Blog do Mario Magalhaes

Espectro do Cabo Anselmo ronda os protestos do Rio
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Mário Magalhães

Anselmo, que parecia uma coisa, mas era outra

 

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O fantasma que ronda as manifestações em curso no Rio ganhou carne e osso em vídeos mostrando a ação de prováveis infiltrados da Polícia Militar no protesto de segunda-feira nos arredores do Palácio Guanabara.

Algumas imagens podem ser vistas mais abaixo. Participantes do ato público sustentam que agentes do serviço reservado da corporação, afamado como P2, teriam jogado coquetéis molotov contra a tropa. O propósito, acusam, seria justificar repressão truculenta. Os artefatos feriram dois soldados, de acordo com a PM.

Os registros são eloquentes. Nota da polícia confirma o emprego de agentes se passando por manifestantes, mas nega com contundência que PM tivesse ferido PM, a fim de incriminar os ditos “baderneiros”.

A olho nu, a análise sobre a identidade de ao menos um atirador de bomba incendiária é inconclusiva para este repórter míope que aqui escreve. O primeiro vídeo ao pé do post aponta para coincidências. Um blogueiro do “New York Times” anotou diferenças.

Um vídeo que a PM divulgara ontem no Youtube saiu do ar depois de observadores encontrarem semelhanças entre o arremessador de explosivo e um aparente infiltrado que outra gravação flagrou.

Serviços secretos de informações não são instrumentos exclusivos de ditaduras. Eles têm serventia legítima ao Estado democrático de direito. Quase todas as grandes apreensões de drogas ilícitas no país resultam da coleta eficaz de dados por agentes de inteligência da Polícia Federal. Supõe-se e espera-se que a Agência Brasileira de Inteligência tenha investigado com rigor a possibilidade de conspirações terroristas contra o papa em sua visita ao Brasil, nem que seja para se certificar de que elas de fato constituem paranoia. E por aí vai.

Ao contrário do consagrado por tiranias, contudo, na democracia os serviços de espionagem militares e policiais precisam se submeter aos limites constitucionais. Não devem mirar antagonistas políticos, combatendo-os como os “inimigos internos” preconizados pela Doutrina de Segurança Nacional da ditadura instaurada em 1964.

A pancadaria nas cercanias do Palácio Guanabara lustrou a argumentação do governo Sérgio Cabral, que horas antes baixara decreto prevendo a quebra sem autorização judicial do sigilo de comunicações de alegados suspeitos de vandalismo. Juristas consideraram a iniciativa ilegal, e o governador recuou.

Ignoro o caráter da atuação dos policiais infiltrados. Mas sei que provocadores têm servido, de caso pensado ou não, à notória campanha em curso para demonizar as mobilizações. Ressurgiu o tom opositor da cobertura jornalística que vigorou nos primeiros atos do Movimento Passe Livre, em São Paulo. A despeito das ressalvas, equipara-se a massa combativa e pacífica à minoria de manifestantes ou “manifestantes” violentos.

Eu enfatizara na sexta-feira: “Como [os autores de quebra-quebra no Leblon] queimam o filme dos protestos e beneficiam o governo estadual com o verniz de vítima, talvez haja infiltrados de origem nebulosa. Cometeram crimes, têm de ser punidos escrupulosamente, nos termos da lei”.

O que isso tudo tem a ver com o tal Cabo Anselmo? Para quem chegou agora ao tobogã da história: o personagem é o marinheiro de segunda classe José Anselmo dos Santos. Os jornais do passado o celebrizaram como cabo, posto que ele jamais alcançou na Força. Nos meses que antecederam o golpe de Estado de 1964, o dito cujo presidia a Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil, agremiação que batalhava por uma plataforma democrática e reformista.

Há indícios fartos de que já então o falso cabo fosse informante da polícia política (Dops carioca), do Centro de Informações da Marinha (Cenimar) e da Central Intelligence Agency (a CIA norte-americana).

Só na década de 1970, quando o ex-marinheiro se travestia de guerrilheiro de esquerda, seus companheiros tiveram certeza de sua condição de infiltrado. No derradeiro serviço, Anselmo entregou seis correligionários para a repressão matar. Um deles era sua própria mulher, ao que tudo indica grávida.

Anselmo está vivo até hoje, quando se transforma em espectro nas manifestações: quem serão os Cabos Anselmo nas ruas do Rio?

Minha estupidez não é tamanha a ponto de supor que o desempenho dos infiltrados da PM seja igual ao de Anselmo. Muito menos que a conjuntura pré-abril de 1964 tenha parentesco com a atual. Mas há uma conformidade inegável: antes, supunha-se que Anselmo fosse um bravo militante político, quando não era. Até poucos dias atrás, mesmo os mais desvairados ativistas dos protestos passavam por legítimos manifestantes. Com os vídeos agora conhecidos, descobre-se _ou se confirma_ que alguns trabalham para a Polícia Militar.

Uma coisa é colher informações sobre vândalos.

Outra é atacar a tropa, fabricando pretextos para a repressão mais dura.

O que a PM pretende prendendo um repórter da Mídia Ninja? E surrando um fotógrafo?

Talvez as respostas apareçam na próxima passeata.


Vinte anos nesta meia-noite (ou uma crônica contra o esquecimento)
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Mário Magalhães

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Um sino da Candelária badala, mas não dobra por ninguém. O som anuncia a meia-noite de 22 de julho de 2013, ou zero hora do dia 23. Vinte anos atrás, diante das marquises de prédios ao redor da igreja, assassinos desceram de dois Chevettes e abriram fogo contra uns 70 sem-teto que tentavam descansar no inverno carioca. Mataram oito meninos de rua e mendigos. O mais velho tinha 19 anos. O mais novo, 11.

É meia-noite aqui na praça Pio X, e eu não vejo viva alma, nem flores, nem vela. Uma cruz de madeira que já perdeu lascas de tinta, monumento simples como eram aqueles mortos, testemunha a passagem do tempo. Nela estão inscritos os nomes dos desgraçados que ficaram para trás.

Ando um pouco e vislumbro três seres humanos que parecem dormir. Sob a marquise de um edifício, como os moleques no passado, uma mulher se cobre com um lençol estampado claro, que oferece a vantagem de contrastar com sacos pretos que os lixeiros carregarão. Ninguém a arremessará no caminhão por engano.

Na porta da extrema esquerda da fachada da igreja de estilo colonial e neoclássico, construída de 1775 a 1811, um homem deita coberto por papelão. Ao seu lado, abaixo de uma janela, outro miserável se agasalha com um cobertor cinza escuro.

Resisto à tentação cretina de despertá-los para conversar e parto em busca da memória. Uma placa para turistas divulga “fatos históricos” do templo portentoso: “Nas pinturas e fotografias do início do século [XX], destacou-se em relação às outras construções, pelo seu talento e estilo”.

Nada sobre o episódio eternizado como Chacina da Candelária. Nem a respeito da jornada de 1968 em que os cavalarianos, com talento repressor e estilo furioso, atacaram os cidadãos na saída da missa em homenagem a um estudante morto pela ditadura.

Dou a volta na igreja e no ponto de táxi próximo à avenida Rio Branco abordo um motorista com 18 anos de profissão. Para não inibi-lo, descarto perguntar por seu nome. Falo do massacre dos garotos, e ele de fato não se inibe.

“Garotos?”, ironiza.

“Sim, 11, 13 anos, eram garotos.”

“Sabe por que morreram?”, ele indaga, como quem cultiva um segredo.

“Não morreram, foram mortos”, corrijo. E o questiono sobre o motivo.

“Pesquisa”, tripudia o taxista.

Insisto, e ele especula:

“Derrubaram a mãe de alguém.”

“Justifica?”, retruco.

“A toda ação corresponde uma reação”, ele pontifica.

Nunca se soube ao certo o que despertou a ira da turma de matadores vinculada à Polícia Militar. Falaram que os pivetes teriam roubado e agredido a mãe ou mulher de um PM. E apedrejado um carro da corporação, bronqueados com a detenção de um amigo que cheirava cola.

O certo é que sobreveio a vingança, da qual o Brasil tomou conhecimento no amanhecer de 23 de julho de 1993. “Estou horrorizado”, declarou o presidente Itamar Franco. “É uma provocação sem precedentes à sociedade”, interpretou o sociólogo Betinho. O governador Leonel de Moura Brizola não afinou: investigar a PM “é o ponto de partida”.

De regresso à praça Pio X, lembro-me da visita do papa João Paulo II ao Rio em outubro de 1997, quando um ato público rememorou a chacina. A professora Sandra Cavalcanti, então secretária municipal, opôs-se. Alegou que não queria chamuscar a efusiva recepção ao pontífice com a evocação de uma tragédia.

Nesta meia-noite, o papa Francisco descansa em “terra carioca”, expressão que ele empregou no Twitter. E aqui, na praça com o nome de outro papa, eu avisto um garoto negro baixo e forte carregando três enormes sacos abarrotados de garrafas plásticas. Ele vem da rua Primeiro de Março e caminha rumo a um ferro velho nas cercanias da Central do Brasil. Receberá 50 centavos por quilo. Estima ter recolhido de 20 a 30 quilos. Batizado com nome de poeta, Vinicius tem 13 anos. Diz que ouviu “muita coisa” acerca do que ocorreu ali quando ele nem nascera.

“Você não tem medo de andar a essa hora por aqui?”, pergunto.

“Medo eu tenho, mas tenho que trabalhar.”

Morador de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, Vinicius não estuda. Largou a escola na quinta série. O que é um obstáculo para alcançar o sonho que exige, ele esclarece, ensino médio:

“Eu queria mesmo era ser bombeiro”, conta, escancarando o sorriso.

Não demora e outro jovem negro passa com um saco quase vazio. Ele tenta recolher algum resto na lixeira defronte à igreja, mas sai de mãos vazias. Perto dos três degraus à beira da porta principal, que está fechada, o cheiro de urina se intromete pelas narinas. A alguns passos, a tinta vermelha-cor-de-sangue com o contorno de oito corpos, desenhados há anos em um protesto, ainda tinge a calçada de pedras portuguesas.

Como Vinicius e o catador de lixo, os mortos da Candelária eram pobres, negros e mestiços. Dos 70, 44 viriam a ser mortos de forma violenta, incluindo os oito da madrugada inominável. Embora acusados tenham sido condenados a séculos de reclusão, ninguém mais está preso. Como recordou o amigo Sergio Torres, um coitado pegou cana de três anos por coautoria da matança. Foi engano, ele era inocente.

Outras carnificinas trouxeram mais cadáveres, como a de Vigário Geral e a de Eldorado do Carajás. Com elas, as imagens da Chacina da Candelária foram se desbotando a cada inverno. Na semana passada, celebrou-se missa e promoveu-se manifestação aqui na cidade. Há promessa de outro ato para hoje. Avisaram que em Fortaleza também. Que assim seja, lembremos para não esquecer. Nós nos debruçamos sobre o passado para decidir o futuro. Se a impunidade e a injustiça prevalecem atrás, persistirão à frente.

O tempo e o esquecimento embaralham a memória. Dois dos maiores jornais brasileiros informam que os garotos foram fuzilados no fim da noite de 23 de julho de 1993, mas o terror principiou na virada de uma quinta-feira, 22 de julho, para a sexta, 23. Deflagrado por volta da zero hora, continuou, porque algumas vítimas foram sequestradas e executadas em seguida.

Faz umas duas horas que estiou aqui na Candelária, mas a água da chuva ainda molha as ruas e o gramado da praça. A temperatura cai com a noite, confirmando a previsão dos meteorologistas. Daqui a pouco, haverá 20 anos da tarde em que a mãe de Paulo Roberto Oliveira, uma criança de 11 anos, reconheceu o corpo do filho no Instituto Médico Legal.

Badala o sino, e para mim ele dobra pelos nomes que eu leio na cruz. Um tinha o nome de Cristo, de outro só sobreviveu o apelido. Pretos, pobres, cheiradores de cola, pequenos delinquentes. Eram meninos do Brasil:

Paulo R. Oliveira

Anderson O. Pereira

Paulo J. Silva

Marcos A. Alves Silva

Leandro S. Conceição

Valdevino M. de Almeida

Gambazinho

Marcelo C. Jesus

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Elas também são filhas de Deus
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Mário Magalhães

Na madrugada desta segunda-feira em Copacabana, a Dolce Vita Disco, à esquerda,
e o Bar Balcony. Crédito: Júlio Guimarães/UOL

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Por Mário Magalhães (texto) e Júlio César Guimarães (fotos)

Na missa das seis horas do domingo, quando a noite caíra sobre a Baixada Fluminense, Sabrina rezou a Ave-Maria e o Pai Nosso numa igreja local. Como não fez a primeira comunhão, embora tenha sido batizada, a moça de 25 anos não comungou nem se confessou.

Já na madrugada de hoje, segunda-feira, a universitária aluna de Letras perambula por Copacabana, a poucas centenas de metros do palco de onde o papa Francisco abençoará os fiéis na sexta. Com área de 3.115 metros quadrados e oito metros acima da areia da praia, o tablado se colore com o azul das luzes artificiais, que só não brilham mais porque a lua cheia ilumina generosamente a semana que começa.

Mais perto ainda de Sabrina, a menos de cem metros, ergue-se a décima estação da Via-Sacra que será encenada diante do papa e uma multidão de católicos e curiosos. Ainda mais pertinho, na mesma calçada, está fechada a loja de souvenires da Jornada Mundial da Juventude.

Devota de Santo Antônio, de quem espera de presente um casamento para toda a vida, a exuberante mulata Sabrina não serpenteia entre as mesas do Bar Balcony atrás de marido ou de graças divinas. Garota de programa, ela procura um cliente.

Foi para o Balcony que migrou parte das mulheres de vida árdua depois que o Estado do Rio liquidou a Help, em janeiro de 2010. Templo da prostituição na zona sul carioca, a boate dará lugar à nova sede do Museu da Imagem e do Som. “Vamos recuperar uma área degradada da cidade”, anunciou na época o governador Sérgio Cabral, com dicção puritana.

Além do Balcony, com suas mesas e cadeiras espalhadas pela calçada da avenida Atlântica, dois estabelecimentos vizinhos atraem clientela com cacife para desembolsar centenas de reais por uma horinha de saliência. A Dolce Vita Disco promete: “Venha curtir uma noite inesquecível no melhor ponto de Copacabana”. O Kalabria Club fulmina eufemismos: “Suas noites com mais prazer”.

As três casas situam-se ou são grudadas à praça do Lido, escancarada para o mar. Ali fica a churrascaria Carretão, mas, com o perdão da vulgaridade, são outras as carnes que seduzem as legiões de turistas que acorrem até lá. Moradores dos edifícios protestam contra a gritaria das brigas noite adentro que lhes perturbam o sono. Sem contar a assuada decorrente das batidas policiais em busca de menores de idade e drogas ilícitas.

O Balcony não descansa: está aberto 24 horas por dia. O “breakfast buffet”, com panquecas, xaropes, bacon, ovos mexidos e outras comidas do gosto de estrangeiros, inicia às quatro horas da manhã e termina às dez.

Sexo ecumênico

“Sei que vivo em pecado”, murmura a mineira Mel, sobre saltos arranha-céu, ao lado do bar. Evangélica, ela imagina que seria feliz se vivesse como freira católica. Na virada do sábado para o domingo, quando se deitou com um angolano, um chinês e um paulista, um de cada vez, embolsou R$ 750.

Nos seus tempos de atendente de telemarketing, amargava um salário mínimo mensal. O marido, que acalenta gays em uma sauna, fatura R$ 70 a cada 15 minutos de ereção. Ela tem 20 anos, ele 22.

“Se o papa passar e olhar para mim, eu vou gritar ‘come on’”, brinca Mel, estampando o sorriso enfeitado por aparelhos nos dentes e fazendo com um dedo indicador o sinal de quem chama Chico para conhecê-la melhor.

Duas décadas atrás, outra evangélica labutava nas madrugadas do Lido, antes mesmo do ocaso da Help. “Cheguei a sair com o primeiro-ministro de certo país”, testemunhou Wilma Ribeiro em livro. Hoje a antiga prostituta é pastora da Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte.

O pastor Marcos Feliciano, igualmente evangélico, foi filmado pregando que os católicos adoram Satanás e têm o corpo “entregue à prostituição”. O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados talvez mudasse de opinião se passeasse pelo ecumenismo do sexo pago em Copacabana.

A balzaquiana Júlia, uma tentadora mistura de sangue alemão, africano e indígena, filiou-se à Igreja Católica por 15 anos, à Assembleia de Deus por seis e no momento flerta com o ateísmo. “Ou é céu ou o inferno”, ela contrapõe. “Não dá para servir a dois deuses ao mesmo tempo. Agora, estou no inferno.”

Mas seu inferno está longe do vermelho, pois não morre no prejuízo quem exige R$ 500 antes de subir com os clientes a um quarto dos dois hotéis do Lido onde eles deixam mais R$ 80 ou R$ 100 pela hospedagem: “Sou como o cinema, cobro antes”. Como as outras, jura não pagar um centavo para gigolô.

Com o desembarque do hermano Francisco, Júlia sumirá de Copa. Teme que manifestantes tementes a Deus se voltem contra o pecado que mora ao lado do palco do papa. “Podem confundir as coisas e haver um protesto contra nós.” Ela ignora que o cardeal Jorge Mario Bergoglio celebrou missa com prostitutas e ex-prostitutas em Buenos Aires. Nada lhe falei porque só vim a saber há pouco, informado pelo meu velho chapa Rodrigo Bertolotto.

Júlia se lembra de que há dois meses um táxi parou, e o passageiro mandou o motorista convocar uma garota de cabelo curtinho e seios mirrados, “que mais parece um menininho de 12 anos”, mas é mulher e maior. Mais tarde, a jovem rameira confidenciou: o freguês era um padre. “Eu é que ainda quero ‘fazer’ um padre”, fantasia Júlia.

Ela e as companheiras de ofício, em meio aos perfumes adocicados que exalam, gargalham da recomendação do Vaticano contra camisinha. “Iria morrer todo mundo”, Júlia prevê.

‘De dia, é papa. De noite, é puta’

Seu nome de batismo, como o de todas as personagens mencionadas, é outro. Júlia é mãe de quatro filhos. Bruna, uma magrinha espelicute de 23 anos, de dois. Bruna se enfureceu com a visita do papa, que estaria afugentando o macharéu. Como ela também roda sua bolsa na pista, isto é, batalha na rua calçada com pedras portuguesas, queixa-se das grades que isolarão a avenida: “Vão me prejudicar. Quero que o papa se…”.

Sabrina, a mulata que não está no mapa, não tem do que lamentar. Fisgou um freguês que veio ao Rio para a jornada. Algumas garotas contam que os peregrinos passam pelo Balcony, olham demoradamente para elas, mas não sucumbem à tentação. Logo um taxista diria temer os próximos dias, porque os forasteiros têm pouco dinheiro e andam de transporte coletivo.

Uma prostituta aparentada da Dona Redonda confirma que desde a quinta-feira o movimento murchou. Mas o baixote leão-de-chácara da Dolce Vita nega, contrariado: “É que estamos na baixa temporada. Em agosto, com as férias na Europa, esquenta. Não tem nada a ver uma coisa com a outra. De dia, é papa. De noite, é puta”.

Por volta da uma e meia da manhã, elas são mais de 50 no Balcony. Chamam muito mais a atenção do que as TVs exibindo rugbi, baseball, lutas e futebol para a gringolândia. As mais formosas aguardam a abordagem, pois “se for em cima deles já se desvaloriza”, ensina Júlia. Ao redor da mesa onde bebemos Coca-Cola, sentam-se libaneses, americanos, noruegueses e brasileiros.

Milena, 28, veio de metrô para o batente. Ela viajava no vagão de um grupo de homens participantes da Jornada Mundial da Juventude. Quando entraram duas mulheres de short curtinho, os marmanjos contorceram os pescoços para admirar os traseiros.

“Hipócritas”, esperneou Milena, ameaçando um barraco.

Besteira dela. Afinal, como as garotas de programa, os peregrinos também são filhos de Deus.

O Bar Balcony, a poucas horas da chegada do papa Francisco ao Rio. Crédito: Júlio Guimarães/UOL

 


No Galeão, mais um ‘espetáculo do planejamento’
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Mário Magalhães

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Parece inacreditável, mas é real.

As autoridades sabiam há anos que em 2013 o Rio orgulhosamente receberia a Copa das Confederações e, com centenas de milhares de visitantes a mais, a Jornada Mundial da Juventude.

Algum outro gênio do planejamento, da mesma escola do que executa as obras em curso diante da rodoviária, permitiu durante o torneio futebolístico o bate-estaca atrapalhando a saída dos passageiros do aeroporto do Galeão (não pronunciarei o santo nome do maestro soberano em um comentário ácido como este).

Incrivelmente, hoje à tarde, quando lá passei, as obras no Galeão continuavam, prejudicando o trânsito.

Ao contrário do que ocorre na rodoviária, não há engarrafamento (o trânsito interrompido na segunda foto decorre da passagem de um comboio de veículos de bambambãs).

Mas que é um vexame, quem há de negar?


Cabral reafirma encontro com papa em local temerário
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Mário Magalhães

Protesto fecha uma pista na rua Pinheiro Machado; à direita, o Palácio Guanabara

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Na noite da quarta-feira, houve protesto no Leblon contra o governador Sérgio Cabral.

Hoje, um ato no Centro lembra os 20 anos da Chacina da Candelária.

No começo da tarde de ontem, quando fiz a foto acima, havia uma manifestação de agentes do Degase (Departamento Geral de Ações Socioeducativas) diante do Palácio Guanabara.

Agora há pouco, na entrevista coletiva de Cabral, que enfim reapareceu, o repórter Rodrigo Viga fez uma pergunta que talvez não tenha parecido relevante a quem não é do Rio: se será mesmo na sede do Executivo estadual, o Guanabara, o encontro da semana que vem com o papa Francisco.

O governador confirmou o local e a presença de quase dez colegas e da presidente Dilma Rousseff. Duvido que as autoridades de segurança pública tenham gostado da resposta, ainda que venham a público dizer o contrário.

O palácio fica na rua Pinheiro Machado, em Laranjeiras. É uma via estreita, considerando a edificação portentosa à sua margem. Tem duas pistas indo e duas vindo. Vive engarrafada. Como mostra a fotografia, não é difícil fechar uma pista, como aconteceu ontem, desencadeando congestionamento até o túnel Santa Bárbara, sentido zona sul.

Qualquer carioca com disposição para se manifestar contra tantas autoridades sabe muito bem disso. Já ocorreram choques ali nas últimas semanas.

Para garantir a segurança dos governantes, será preciso montar uma megaoperação. Imagino que Dilma e outros convidados devam ir de helicóptero. Mesmo assim, é um ponto de acesso muito fácil a pedestres, quase um convite a protestos.

Reitero: qualquer carioca sabe disso. Inclusive os provocadores ultraminoritários das manifestações recentes.

Haveria outras opções de local para o evento com o papa. Assim como bateu no peito e disse que não deixa seu apartamento no Leblon, o governador teimou em reafirmar a agenda no palácio.

Tomara que o espírito fraterno encarnado por Francisco inspire a cidade, e que corra tudo bem.


Rio recebe peregrinos com caos na saída da rodoviária
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Mário Magalhães

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Vale um estudo de caso, para aprender como não se planeja uma obra.

Há quem afirme que a Jornada Mundial da Juventude traz ao Rio o maior contingente de visitantes de todos os tempos. É possível que seja verdade, ou fique perto disso.

Milhares de peregrinos chegam à cidade pela Rodoviária Novo Rio, onde desembarquei ontem no começo da tarde e registrei a imagem acima, na principal saída do terminal.

As obras na região portuária impedem que os passageiros saiam por ali. Para pegar o táxi, precisam se deslocar rumo à esquerda, em meio a tapumes, buracos e precária sinalização. Católicos sul-americanos de ascendência indígena estavam confusos, sem saber onde tomar a condução.

O projeto urbano Porto Maravilha promete melhorar aquela área degradada, e os cariocas esperam que assim seja.

Mas por que não planejaram deixar livre o acesso à rodoviária na época do evento que mobiliza tanta gente?


Exército acerta em vetar mascarados perto do papa: máscara é coisa de bandido potencial, seja ‘manifestante’ ou PM de balaclava
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Mário Magalhães

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É bem-vinda a medida anunciada pelo Exército Brasileiro: em nome da segurança do papa, será proibida a presença de mascarados na área de Guaratiba, no Rio, onde Francisco participará de eventos daqui a poucos dias. No entanto, proibir cartazes constituiria censura lamentável.

Desculpem os milhares de jovens mascarados que protestam pacificamente desde junho Brasil afora, mas esconder o rosto se tornou instrumento de uma minoria de provocadores empenhada em desmoralizar manifestações legítimas. Atacam servidores públicos (PMs) e dilapidam o patrimônio, inclusive o histórico, como o Palácio Tiradentes.

O pontífice nos visita também na condição de chefe de Estado. Compete ao Brasil garantir sua segurança na Jornada Mundial da Juventude. Não me espantaria se alguns fanáticos ansiassem por algum vexame nesse dever, pois existe quem torça contra o país. Sem falar no direito de Francisco comungar em paz com os peregrinos.

Máscaras são ainda mais inaceitáveis em agentes do Estado. Em ato pacífico recente no Leblon, policiais militares usaram balaclava ao reprimir manifestantes. Trata-se da peça da farda com que PMs ocultam a identidade em operações em comunidades pobres. Agora, os mais ricos descobrem o que os moradores de favelas já sabem.

A propósito, governador Sérgio Cabral, por que os PMs tinham que agir no anonimato no Leblon? O que pretendiam fazer e o que fizeram? Por que se habituaram a retirar a identificação dos uniformes?

Portanto, é correto não haver máscaras em Guaratiba, para paisanos ou militares. Nunca foi direito democrático andar mascarado por aí. É responsabilidade do Brasil a preservação da integridade física do papa.

Não custa registrar que o Exército deve zelar pelo respeito à norma agindo nos marcos da lei, e não com medidas repressivas de tristes eras passadas.

O general José Abreu, que anunciou a barração de mascarados, afirmou que a Força eventualmente impedirá a exibição de cartazes. Como o espaço é público, isso configuraria censura. Tomara que o direito democrático ao protesto prevaleça, com cada um mostrando a sua cara.


O apogeu da covardia: lojas quebradas no Leblon comovem o Rio e o jornalismo, mas os mortos pela PM na Maré já foram esquecidos
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Mário Magalhães

Protesto contra as mortes na Maré – Foto BOL/Marcio Luiz Rosa/Agência O Globo

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O Rio se comoveu com o quebra-quebra ocorrido no Leblon na virada de 17 para 18 de julho de 2013. Balanço da baderna: depredação de orelhões, placas e 25 lojas.

O Rio não se comoveu com a morte de pelo menos dez pessoas na Maré na noite de 24 e na madrugada de 25 de junho, menos de um mês atrás.

O Rio em questão é o retratado pelo jornalismo mais influente. Danos ao patrimônio no bairro bacana, paraíso onde vivi por tantos anos, receberam muito mais atenção do Estado, dos meios de comunicação e de parcela expressiva da classe média do que a perda de vidas na favela Nova Holanda, no complexo da Maré.

É muita covardia. Contra quem? Contra os de sempre, os mais pobres.

Os crimes contra o patrimônio na zona sul foram obra de bandidos, de fascistoides, de ultra-esquerdistas, incluindo pseudo-anarquistas, de pequenos burgueses vagabundos e de alguns miseráveis desejosos de trajar roupas de grife (alguém viu um operário vandalizando?). Como queimam o filme dos protestos e beneficiam o governo estadual com o verniz de vítima, talvez haja infiltrados de origem nebulosa. Cometeram crimes, têm de ser punidos escrupulosamente, nos termos da lei.

Na Maré, o Bope invadiu a favela contra a vontade dos policiais que lá estavam. O efetivo era minúsculo, pois o grosso do batalhão estava cuidando de reprimir manifestações políticas. Resultado: uma bala provavelmente disparada por traficante de drogas matou um sargento da tropa de elite.

Em seguida, sobreveio a vendeta, com a invasão massiva. Nove moradores locais mortos e nenhum PM ferido gravemente. Confronto? Isso tem outro nome: chacina. No mínimo, dois jovens não tinham antecedentes criminais, um deles de 16 anos. A legislação penal brasileira não prevê pena de morte, para qualquer crime, ainda que seja o de assassinato.

Na Maré, o grosso do jornalismo não informou nem a identidade dos mortos, com exceção da do PM. No Leblon, os personagens tinham nome, sobrenome e lágrimas de quem perdeu alguns bens. Na favela, o pranto das mães que perderam seus rebentos quase não saiu no jornal.

A cúpula da segurança do Estado convocou uma reunião de emergência horas depois de os vândalos detonarem no Leblon. Alguém sabe de um encontro dessa natureza para tratar do morticínio na Maré?

Há mais diferenças além da essencial, entre crime contra a vida e crime contra o patrimônio. No bairro das adoráveis novelas do Manoel Carlos, aprontaram criminosos que devem responder judicialmente por si mesmos. Na Maré, atuaram agentes públicos. Se não se sabe ao certo qual foi o comportamento deles, a responsabilidade é do Estado, que deveria investigar para valer, e não encenar apurações.

As agências bancárias com vidros estilhaçados e as butiques dilapidadas costumam estar protegidas por seguros. Que seguro haveria de confortar os irmãos do pessoal morto na Maré?

Acadêmicos, jornalistas, autoridades e politiqueiros que não pronunciaram uma única sílaba sobre a Maré agora posam de valentões bradando contra a desordem no Leblon. Eles só saem em defesa dos mais ricos, os pobres que se danem. São covardes, não valentes.

Merece respeito o sofrimento de tantos antigos vizinhos meus que se assustaram com o pega pra capar. Mas a vida seguiu. Na Maré, para tantos pais, a vida seguiu sem seus filhos. Já cantou Chico Buarque, saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu _teria um quarto ou dormiria no colchão da sala o adolescente que mataram?

O farisaísmo não reconhece limites. Às vésperas do desembarque do papa, celebra-se a existência. Mas muitos corações, que nojo, abalam-se apenas com a perda de patrimônio, e não de vidas. O que diria Francisco?

O recado das últimas semanas é que, para muita gente, crime contra a vida não é nada diante de crime contra o patrimônio.

Isso não é só covardia. É barbárie.


Comportamento franciscano do papa contrasta com escândalos da Igreja no Rio: apartamento de luxo, móveis de rico, carrões e flagra com dinheiro escondido
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Mário Magalhães

Francisco e os fiéis – Foto Andreas Solaro/Reuters

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Bem-vindo o papa Francisco, esse jesuíta com espírito franciscano. Que sua palavra e sobretudo seu comportamento inspirem a cúpula católica no Rio a encenar menos escândalos. Nos últimos anos, descobriu-se que o sacerdote guardião da chave do cofre da Arquidiocese comprara para a Igreja um apartamento de 500 metros quadrados, debruçado sobre a baía de Guanabara; mobiliara uma sala com móveis típicos de bacana; e adquirira dois automóveis Jetta, um deles para uso próprio. Boa parte da ostentação foi bancada pelas abençoadas doações dos fiéis. O padre caiu em desgraça, e se esperava que o sucessor acabasse com a farra. Até que ele foi flagrado no aeroporto tentando embarcar com uma dinheirama.

A vida nababesca do padre Edvino Alexandre Steckel foi revelada em maio de 2009 pelo repórter Fernando Molica. Em abril daquele ano, houvera a troca de comando na Arquidiocese do Rio, com a saída de Dom Eusébio Scheid e a chegada de Dom Orani Tempesta. Na gestão de Dom Eusébio, Steckel assumira a função designada por um palavrão, ecônomo, que vem a ser o administrador dos bens da Igreja.

O padre Edvino desembolsou R$ 2,2 milhões da Igreja pelo apartamento de luxo, que deveria receber Dom Eusébio em suas viagens ao Rio _o arcebispo emérito fora morar longe da cidade. O valor de mercado hoje do imóvel no Morro da Viúva é de aproximadamente R$ 5 milhões, estimando o metro quadrado em R$ 10 mil. Quando o jornal “O Dia” publicou o furo, estavam em curso reformas.

O ecônomo encomendou dois Jetta zero quilômetro, modelo na casa dos R$ 70 mil. Um para seu uso, outro para o de Dom Eusébio. Só por um sofá o padre pagou R$ 21.200, apurou Molica. No total, esbanjou R$ 14 milhões em despesas desnecessárias ou injustificadas.

O dono do cofre deixou o cargo, e o monsenhor Abílio Ferreira da Nova o substituiu. Em setembro de 2010, o sucessor foi preso no aeroporto Tom Jobim tentando embarcar para Portugal com uma quantia em euros equivalente a R$ 117 mil. Como não tinha autorização para transportar tanto dinheiro, foi preso e indiciado por evasão de divisas.

As primeiras ações do “hermano” Bergoglio como papa procuram dar o exemplo de uma vida monástica. Aqui no Rio, ele recusou mordomias que lhe ofereceram para a viagem próxima. Encarando inimigos mais parrudos, iniciou uma limpa no Banco do Vaticano, que às vezes mais se assemelha a uma casa mafiosa.

A Igreja Católica tem defendido, como muitos não cristãos, a justeza dos gastos públicos na visita de Francisco, pois o papa é chefe de Estado. Seria importante que os recursos oriundos da venda dos bens adquiridos nos tempos de Dom Eusébio também ajudassem a arcar com as despesas da Jornada Mundial da Juventude.


Será que o Kleber é maluco?
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Mário Magalhães

Kleber, em lance em que foi expulso contra o Palmeiras – Foto AFP PHOTO/Yasuyoshi CHIBA

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Confidência que talvez não seja a mais simpática, considerando os preceitos do jogo limpo: entre ter ou não ter, eis a nova questão, eu gostaria de ter o Kleber no meu time.

O jogador do Grêmio é violento desde sempre. O ex-árbitro José Roberto Wright, como tanta gente, acusa-o de desleal. O comentário foi feito a propósito da patada com que o atacante machucou o botafoguense Seedorf no domingo.

Ao ver pela TV a jogada, ocorreu-me a hipótese de que Kleber não seja apenas truculento, atitude que decorre da garra sem noção dos limites consagrados pela esportividade. Porque sua dividida com o holandês parecia resultar de um curto-circuito cerebral em que ele perdera o juízo sobre o certo e o errado.

Costuma ser assim. Kleber luta, batalha, entusiasma com sua aplicação. Dá a impressão de administrar a ira, no embate com marcadores duros. De repente, como se o fio desencapado encostasse em outro, perde o controle e agride.

Ao contrário de Lucas, que sofreu fratura numa entrada de Zé Roberto, Seedorf teve imensa sorte de não sair de campo direto para o hospital.

Kleber aparenta não ser apenas esquentado, aquele garoto que nunca chega ao fim da pelada sem sair no tapa. Parece descontrolado.

Como disse, eu o queria no meu time, a despeito de julgar exagerada a badalação em torno dele. É bom jogador, não um craque.