Blog do Mario Magalhaes

Em plena Rio-2016, filho de Cabral, o do Maracanã, é secretário de Esporte
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Mário Magalhães

O ex-governador Sérgio Cabral – Foto Rafael Andrade/Folhapress

 

Nos últimos meses, ex-executivos da Odebrecht e da Andrade Gutierrez deram depoimentos descrevendo um esquema de propina na reconstrução do Maracanã para a Copa de 2014. O estádio receberá as cerimônias de abertura e encerramento da Olimpíada, além de partidas decisivas do futebol.

De acordo com os testemunhos, o ex-governador Sérgio Cabral embolsou 5% do valor da obra, que custou infame R$ 1,2 bilhão aos cidadãos. Teria levado, de acordo com os funcionários das empreiteiras, R$ 60 milhões. Cabral, prócer do PMDB, nega ter participado de falcatrua.

Nem com todos os pormenores fornecidos pelos delatores Cabral perdeu influência na Secretaria de Estado de Esporte, Lazer e Juventude do Rio de Janeiro. O secretário é seu filho Marco Antônio Cabral.

Eleito deputado federal em 2014 aos 23 anos, com mais de 100 mil votos, Marco Antônio foi nomeado secretário pelo governador Pezão, que por sua vez fora escolhido por Cabral para concorrer ao Palácio Guanabara. O governador em exercício Francisco Dornelles manteve o filho de Sérgio Cabral.

Com Operação Lava Jato e tudo, o filho de Sérgio Cabral continua o responsável do governo pelas questões relativas ao Maracanã. A Odebrecht, controladora da concessionária do estádio, quer devolvê-lo ao Estado. De novo, a Odebrecht na fita.

Marco Antônio não é Sérgio, mas seria secretário se não fosse o pai?

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Epígrafes: por Charles Dickens
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Mário Magalhães

O escritor inglês Charles Dickens (1812-1870) – Foto reprodução

 

– A história nunca mente, não é? – pergunta o sr. Dick com um brilho de esperança.

-Ah, não senhor! – repliquei, muito decidido. Eu era moço e ingênuo e acreditava nisso.

Charles Dickens, no romance David Copperfield (edição Cosac e Naify), tradução do inglês por José Rubens Siqueira.

*

Epígrafe para um livro que reescreva histórias tão verdadeiras quanto frágeis ou falsas.

Seja a história de uma glória, de um goleiro ou de um gozo.

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O mico do empreiteiro contra pobres no condomínio da Vila dos Atletas
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Mário Magalhães

Carlos Carvalho, durante construção da vila – Foto Daniel Marenco/Folhapress

 

Se alguém tinha dúvida da mentalidade de casa grande que resiste em certas cacholas nacionais, o empresário Carlos Carvalho prestou um eloquente serviço em agosto do ano passado. Dono da Carvalho Hosken, empreiteira que com a Odebrecht construiu a Vila dos Atletas, o engenheiro pontificou em entrevista à BBC Brasil sobre quem vai morar no condomínio a ser ali instalado depois da Olimpíada: ''Para botar tubulação de água e de luz há um custo alto, e quem mora paga. Como é que você vai botar o pobre ali? Ele tem que morar perto porque presta serviço e ganha dinheiro com quem pode, mas você só deve botar ali quem pode, senão você estraga tudo, joga o dinheiro fora''.

O condomínio com 31 edifícios e 3.604 apartamentos se chama Ilha Pura. Isso mesmo, pura, sem mistura.

O Parque Olímpico foi erguido pelo consórcio composto por Carvalho Hosken, Odebrecht e Andrade Gutierrez. Após os Jogos, lá serão lançados condomínios mais sofisticados do que o Ilha Pura. Carlos Carvalho foi indagado sobre a remoção de uma comunidade pobre ao lado do parque. Respondeu: ''Você não pode ficar morando num apartamento e convivendo com índio do lado, por exemplo. Nós não temos nada contra o índio, mas tem certas coisas que não dá. Você está fedendo. O que eu vou fazer? Vou ficar perto de você? Eu não, vou procurar outro lugar para ficar''.

O cidadão nonagenário está em pleno gozo de suas faculdades mentais. Tanto que ele falou pela empreiteira sobre os problemas encontrados desde domingo na Vila dos Atletas.

A cabeça século XIX, e olhe lá, combina com a arrogância de quem dizia maravilhas sobre a Vila dos Atletas.

Ela pode até ser um empreendimento de qualidade, mas foi entregue repleta de problemas para a Olimpíada.

Um mico.

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Sabáticas: Compatível com a idade
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Mário Magalhães

 

capela vale

 

Mês sim, outro também, estoura escândalo evidenciando que a privacidade na internet é inexistente ou relativa. É mesmo o fim da picada, mas não entendo o espanto. Faz tempo que todo mundo sabe disso.

Não tem um dia em que não chegue e-mail de remetente desconhecido apregoando milagres de produtos de saúde e de loções de beleza para cavalheiros da minha idade. Pelo menos isso, a idade, eles descobriram. Às vezes acertam, estou necessitado. Noutras, a oferta de fortificantes ofende com o menosprezo, se é que me entendem.

Como se eu fosse um cabra desfrutável, o Facebook não cansa de estimular encontros com adoráveis cinquentonas, minha nova turma. Cada uma mais formosa que a outra. A rede tudo rastreia e alerta: você não é mais criança.

O Chico Anysio catalogava os vírus da velhice se insinuando. Devo ser um coroa precoce, pois já havia sido contaminado por dois quando a Legião Urbana ainda era futuro. O primeiro é a paranoia de, depois de sair de casa, voltar para ver se o fogão foi desligado (nunca encontrei o forno aceso). O segundo é a leitura dos obituários nos jornais, porém esse hábito ou mania goza de álibi, a obrigação de repórter.

Talvez o Chico tenha escrito sobre as mudanças na vida dos descasados, ignoro. Mas não esqueço as novidades inventariadas pelo Carlos Eduardo Novaes. Um dos deleites que o cronista observou na solteirice recuperada é poder deixar, em qualquer emergência, a porta do banheiro aberta sem ninguém bronquear.

O Chico Anysio já partiu, o Carlos Eduardo é setentão, e eu tirei a carteirinha do clube dos cinquenta. Daí que, após cinco irresponsáveis anos sem visitar o consultório médico, resolvi passar por um check-up. No procedimento mais assustador, uma alma caridosa, fiel ao protocolo, me injetou um sossega-leão.

Quem procura acha, certo? Num montão de resultados, a dieta farta de gorduras e prazeres apresentou a fatura. Por sorte, nada grave. Um ou dois anos mais velho do que eu, o doutor gente boa anotou com placidez de monge os dados de cada exame. Receitou uns remédios e sorriu. Falei:

“Esse nível no sangue está alto”.

“Compatível com a idade”, o médico esclareceu.

“Mas a ressonância parece estranha”, insisti.

“Compatível com a idade.”

Não desisti: “Vi na internet que tal desvio nos índices pode indicar doença iminente”.

“Compatível com a idade”, ele reiterou, sem perder a fleuma.

Saí feliz da vida. Mas me imaginei daqui a meio século, agonizando na cama do hospital, com alguém de roupa branca olhando para mim e dizendo sem emoção:

“Compatível com a idade”.

(MM, publicado originalmente na revista Azul Magazine, dezembro de 2015)

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Epígrafes: por José Saramago
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Mário Magalhães

O escritor português José Saramago durante o lançamento de seu livro "A Viagem do Elefante" em 2008 no Brasil

O escritor português José Saramago (1922-2010) – Foto Tuca Vieira/Folhapress

 

''Escrever é um modo de viver, mas pressupõe ter vivido.''

José Saramago, frase afixada em parede da fundação que leva o nome do escritor, em Lisboa.

*

Perguntei a um grande autor brasileiro se ele não gostaria de escrever a biografia de um dos nossos maiores cronistas.

O escritor respondeu que não. Alegou que, nas crônicas, o colega já contara sua vida.

A frase do Saramago daria uma bela epígrafe para um livro de memórias _ou de crônicas.

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Nasce um dos maiores personagens do cinema documentário brasileiro
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Mário Magalhães

Aloysio Silva, o menino 23 – Foto divulgação

 

O cinema documentário nacional legou personagens inesquecíveis.

Entre os maiores, mais pungentes, está Elizabeth Teixeira, a camponesa valente de ''Cabra marcado para morrer'' (Eduardo Coutinho, 1984).

E o pintor Fernando Diniz, seus silêncios e suas cores, de ''Imagens do inconsciente'' (Leon Hirszman, 1987).

O mais novo personagem para sempre é um nonagenário, Aloysio Silva, protagonista do recém-lançado ''Menino 23''. O filme é dirigido por Belisario Franca, com base em investigação acadêmica do historiador Sidney Aguilar Filho.

Aloysio foi um dos 50 meninos levados de um orfanato do Rio, na década de 1930, para uma fazenda do interior paulista. Quase todos eram negros. Alguns integrantes da família Rocha Miranda, dona da estância, simpatizavam ou militavam na extrema-direita. Tijolos eram produzidos com o desenho da suástica, que também marcava o gado. Os garotos eram obrigados a cantar o hino da Ação Integralista Brasileira, movimento fascista que se alastrava país afora. Os sobreviventes recapitulam o cotidiano de trabalho forçado e castigos físicos. Histórias que o Brasil, ou um certo Brasil, costuma acochambrar.

Seu Aloysio morreu aos 93 anos, em 2015. Seu depoimento, a memória de dor, tristeza e altivez, é eterno.

Ele era o menino 23. O filme conta por quê.

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O atentado em Nice e a Olimpíada da incerteza
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Mário Magalhães

Nem cama havia no Rio para os agentes da Força Nacional de Sgurança – Foto reprodução

 

Logo depois da divulgação na França da suspeita de que a delegação do país aos Jogos do Rio venha a ser alvo de atentado com participação de brasileiro, o terror voltou a atacar e matou ao menos 84 pessoas em Nice.

A considerar o que se ouve desde ontem à noite nas ruas, no metrô e nos elevadores, o morticínio na Riviera Francesa aumentou o receio dos cariocas de que a Olimpíada seja palco de ataque. Muita gente com bala na agulha para ingressos havia desistido de comprá-los. O horror além-mar, às vésperas da cerimônia de abertura aqui, amplia a incerteza.

A cidade está tomada de agentes de inteligência e segurança das nações que enviarão atletas e autoridades. Em outros eventos de grande dimensão, da conferência Rio-92 à Copa do Mundo, não houve problemas graves, ao menos para os visitantes. O patrulhamento numeroso, com a presença de tropas das Forças Armadas, costuma inibir a violência cotidiana que nos assola antes e depois dos encontros e competições. O que há de diferente em 2016 é o medo do terrorismo.

A imagem dos integrantes da Força Nacional dormindo em colchões comprados por eles próprios estimula a sensação de improviso e insegurança. O governo não havia providenciado nem camas. Parte do efetivo submeteu-se a regras dos bandos paramilitares que controlam o condomínio onde os policiais se alojam. Se não dão conta nem da milícia, como enfrentarão eventuais terroristas? _eis o que pergunta o senso comum.

Contudo o monitoramento, a prevenção e o combate ao terrorismo não são da alçada direta da Força Nacional. São poucas as informações sobre os movimentos dos agentes brasileiros e estrangeiros, o que é compreensível em se tratando de serviços secretos. O mistério reforça a incerteza.

Não são poucas as incertezas sobre a Olimpíada. Deixando para lá os abutres, que torcem contra, e os bobos da corte, que aplaudem até maracutaia, há raras certezas. Uma delas é que o Rio perdeu oportunidade histórica para seu desenvolvimento social.

As instalações para as competições estão quase prontas, com contas a escrutinar e atrasos. Mas ninguém pode descartar, para ficar num exemplo, mortandade de peixes na lagoa Rodrigo de Freitas (toc, toc, toc). Lá ocorrerão provas de remo e canoagem.

A turma que bolou a cerimônia de abertura e o elenco escalado indicam uma noite linda no Maracanã. O temor é que outras coisas atrapalhem. Sem falar na derrota que é abrir os Jogos no estádio que rendeu, de acordo com executivos da Odebrecht e da Andrade Gutierrez, 5% de propina ao ex-governador Sérgio Cabral, o que equivaleria a R$ 60 milhões do pornográfico R$ 1,2 bilhão consumido na reconstrução.

Tudo ou quase tudo, do que ainda é possível a essa altura, pode dar certo.

O problema é que pode não dar.

Incerteza, eis o que é a Olimpíada a 21 dias do começo.

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Epígrafes: por Amós Oz
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Mário Magalhães

O escritor israelense Amós Oz – Foto Zanone Fraissat/Folhapress

 

''Mesmo que uma pessoa viva até os cem anos, nunca vai parar de procurar os que já morreram.''

Amós Oz, no romance O mesmo mar (Companhia das Letras), tradução do hebraico por Milton Lando.

*

Arquivista irrecuperável que sou, coleciono até epígrafes. Frases candidatas a abrir livros que algum dia ou nunca escreverei.

De vez em quando vou compartilhá-las aqui, como acepipes para a alma.

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