

Legitimada por 54.501.118 votos.

E o problema é o Waldir Maranhão…

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O festival de hipocrisia que assola o país
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Mário Magalhães

Deram-lhe tempo para depor a presidente constitucional – Foto Ricardo Borges/Folhapress

 

Fiz um bate e volta à região serrana do Rio na manhã de ontem. A trabalho e por prazer. Nem entrara no túnel Rebouças quando o rádio informou que o ministro Teori Zavascki afastara Eduardo Cunha da chefia da Câmara e suspendera seu mandato parlamentar.

Sobrevieram declarações de autoridades, políticos, figurões de toda ordem, amigos, inimigos e uma profusão de comentaristas _só faltou o de cuspe à distância. Em comum, celebraram o que interpretam como triunfo da democracia, o chega-pra-lá no ''delinquente'' (assim Cunha é qualificado pelo procurador-geral da República).

Lá na serra, deparei-me com uma foto do Sérgio Porto, homem de imprensa e ideias que assinando Stanislaw Ponte Preta criou na década de 1960 o Febeapá, ''O festival de besteira que assola o país''. A fotografia está guardada com carinho porque o dono da casa era amigão do Sérgio Porto.

Regressei ao Rio ao som da mesma batida no rádio. Ao passear pela internet, aqui na Cinelândia, dei com o tom parecido com o que ouvira mais cedo. Como um ladrão inescrupuloso, assim diziam, feito Cunha poderia comandar a Câmara? O pior era sua condição de um dos primeiros da linha sucessória presidencial. O Estado democrático de direito não poderia conviver com tal aberração.

No comecinho da noite, fui ao cinema ver ''Nise: O coração da loucura'', filme de Roberto Berliner, com Glória Pires de novo exuberante. Era mais trabalho, que também se revelou prazer.

Em casa, peguei algum noticiário na TV, em jogral: Eduardo Cunha não reunia autoridade moral e legal para permanecer onde estava.

Café da manhã, com jornais impressos, mais do mesmo.

Concordei com tudo. Tudinho.

Só não entendi por que bravos combatentes da causa democrática esperaram tanto para se manifestar pela saída imediata do tinhoso.

Ou por que só agora aumentaram os decibéis da bronca.

O pedido de cartão amarelo ou vermelho para o deputado correntista na Suíça havia sido protocolado em dezembro pela Procuradoria-Geral da República.

Desde março Cunha era réu no STF, acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Todas as provas fundamentais contra ele foram tornadas públicas no ano passado.

Por que aplausos ruidosos agora e silêncio ou discrição antes de 17 de abril?

Foi naquele dia que o deputado presidiu a sessão da Câmara decisiva para o plano de depor a presidente da República que, ao contrário de Eduardo Cunha, não foi denunciada por crime algum.

É seletiva a convicção dita democrática que aceita um ''delinquente'' na cabeça da Câmara, desde que ele se preste a fazer certos serviços, no caso o golpe de Estado com embalagem light.

Há décadas o Brasil não assistia a tanta hipocrisia.

Quem proclama em maio votos pela democracia ficou pianinho antes de 17 de abril.

Sem Eduardo Cunha o impeachment não teria prosperado, como disse o deputado Paulinho da Força e sabem os apoiadores da deposição, mesmo que por motivos sanitários afetem repulsa ao deputado.

A hipocrisia é tamanha que manjadérrimos aliados e correligionários de Eduardo Cunha elogiaram sua retirada de cena, ao menos do proscênio.

O Febeapá foi uma maneira de Sérgio Porto cutucar com humor a ditadura parida em 1964.

Até onde a memória alcança, saíram três volumes.

Em 2016, o festival de hipocrisia que assola o país renderia coleção muito mais parruda.

Ironia destes tempos tormentosos e hipócritas: leio à mesa do café, no ''Globo'', que Eduardo Cunha morou na rua Sérgio Porto.

Rua Sérgio Porto, 171.

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Demora de Teori permitiu a Cunha tramar e presidir a sessão do impeachment
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Mário Magalhães

Eduardo Cunha, na sessão decisiva de 17 de abril – Foto Renato Costa/Folhapress

 

Recapitulando, já é história:

* Em 16 de dezembro de 2015, o procurador-geral da República pediu ao Supremo Tribunal Federal o afastamento de Eduardo Cunha da presidência da Câmara e a suspensão do seu mandato de deputado federal. Eis trecho de reportagem publicada naquele dia: ''Para Rodrigo Janot, segundo a PGR, Cunha 'vem utilizando o cargo em interesse próprio e ilícito unicamente para evitar que as investigações contra ele continuem e cheguem ao esclarecimento de suas condutas, bem como para reiterar nas práticas delitivas'. Janot diz que Cunha ultrapassou 'todos os limites aceitáveis' de um 'Estado Democrático de Direito' ao usar o cargo em 'interesse próprio' e 'unicamente para evitar que as investigações contra si tenham curso e cheguem ao termo do esclarecimento de suas condutas, bem como para reiterar nas práticas delitivas'. O peemedebista é investigado em três inquéritos sob suspeitas de corrupção, sendo que um deles já virou denúncia ao STF, acusado de receber propina de contrato com a Petrobras. Além disso, acusa a PGR (Procuradoria-Geral da República), ele tem usado seu mandato de deputado e o cargo de presidente 'para constranger e intimidar testemunhas, colaboradores, advogados e agentes públicos' para dificultar a investigação contra si''.

* O ''deliquente'', como o qualificou Janot, tornou-se réu no Supremo em 3 de março de 2016, acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

* Nesta quarta-feira, 5 de maio, o ministro Teori Zavascki aplicou-lhe um gancho: Cunha está fora da Câmara e sem mandato, ao menos por enquanto.

Qual foi a decisão mais importante da Câmara dos Deputados entre o pedido de Janot em dezembro e a decisão, 142 dias mais tarde, do ministro do STF?

A de dar sinal verde, no sombrio domingo de 17 de abril, para o Senado se pronunciar sobre o impeachment da presidente constitucional.

Eduardo Cunha presidiu aquela sessão.

E foi o artífice indispensável da trama que caminha para a deposição de Dilma Rousseff.

Seu papel se evidencia no depoimento do seu aliado Paulinho da Força, que se prepara para indicar o ministro do Trabalho no iminente governo Michel Temer, o vice correligionário de Cunha.

“O impeachment só tá acontecendo por causa do Eduardo Cunha'', esclareceu Paulinho a amigos.

Nada de revelante ocorreu de 17 de abril para cá. Isto é, as provas essenciais já haviam sido colhidas.

Teori Zavascki deve ter motivos técnicos para ter esperado tanto para se definir num assunto que poderia determinar o destino do Brasil _e determinou, com a virtual administração de Michel Temer, personagem citado em depoimentos da Operação Lava Jato como beneficiário de milhões de reais.

Por que o ministro esperou tanto?

Sua demora, mesmo que não tivesse tal propósito, permitiu a Eduardo Cunha deitar e rolar em sua obsessão de derrubar a governante, até segunda ordem, honesta e honrada.

A condição de capo da Câmara também foi usada em ''interesse próprio'' no empenho de Cunha em se vingar do PT, devido à disposição de deputados do partido de apoiarem a cassação do ''delinquente'', por quebra de decoro parlamentar.

O despacho de hoje fere o pacto estabelecido no Congresso para salvar Cunha, em troca do endosso do deputado ao golpe de Estado contra a presidente eleita com 54.501.118 votos.

Eduardo Cunha estava nomeando futuro ministro de Temer, como até os colaboradores mais próximos do vice missivista reconhecem.

É hipocrisia proclamar agora que o cartão vermelho (ou amarelo) é triunfo da democracia, mas não ter exigido a saída de Cunha antes da votação sobre o impeachment.

Antes a presença dele era democrática, e menos de um mês depois não é mais?

Não é democrática hoje. E não era em 17 de abril.

Das muitas ilegitimidades da conspiração que derruba Dilma, Cunha é uma das mais evidentes.

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Ações da Lava Jato coincidem com vésperas de eventos políticos decisivos
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Mário Magalhães

Por Aroeira

 

Se houver contra Lula provas acima de quaisquer dúvidas, que o ex-presidente seja exemplarmente condenado, na forma escrupulosa da lei.

Se não houver, que o absolvam, também de modo exemplar.

Idênticos valores se aplicam a Dilma Rousseff, contra quem, ao contrário do seu antecessor, inexiste acusação formal. Isto é, denúncia apresentada pelo Ministério Público.

O que não impediu que um jornalista aparentemente perturbado se esgoelasse bradando que a presidente da República não pode mais ser tratada como pessoa ''honrada'' e ''honesta''.

Sentenciou. Virou magistrado. Mas daqueles bem parciais.

Seria ridículo, se o desempenho burlesco não carregasse tintas de tragédia para a democracia _e o jornalismo.

Falei ''jornalista''? Perdão pela impropriedade. Corrijo: cheerleader.

Feito o registro do noticiário, permitam-me outro, endereçado aos historiadores do futuro.

Do futuro porque, nesta quadra da história, a serenidade está tão em falta quanto a vacina para a gripe que se alastra.

Esperemos a estiagem, porque a tempestade cospe fúria e afoga a razão.

Daqui a dez, vinte, trinta anos, quem sabe na pena de um brasilianista, alguém há de cotejar obsessivamente a cronologia da Operação Lava Jato com a de eventos políticos relevantes e decisivos.

E constatar que, quando a coincidência é demasiada, deixa de ser coincidência.

Em 4 de março de 2016, na 24ª fase da Lava Jato, o juiz Sérgio Moro determinou a condução coercitiva de Lula para prestar depoimento à Polícia Federal. Tremendo barulho.

Manifestações pró-impeachment estavam marcadas para menos de dez dias depois. O ambiente mudou. Bombaram. Em dezembro, haviam sido modestas.

Três dias mais tarde, Moro liberou a divulgação de gravações telefônicas de Lula, inclusive de conversa com a presidente.

Em abril de 2015, ocorrera sincronia semelhante.

O ato pela deposição de Dilma seria no dia 12.

Na antevéspera, deu-se a 11ª fase da Lava Jato, e o clima esquentou.

Cinco dias antes da votação na Câmara que autorizaria o impeachment, desencadearam a 28ª fase.

A nove dias da data provável para o Senado se pronunciar sobre o afastamento provisório da presidente constitucional, o procurador-geral da República denunciou Lula e pediu investigação de Dilma.

Ainda que sem querer _será?_, a Polícia Federal, o Ministério Público e a Justiça aumentaram a temperatura às vésperas de acontecimentos políticos de envergadura.

Algum dia um scholar estudará tudo isso e muita gente reagirá com ares de surpresa, falsos ou verdadeiros, às conclusões tão óbvias.

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‘Velho amigo’ de Temer vê ‘podridão’ em ‘sentimentos dos homoafetivos’
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Mário Magalhães

 

Michel Temer vai deixando claro quem serão seus parceiros de aventura caso seja bem-sucedida sua ambição de ser presidente sem se submeter às urnas.

O _ainda_ vice gravou um vídeo ao lado do deputado Marco Feliciano (PSC-SP), que exibiu a gravação num culto (para assisti-la, basta clicar na imagem acima).

Temer o tratou como ''velho amigo'' e ''companheiro de lides políticas''.

Lamentou a ''desunião'' dos brasileiros e pregou ''harmonia''.

Estava, repito, com Marco Feliciano, arauto da intolerância e profeta do ódio.

Deputado que joga contra a união e a favor da desarmonia.

Exagero?

Peço licença para publicar de novo algumas ideias dele, já reproduzidas aqui no blog.

Eis o que vai na cachola do ''companheiro'' de Michel Temer:

“Quando você estimula uma mulher a ter os mesmos direitos do homem, ela querendo trabalhar, a sua parcela como mãe começa a ficar anulada, e, para que ela não seja mãe, só há uma maneira que se conhece: ou ela não se casa, ou mantém um casamento, um relacionamento com uma pessoa do mesmo sexo, e que vão gozar dos prazeres de uma união e não vão ter filhos. Eu vejo de uma maneira sutil atingir a família; quando você estimula as pessoas a liberarem os seus instintos e conviverem com pessoas do mesmo sexo, você destrói a família, cria-se uma sociedade onde só tem homossexuais, você vê que essa sociedade tende a desaparecer porque ela não gera filhos.” Leia mais aqui.

Manifestações no Twitter:

“A podridão dos sentimentos dos homoafetivos leva ao ódio, ao crime, à rejeição''.

“Africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé. Isso é fato. O motivo da maldição é a polêmica. Não sejam irresponsáveis twitters. Rsss.''

“Estamos vivenciando a maior de todas batalhas contra a família brasileira, e a igreja está sendo bombardeada pelas mentiras insinuadas por grupo de bandeira LGBT (gays, lésbicas, bissexuais e travestis), que planeja dividir e destruir nossas igrejas e famílias, usando a política e a discriminação como arma.”

“Pois depois da união civil virá a adoção de crianças por parceiros gays, a extinção das palavras pai e mãe, a destruição da família.''

No vídeo, ao ser chamado de ''nosso presidente'', Temer sorriu.

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Ciclovia: Eduardo Paes sugere culpa de muitos, menos da Prefeitura do Rio
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Mário Magalhães

A culpa não é do mar, mas do desprezo pela vida humana - Foto Custódio Coimbra / Agência O Globo

A culpa não é do mar, mas do desprezo pela vida humana – Foto Custódio Coimbra / Agência O Globo

 

O prefeito do Rio tem sido rigoroso ao se referir a culpas pela tragédia criminosa em que duas pessoas foram mortas na queda de trecho da ciclovia da avenida Niemeyer.

Culpas de quem projetou e executou a obra ligando São Conrado ao Leblon.

Pena que não seja incisivo _ou ao menos mencione_ em relação a outra responsabilidade, a da prefeitura.

É como se a administração pública não devesse ser cobrada pela construção precária e mortal.

Eis o que Eduardo Paes disse ao repórter Jorge Bastos Moreno:

''O que eu sei é que não levaram em conta que as ondas poderiam vir de baixo para cima, com o peso de 500 toneladas. Estavam preparados para uma pressão de cima para baixo. Mas tudo isso está sob investigação. As responsabilidades estão sendo apuradas. Não foi um erro direto da prefeitura. Nosso erro, no caso específico, pode ter sido o de não a termos isolado com cones, naquele dia da ressaca. Mesmo considerando que a estrutura fosse inabalável, aquela ressaca poderia, por si só, arrastar pessoas. Então, o isolamento preventivo da área era necessário. Se as investigações, as perícias, comprovarem a culpa da Concremat, a empresa será responsabilizada e terá todos os seus contratos com a prefeitura cancelados. Há outra coisa também: não é possível responsabilizar apenas CNPJ, mas CPF também, ou seja, empresa e engenheiros responsáveis pela obra''.

Noutras palavras, o peemedebista dá a entender que não era atribuição da Prefeitura do Rio analisar o projeto e fiscalizar a construção da ciclovia.

Como se coubesse ao município somente entregar a terceiros uma empreitada, sem observar se o plano é correto e se a edificação, mais que tudo, protege quem pedala e caminha por ali.

Como se fosse aceitável deixar para lá o que pode custar, e custou, vidas humanas.

Que a ciclovia deveria ter sido interditada por causa da ressaca é óbvio.

Também é evidente que a prefeitura falhou na fiscalização da obra.

Tudo isso vai sendo esquecido, pena. Chegou a hora do oba-oba olímpico.

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