Blog do Mario Magalhaes

Comparado a Temer, Geddel é só um probleminha
Comentários Comente

Mário Magalhães

Resultado de imagem para uol temer geddel

O ministro Geddel Vieira Lima, nomeado e prestigiado por Michel Temer – Pedro Ladeira/Folhapress

 

''Tem muita espuma nessa polêmica'', sentenciou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, acerca do affair Geddel Vieira Lima.

É possível que o deputado tenha razão. Mas é preferível não dizer o que certamente há sob a vasta ou escassa espuma, para preservar de escatologia esta quarta-feira.

Como se sabe, o ministro da Secretaria de Governo procurou o colega titular da Cultura para tratar de um veto do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

O Iphan barrara um espigão de nome francês e 30 andares que está sendo erguido numa das áreas, a Ladeira da Barra, de vista mais bela da orla de Salvador.

Geddel comprou uma unidade do prédio. Tem outros vínculos, de família, com o negócio.

Marcelo Calero disse que foi pressionado para peitar o Iphan e pediu as contas do Ministério da Cultura.

O chefe da Secretaria de Governo alegou que tratou do La Vue, mas não pressionou ninguém.

Embora um ministro tenha interpelado outro sobre decisão de instituto público contrária aos interesses privados do primeiro, Michel Temer preferiu deixar para lá.

Geddel vem sendo criticado com gosto, o que é saudável para a democracia. Ele faz por merecer. Quanto maior _e sensato_ o espírito crítico, melhor para os cidadãos.

O curioso é que o mesmo espírito crítico se manifesta bem mais tímido em relação a Temer.

Foi ele quem nomeou Geddel, a despeito do currículo, para um posto-chave na administração.

Só quem ignora a trajetória do ministro se surpreende com o episódio na Bahia.

Temer o levou para o coração do Planalto, e agora tenta mantê-lo até quando suportar as pressões tipo ''assim já está pegando mal demais''.

O que é mais grave: Geddel fazer o que fez ou Temer, sabendo o que aconteceu, prestigiar o companheiro?

O líder do governo no Congresso é Romero Jucá. Aquele que pontificou em tempos idos: ''Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria''.

Temer recebeu um cheque de R$ 1 milhão da Andrade Gutierrez na campanha eleitoral de 2014. Um empreiteiro mudou a versão sobre a natureza do cheque. Preservou o presidente e talvez tenha reverenciado a lei Jucá.

O empresário Marcelo Odebrecht contou que desembolsou R$ 10 milhões a peemedebistas, a pedido de Temer.

As ações atribuídas a Geddel são graves, e o ministro já deveria ter sido demitido.

Mas são menos graves do que as que envolvem Temer, até porque este preside a República.

Para o governo, Geddel é um probleminha.

O problemão se chama Michel Temer.

Se o espírito crítico que escrutina Geddel se aplicasse a Temer com o mesmo vigor, o pai de Michelzinho estaria em apuros.

(O blog está no Facebook e no Twitter )


Do PMDB ao PT, do PDT ao PCdoB, muitos se uniram a Cabral, que apoiou Aécio
Comentários Comente

Mário Magalhães

Resultado de imagem para uol sergio cabral

Sérgio Cabral não chegou lá nem ficou lá sozinho – Foto Antônio Cruz/Agência Brasil

 

À ruína de Sérgio Cabral sobreveio a repreensão impiedosa, o esculacho desinibido, a espinafração flertando com o sadismo.

E descobriu-se uma regra, esta também sujeita a exceções: quanto maior a adulação ao ex-governador em seus tempos de poder, mais inclemente a escovada quando prevalece o infortúnio de Cabral.

Não que ele não mereça o encontro com a justiça e a Justiça. Merece, e muito, põe muito nisso.

Sua desgraça, contudo, não autoriza o farisaísmo de quem o cortejou sem pudor e agora banca o justiceiro intimorato.

Em 2006, concorrendo ao Palácio Guanabara (e ao Laranjeiras) pelo PMDB, o candidato Sérgio Cabral Filho contou com a coligação coadjuvada por PTB, PP, PSC e PL.

Em 2010, ela se expandiu, alcançando 16 agremiações, como PT, PDT, PP, PSB, PSC e PC do B.

Cabral não chegou lá sozinho, mas carregado por braços incontáveis.

Inclusive, ou sobretudo, de eleitores que se fiaram nele e em seus parceiros.

Reelegeu-se em primeiro turno com 66% dos votos válidos, ou dois em cada três sufrágios.

Não governou sozinho. O PT, para ficar num exemplo, escalou secretários de Estado, nas duas gestões.

O PSDB não integrou as alianças de Cabral, ex-filiado ao partido, o que não impediu o governador de manter os velhos vínculos: em 2014, apoiou o tucano Aécio Neves, e não a antiga aliada Dilma Rousseff, para a Presidência.

Muitíssimos batem agora em Cabral com o punch do Mike Tyson do começo da carreira.

Podem até alegar que ignoravam as estripulias do governador, mas deveriam ao menos pedir desculpas pelo endosso no passado que fingem esquecer.

Até o Pedro Bó, o tolo que deixou a TV, mas com quem ainda cruzamos no cotidiano, sabia ou desconfiava das armações cabralinas.

O jornalismo não fez melhor.

O espírito crítico, que enfim despertou, não apaga episódios sintetizados numa capa da revista de ''O Globo'' estampando a foto de Sérgio Cabral com o título propagandístico ''O namoradinho do Rio''.

Cabral não se limitou a fazer o que fez debaixo dos panos.

Ostentou a promiscuidade vulgar com negocistas graúdos, a face exposta do que os investigadores sustentam ser sociedade criminosa.

Poucos políticos brasileiros foram tão bajulados nas últimas décadas quanto Sérgio Cabral.

Até outro dia, eram comuns no Rio gabolas que se referiam ao ex-governador como ''o Sérgio'', excluindo o sobrenome.

Os áulicos de então se transformaram nos mais cruéis acusadores. Professorais, desatam a dar lições sobre corrupção e roubalheira.

Se hipocrisia fosse crime, muita gente faria companhia a Sérgio Cabral em Bangu 8.

(O blog está no Facebook e no Twitter )


O que fazer na hora do aperto no Museu da República? Correr para o botequim
Comentários Comente

Mário Magalhães

blog - museu sem banheiro

 

Os visitantes do Museu da República devem ficar espertos, como adverte o aviso afixado em um portão: o banheiro está interditado ao público.

Nas cercanias, no bairro do Catete, há numerosos botecos, bares, restaurantes. Eles, seus sanitários, são a solução para os apertados.

O arrocho é mau, pega um, pega geral. Até banheiro de palácio.

(O blog está no Facebook e no Twitter )


Vento derruba palmeiras no Palácio do Catete
Comentários Comente

Mário Magalhães

blog - palmeira catete

 

Quem foi no sábado à Primavera Literária, nos jardins do Palácio do Catete, deu com duas enormes palmeiras derrubadas (uma delas retratada acima).

Funcionários do Museu da República disseram que o estrago foi obra da ventania da véspera _ventos de quase 100 quilômetros por hora assustaram o Rio.

Pena.

(O blog está no Facebook e no Twitter )


Clube grande, como o Flamengo, não pode achar bom o ano em que perdeu tudo
Comentários Comente

Mário Magalhães

Resultado de imagem para uol flamengo 2 x 2 coritiba

Problema do Flamengo não foi falta de garra: time lutou até o fim – Foto reprodução UOL

 

Só clube pequeno ou complexado pode achar bom um ano em que perdeu os cinco títulos que disputou.

O Flamengo não é pequeno, muito menos complexado, dado a chororô.

É grande. Mais que isso, gigante.

Disputou a Primeira Liga, o Campeonato Estadual, a Copa do Brasil, a Copa Sul-Americana e o Campeonato Brasileiro.

Quantos canecos acumulou para a vasta coleção de troféus?

Nenhum.

É melhor ter do que não ter conquistado a vaga para a Libertadores 2017, provavelmente na fase de grupos.

Idem em relação às finanças do clube, que vão se recuperando depois de gestões desastrosas.

Mas considerar que um lugar na Libertadores e o caixa mais equilibrado compensam título zero significa ter cabeça de timinho.

O diagnóstico sem eufemismos do ano de fracassos é indispensável para duas coisas:

1) deixar claro aos jogadores e à comissão técnica que no Flamengo ninguém celebra derrotas, que a ambição, portanto a cobrança, é imensa;

2) providenciar as mudanças para que 2017 não seja mais uma temporada em que a torcida ouvirá a ladainha de que não se ganhou nada, ''mas no ano que vem''…

Parece correta a decisão da diretoria de renovar com Zé Ricardo.

Foi ele quem deu padrão competitivo à equipe, a despeito de limitações no elenco, que no entanto é um dos melhores do Brasil.

Mas o técnico aparenta uma deficiência que contrasta com uma virtude.

A virtude é montar um time forte, bem armado, bem treinado.

O problema evidente são as recorrentes intervenções infelizes durante as partidas.

Zé Ricardo à beira do campo muitas vezes desmonta o que ele mesmo preparou com sucesso nos treinos.

Isso voltou a ocorrer ontem, no empate de 2 a 2 com o Coritiba.

Com o tempo, Zé Ricardo vai melhorar no que tem de melhorar.

No momento, é necessário reforçar a comissão técnica _ou o treinador ouvir mais os seus colaboradores.

A principal diferença com o hexa de 2009 não foi, contudo, o trabalho do técnico.

E sim a ausência de dois craques como Adriano e Petkovic.

Posso estar errado, mas a impressão é que na reta final de 2016 o time achou que já seria bom ter chegado no bolo dos líderes do Brasileiro.

Essa manifestação de pequenez não é algo que seja conversado ou mesmo que os jogadores se deem conta.

Acontece.

Mas não deveria acontecer num clube como o Flamengo.

Em suma, 2016 foi um ano de fracassos.

Pelo menos para quem acha que ''isso aqui é Flamengo'', e não… deixa pra lá.

O cheirinho passou, e os corações se deixaram levar, mas não deu.

Tomara que, em 2017, o rubro-negro troque por conquistas a conversa fiada que minimiza a falta de título.

(O blog está no Facebook e no Twitter )


Sabáticas: Quando o jornalismo mata vivos e ressuscita mortos
Comentários Comente

Mário Magalhães

Imagem relacionada

O escultor Auguste Rodin (1840-1917): ele vem para a exposição?, perguntaram nos anos 1990

 

A certa altura de Meia-noite em Paris, num passeio pelos ensolarados jardins do Museu Rodin, um professor pedante teima em confrontar a guia. Interpretada pela Carla Bruni, ela esclarece que a escultora Camille Claudel manteve um affaire duradouro com seu mestre Auguste Rodin, mas nunca foi sua titular. E nada de o teimoso reconhecer que se enganara.

Antes de assistir ao filme do Woody Allen, eu ignorava o estatuto do caso entre os artistas franceses, mas sabia que havia muito ambos tinham ido desta para melhor. Nos anos 1990, uma jornalista não sabia.

Corria no Rio a entrevista coletiva às vésperas da abertura de uma retrospectiva da obra de Rodin (1840-1917). Ansiosa, a repórter atropelou os promotores: “Afinal, o Rodin vem ou não vem para a exposição?” Só se ressuscitasse. Não seria novidade, pois o jornalismo habituou-se a condenar e erguer da cova personagens à revelia de suas condições biológicas.

Conheci um chefe de reportagem pouco afeito à leitura do noticiário que costumava ordenar em tom de sargento: “Vamos ouvir fulano”. Como volta e meia o candidato a entrevistado já batera as botas, um gaiato sugeria para a missão o colega que alegava ter intimidade com os espíritos.

Com a internet, a pressa produziu desastres ao contrário, expedindo atestado de óbito a gente cujo coração pulsava. Uma agência noticiosa colocou no ar em 2008, com três anos de antecedência, o obituário do Steve Jobs. Um jornal estampou em seu site que o jornalista Zuenir Ventura se despedira da vida _para nossa sorte, ele segue vivo e afiado.

A internet está longe de culpa exclusiva. Outro dia uma leitora escreveu para uma revista impressa avisando que, dada como defunta pela publicação, ela estava vivíssima. Eu mesmo matei no papel uma irmã errada, confiando no cunhado atrapalhado que trocou o nome da falecida.

Nada, em termos de subversão histórica, equivalente ao diário que saiu com o “furo” involuntário contando que Jesus Cristo teria sido enforcado, e não crucificado _a correção logo veio.

No jargão das redações, informação errada grosseira se chama barriga. Em 1987, quando Carlos Drummond de Andrade morreu, a TV Manchete pretendeu reverenciá-lo encerrando o telejornal noturno com Ney Matogrosso cantando Rosa de Hiroshima. O apresentador disse que os versos eram de autoria do poeta mineiro, mas são do carioca Vinicius de Moraes. Baita barriga.

(Publicado originalmente na revista Azul Magazine, setembro de 2014)

(O blog está no Facebook e no Twitter )


O roubo da lua (uma crônica sobre corrupção no Rio em novembro de 2016)
Comentários Comente

Mário Magalhães

A superlua, segunda-feira no Paquistão, não no Rio – Foto AFP

 

Como todo mundo sabe, em 20 de julho de 1969 o comandante Neil Armstrong imprimiu a primeira pegada humana na superfície lunar. Aquele domingo era de lua nova no Rio. O que não me impediu de nos dias seguintes sentar na areia da praia do posto 6, olhar para o céu, me hipnotizar com a casca quase em forma de bumerangue _a lua crescente_ e encasquetar: cadê os astronautas que eu vira nos jornais e na TV?

Quer dizer, nem todo mundo sabe. Trinta anos depois da frase épica “um pequeno passo para o homem, um salto gigantesco para a humanidade”, seis por cento dos norte-americanos afirmaram ao Gallup que a viagem da Apollo 11 não passara de encenação. Em números, milhões de mentes. Em cada quatro britânicos, um cultiva essa teoria da conspiração, informou meses atrás o Daily Telegraph londrino.

Nunca fui dado a parvoíces tipo Elvis não morreu. Aos cinco anos, não cogitava trapaça. Só não entendia por que os homenzinhos haviam sumido e me entristecia. Como ignorava o regresso da missão, continuei a procurá-los. Foi minha primeira frustração com o céu.

A segunda demorou dezessete anos, e atendia pelo nome de cometa Halley. O dito cujo não dava as caras desde 1910, quando desfilara fulgurante no espaço. Uma avó não o esquecera. A vó contava que seus contemporâneos tinham temido o fim do mundo na hipótese de a cauda surgir imponente. Ela surgiu, e o mundo deu de ombros.

Em 1986, os amigos encomendavam binóculos e se endividavam em crediários para comprar lunetas. O Benito de Paula lançou música de boas-vindas ao Halley. O cometa pop virou pretexto de convites para atravessar as madrugadas abraçadinho, ao ar livre, em busca dos seus vestígios. Tudo pela astronomia.

Na hora agá, foi como ir ao ano novo em Copacabana para se embevecer com a queima de fogos e dar com um improviso de rojões mequetrefes de festa junina. E olhe lá, porque a olho nu eu não vi nada. A próxima visita do cometa caô ficou agendada, juraram os entendidos, para dali a 75 anos.

Nesta semana, animei-me com a promessa da maior lua em 68 anos. Tão grande que a promoveram a superlua, primeira divisão. Passaria tão pertinho de nós que conviria se abaixar para não ser abalroado no cocuruto. No domingo, numa terra desposada do sol, encantei-me foi com a lua. É só um aperitivo, desdenharam. Superlua só amanhã.

O amanhã chegou, tomei o avião, terminei de ler o livro sobre o Guardiola e desembarquei no Rio nublado e chuvoso. À noite, caminhava de uma varanda a outra, uma voltada para o sul, outra para o leste. Olhei para cá e para lá, para norte e oeste, olhei tanto para cima que não sei como escapei de um torcicolo.

Não encontrei lua, superlua, nem a mais desenxabida estrela. Já na internet, ah, a internet, cada imagem mais linda que a outra, planeta afora. Moral da história: em tempos de roubalheira pornográfica, roubaram a lua no Rio. Igualzinho ao Gru, o vilão adorável e gatuno de Meu Malvado Favorito.

Pior foi ver mais tarde fotos da superlua reluzindo em céu carioca. Se a lua é metáfora, ela também retrata desigualdade. Tão exibida para uns, invisível para outros.

Lembrei-me da dona Sylvia, amiga mais afinada que diapasão, a cantar “todos eles estão errados, a lua é dos namorados”. Um verso da marchinha alerta a lua: “Querem te roubar a paz”. Por aqui, ao menos no pedaço do céu que me coube, roubaram a lua inteira.

(O blog está no Facebook e no Twitter )


Memória: em 2007, Sérgio Cabral disse que Rocinha é fábrica de marginais
Comentários Comente

Mário Magalhães

marginais

 

Como o esquecimento é amigo da barbárie _e da desfaçatez_ segue um repeteco de post de agosto de 2013.

Emendado com a pergunta: quem é mesmo marginal?

*

Boa notícia do fim de semana: o jornal “O Globo” colocou na internet toda a sua coleção digitalizada. Para ler o antigo vespertino fundado por Irineu Marinho, não precisarei mais ir à Biblioteca Nacional, cujo salão de leitura se transformou em sauna, com a pane no ar-condicionado.

“O Globo” se junta a publicações como “Folha de S. Paulo”, “O Estado de S. Paulo”, “Veja” e os falecidos “Última Hora” e (impresso) “Jornal do Brasil”, cujas edições já estavam na rede. Sem contar as centenas de títulos da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional, como a “Tribuna Popular”, lançada em 1945 no Rio.

Para testar o sistema do “Globo”, eu quis saber quando Sérgio Cabral havia pronunciado a declaração capaz de regozijar tarados da eugenia: ele propôs a legalização do direito ao aborto com o propósito de diminuir a “fábrica de produzir marginais” que seriam a Rocinha e outras favelas.

Foi em outubro de 2007.

O Amarildo mora (morava) na Rocinha e tem (tinha) seis filhos. Um delegado afirmou que o pedreiro miserável era traficante. Talvez, para o governador, isso confirme sua tese nazistoide.

Em tempo: cadê o Amarildo?

(O blog está no Facebook e no Twitter )


Cabral: Desvios de esquema denunciado bancariam comida popular por 4 anos
Comentários Comente

Mário Magalhães

Resultado de imagem para uol sérgio cabral

Em 2015, o ex-governador Sérgio Cabral com aliados – Foto Rafael Wallace/Divulgação

 

A maior desgraça do Brasil é a desigualdade. Na modalidade, somos uns dos campeões mundiais.

O aspecto mais abominável da corrupção é que ela contribui para a permanência ou ampliação da desigualdade.

Corruptos e corruptores favorecem os mais ricos e prejudicam os mais pobres. Ludibriam os cidadãos.

Dois episódios, combinados, mostram como a coisa funciona.

No começo do mês, o governador Luiz Fernando Pezão anunciou o fim do programa Restaurante Cidadão. Em 16 restaurantes populares, o Estado servia de segunda a sexta mais de 50 mil refeições diárias, no máximo a R$ 2. De acordo com o governo, ''o público beneficiário dos restaurantes é formado, em sua maioria, por trabalhadores formais e informais de baixa renda, desempregados, estudantes, aposentados, moradores de rua e famílias em situação de risco de insegurança alimentar e nutricional, cuja principal refeição do dia é realizada nestes estabelecimentos''. Noutras palavras, quem precisa de comida subsidiada. O custo anual do programa é R$ 57,4 milhões. Essa será a ''poupança'', com o fechamento dos restaurantes (parte deles deve ser assumida por prefeituras, como a do Rio).

Na manhã de hoje, foi preso o ex-governador Sérgio Cabral, antecessor e padrinho político de Pezão. Cabral é acusado de participar de um esquema de propinas. Os investigadores estimam que o desvio de dinheiro público chegou a R$ 222 milhões. O objetivo da prisão, de acordo com o Ministério Público Federal,  é ''aprofundar investigações sobre organização criminosa chefiada pelo ex-governador Sérgio Cabral _dedicada à prática de atos de corrupção e lavagem de dinheiro, composta por dirigentes de empreiteiras e políticos do alto escalão do governo do Rio''. Ontem havia sido preso o ex-governador Anthony Garotinho, que apoiou a eleição de Cabral em 2006 _mais tarde os dois romperam.

Na ponta do lápis, os recursos públicos apropriados ilegalmente, conforme os números dos procuradores da República, seriam suficientes para bancar por quase quatro anos a alimentação de quem tem como alternativa, em muitos casos, a fome.

De todas as desgraças do Rio, nenhuma é maior do que a covardia com quem pouco ou nada tem.

É para essa perversidade que a corrupção também conspira.

(O blog está no Facebook e no Twitter )


23 anos hoje: A noite em que Maradona salvou a Argentina na repescagem
Comentários Comente

Mário Magalhães

Resultado de imagem para folha maradona 1993

Maradona, na repescagem de 1993 contra a Austrália – Foto reprodução

 

No centro de Buenos Aires, na véspera da partida, um homem se ajoelhou diante do australiano Robbie Slater e lhe suplicou em castelhano: “Por favor, tenha piedade de nós na decisão”.

Protagonista da seleção mais bem-sucedida da Oceania, o meia com sobrenome de surfista jogava no clube francês Lens. Não passava de um joão-ninguém, comparado aos antagonistas do dia seguinte. Boleiros renomados como o goleiro Goycoechea, o zagueiro Ruggeri, os volantes Redondo e Simeone, o atacante Batistuta. E um amálgama de gente e Deus batizado Diego Armando Maradona.

Na hierarquia do futebol, a Austrália era ainda mais subalterna no entardecer do século XX do que viria a ser nos tempos vindouros. Em contraste, a Argentina conquistara a penúltima Copa do Mundo e alcançara a final da mais recente. Consagrara-se como um timaço. Sua fortuna, contudo, ia se transformando em desgraça: sua sorte dependia do outrora Pibe de Oro. Enquanto Maradona permaneceu no auge, triunfaram; quando o gênio se desnorteou, afundou a equipe como uma âncora excessivamente pesada.

Os destinos de australianos e argentinos se cruzaram porque os sul-americanos, se não chegaram a naufragar, colecionaram malogros nas Eliminatórias do Mundial que os Estados Unidos hospedariam em 1994. Nenhum iceberg lhes provocara tantos estragos como a Colômbia. No Monumental de Núñez, o escrete onírico de Valderrama, Rincón e Asprilla desmoralizara os anfitriões com antológicos 5 a 0.

Na mesma cancha, Argentina e Austrália travariam o segundo e derradeiro confronto da repescagem para a Copa. Em Sydney, haviam empatado em 1 a 1. Vitória ou igualdade sem gols valeria à albiceleste o visto norte-americano. Na noite de 17 de novembro de 1993, uma quarta-feira, o 24º e último participante do Mundial seria conhecido. Traumatizado com a goleada colombiana, o homem aterrorizou-se com nova assombração e implorou: “Por favor, tenha piedade de nós na decisão”.

O desfecho do drama dependeria menos da misericórdia de Slater e mais da impiedade de Maradona. Este já pronunciara na segunda-feira a resposta que acabou com a dúvida que atemorizava a nação: “Sim, eu jogo”. Dores no nervo ciático o atormentavam, perturbando os movimentos da perna direita do campeão canhoto. Sua escalação não assegurava a vaga. Mas sem ele, com ou sem outras manos de Dios, muitos a considerariam um milagre, tamanha a desesperança.

Aos 33 anos, o camisa 10 derretera 12 quilos em 45 dias para recomeçar na seleção para a qual nem fora convocado nas Eliminatórias. Sua decadência esportiva se anunciara em 1991 com a suspensão por 15 meses, devido ao doping com cocaína, e a prisão em Buenos Aires por posse de drogas ilícitas. Trocara o Napoli pelo Sevilha. Mais tarde regressou ao seu país, contratado pelo Newell’s Old Boys.

Em junho, estranhara-se com Ruggeri ao trombetear que o velho companheiro tinha o apelido Cabeção porque “seu cérebro é cheio de bosta”. Antes do jogo de ida da repescagem, firmou a paz com o beque com pinta de roqueiro progressivo da década de 1970. Os australianos prometiam marcação tripla sobre Maradona, com um defensor em seu cangote e dois na cobertura. Não blefavam. Ele conferia nota seis à sua condição física e técnica. Atiçava a massa: “Com o apoio da torcida, posso chegar a oito e meio”.

Para regozijo dos cambistas, não faltavam devotos de Maradona dispostos a lotar o Monumental. Eu mal desembarcara no aeroporto de Ezeiza, e espertalhões já me ofereciam, por obscenos 90 dólares, ingressos populares comprados por 10. Com D10S confirmado, os temores se transferiram para o Olimpo que o aguardava, o gramado maltratado por concertos de Madonna e Michael Jackson. E para a possível presença de Carlos Menem, o presidente maldito como pé-frio.

A jornada principiou promissora, com a informação de que o governante ainda sem fama de gatuno assistiria ao mata-mata pela TV. Torcedores pipoqueavam nas arquibancadas, estimulando a curiosidade sobre cálculo estrutural na construção dos estádios locais. Eu sabia de uma mudança tática, pois estivera na concentração no dia em que Maradona descartara o forfait e proclamara: “É o jogo da minha vida”. Escrevi assim, na Folha de S. Paulo: “O técnico Alfio Basile será mais ofensivo. Tirou o volante Redondo da função quase exclusiva de marcar e o colocou na meia esquerda, para armar”.

Dito e feito. Aos 15 minutos do segundo tempo, o galã Fernando Redondo arrancou pela esquerda da meiuca carregando a bola, que terminou com Gabriel Batistuta na extrema direita, pertinho da linha de fundo. O cabeludo tentou cruzar, a pelota resvalou no seu marcador, encobriu o goleiro, e a explosão catártica sacudiu a casa do River Plate.

Maradona não marcou, mas poucas vezes ouviu uma ovação tão sonora e consagradora, com o cântico “Olê, olê, olê, olê, Diego, Diego!” O voto reverente da multidão se cumpriria para sempre: “Cada dia te quero mais!” Baleado na perna direita, ele se movimentou bem menos que nos bons tempos, embora magro. O Clarín anotou: o craque maior só errou dois passes e foi desarmado apenas uma vez.

Eu nunca tinha visto e nunca mais veria um jogador paradão jogar tanto quanto Maradona naquela noite estrelada. Às vezes ele parava na ponta direita e lá se fincava, feito um ilhéu, esperando a pelota para passá-la. Um quase Saci eleito o melhor em campo. Quando o juiz apitou, sacramentando o 1 a 0, Maradona abriu os braços e deu um soco no ar. Comovido, abraçou Ruggeri. A camisa de mangas compridas e listras azuis e brancas verticais estava imunda, testemunho de perseverança e luta.

Nos arredores do estádio e mais adiante, o pau comeu, com saques e quebra-quebras. Os detidos somaram ao menos 200 e os feridos, 36. Entre os alvos dos ataques identificaram caixa eletrônico, loja de roupas e livraria. Em Buenos Aires, terra letrada, há ladrões que roubam livros.

Dali a muitos anos Maradona daria a entender que o café tomado pelo time antes da partida estava turbinado com estimulante proibido _não houve antidoping. Na Copa de 94, ele voltaria a ser flagrado, seria punido e reencontraria seus demônios.

Em 17 de novembro de 1993, o menino canhoto Lionel Andrés Messi Cuccittini tinha seis anos. Vivia em Rosario, onde em 1995 passaria a treinar no Newell’s Old Boys do crepúsculo de Maradona. Em 2016, a Argentina amarga a zona de repescagem nas Eliminatórias. Mesmo se só tiver um pé, Messi levará sua seleção à Rússia.

(O blog está no Facebook e no Twitter )