Blog do Mario Magalhaes

Prefeitura infla cálculo da multidão em Copacabana
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Mário Magalhães

( Para seguir o blog no Twitter: @mariomagalhaes_ )

Parece que as manifestações de junho e julho não ensinaram à Prefeitura do Rio a lição de que as pessoas estão cansadas de engodos.

Trata-se de pura marquetagem, destinada a iludir incautos, o chute de que 3,2 milhões de peregrinos e curiosos compareceram domingo a Copacabana, para celebrar com o papa.

Foi bonita a festa, pá, ficou-se contente. Para que alardear a presença de um público que não havia? Certamente, o pontífice dispensaria tal fabulação. Ele mencionou os 3,2 milhões como o número divulgado pelos organizadores locais. Não tinha como contar os presentes.

Com método científico, o Datafolha estimou que, estourando, havia de 1 a 1,2 milhão na missa. A prefeitura não explicou os critérios empregados para avaliar a massa. Anos atrás, a cidade do Rio desenvolveu um método rigoroso, agora desprezado, para esse tipo de cálculo.

Com 4 quilômetros de extensão de praia, precisaria haver 80 mil fiéis a cada 100 metros, arredondando. Ocorre que quase todo o Leme estava vazio, bem como os trechos mais próximos ao posto 6. Em muitos outros, a concentração não era tão numerosa quanto perto do palco.

É muita gente 1 milhão, uma demonstração gigantesca do carisma do papa e do prestígio da Igreja. Não precisa exagerar, ligando o “chutômetro” no qual alguns ingênuos, inclusive colegas jornalistas, confiam.


Papa defende ‘carro modesto’ para padres e desmoraliza os Jetta de cardeal
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Mário Magalhães

O papa, em um Idea, na manhã do sábado – Foto UOL/Reprodução

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Durante a transmissão do jogo entre Borussia Dortmund e Bayern de Munique, no sábado, passou um anúncio do Idea, da Fiat. O mesmo modelo foi propagandeado na TV antes de Flamengo x Botafogo, no domingo.

Poderiam exibir um bilhão de vezes essas publicidades, que não alcançariam o efeito das cenas do papa Francisco andando de Idea pelo Rio. Alguém reparou no recall do Strada e do Palio, outros produtos da empresa italiana, divulgado no fim de semana? O que se notou foi o carro do chefe do Vaticano.

Na entrevista a Gerson Camarotti, na Globonews, notável furo mundial, Francisco contou que em seus tempos de cardeal Bergoglio recomendava “carros modestos” aos sacerdotes de Buenos Aires. Eles precisavam de automóveis para desenvolver seus trabalhos pastorais, mas não deveriam descalçar as sandálias da humildade. Pediu que no Brasil não o fizessem passar a vergonha de ostentar um carrão.

Quanta diferença em relação ao espírito que vigorava na Arquidiocese do Rio de Janeiro até pouco tempo atrás. Em 2010, quando o jornalista Fernando Molica revelou luxos nababescos do alto clero, soube-se que dois modelos Jetta, comprados novinhos, haviam circulado pelo menos até o ano anterior no roteiro da Catedral. Um ficava à disposição do cardeal, outro do padre que controlava o caixa da Igreja. Tratei das mordomias neste post.

Para a cultura que presidia a Igreja católica aqui até 2009, sob o comando de Dom Eusébio Scheid, hoje cardeal-arcebispo emérito do Rio, talvez o comportamento do papa Francisco não passe de demagogia.

Se o seu estilo franciscano já criara constrangimentos, a perambulação de Idea incomodou mais ainda, bem como a entrevista que foi ao ar ontem à noite.

Um Idea zero-quilômetro custa de R$ 43.290 a R$ 52.400.

Um Jetta, R$ 88.290.

O papa é Idea, não blindado.

O cardeal e o padre eram Jetta.


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Mário Magalhães


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Mário Magalhães


Crux, Crucis, Crucifixus: uma exposição
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Mário Magalhães

 

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Cento e cinquenta cruzes, oratórios, relicários e imagens dos séculos 18 e 19, um tesouro da arte sacra, estão em exposição aqui no Rio, no Centro Cultural do Banco do Brasil. O acervo pertence ao Museu de Arte Sacra de São Paulo. Com entrada franca, a mostra “Crux, Crucis, Crucifixus – O universo simbólico da cruz” celebra a Jornada Mundial da Juventude e a visita do papa Francisco. Fica em cartaz até 23 de setembro.

Mais informações podem ser encontradas no site do CCBB.

 


‘Bote fé’, mote do papa Francisco para os jovens, micou em 1989 com o velhinho Ulysses
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Mário Magalhães

 

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É claro que o dedo não tem a ver com a luva, para curvar-me a uma expressão menos bagaceira.

Mas o mote “bote fé”, pregado pelo papa na atual viagem ao Brasil, lembrou o jingle de Ulysses Guimarães (1916-92), na eleição presidencial de 1989 (assista clicando na imagem acima). O candidato do PMDB tinha 73 anos, três a menos do que Francisco hoje.

O papa fala preferencialmente aos mais novos, na Jornada Mundial da Juventude. Pede que eles não deixem de ouvir os avós.

Ulysses tentava transmitir a ideia de vigor, em confronto com adversários mais jovens como Collor (40 anos) e Lula (44).

Seu jingle é primoroso, obra-prima da marquetagem política. Nunca houve uma eleição com jingles tão bons como os daquele pleito. O UOL agrupou alguns em um vídeo, como se pode assistir aqui.

Com jingle bom e tudo, os eleitores não botaram fé, Ulysses não colheu nem 4,5% dos sufrágios e amargou o sétimo lugar.


Milagres de Francisco e a falta que faz um jingle como o do João de Deus
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Mário Magalhães

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Na calçada defronte ao Copacabana Palace, onde noutro dia o pau comeu no casamento da Dona Baratinha, desfralda-se uma faixa da Pastoral da Aids. Encuco com a surpresa: se a Igreja se opõe ao uso da camisinha, o que proporiam obedientes fiéis? É o que indago a uma jovem, que me encaminha a uma senhora atrás da faixa, pena que ela não apareça na foto acima. E a prevenção com preservativo?, provoco.

A tarde desta quinta-feira da Missa da Acolhida começou mais cedo. Eu havia lido no jornal e ouvido na TV que poderia entrar de carro em Copacabana até as duas da tarde. Pela uma e meia, na garagem, ligo o rádio do automóvel, e o locutor informa que as entradas do bairro já estão interditadas. Logo saberei que o jornal e a TV estavam certos, mas a culpa foi minha, repórter negligente: quem mandou não apurar direito?

O palco da Jornada Mundial da Juventude não fica tão distante de Botafogo, e resolvo ir a pé. Na rua São Clemente, a estação do Metrô está fechada, e muitos peregrinos dão com a cara na porta.

Na Voluntários da Pátria, mais de cem garotas e garotos com camisas verdes do evento se enfileiram para subir num ônibus cujo destino é a rodoviária, e não o Leme e Copacabana, onde Francisco desfilará no papamóvel e falará aos católicos. Não entendi.

Trancado até pouco antes em casa, escrevinhando uma carta ao papa, não havia olhado a primeira página da maioria dos jornais.  Numa banca, deparo-me com as broncas. “Rio passa vergonha”, manchetou o “Extra”. “Peregrinos têm dias de purgatório”, torpedeia “O Dia”.

Na rua Góis Monteiro, um moço abatido pela angústia topa com um conhecido e desabafa: fiquei uma hora na fila! Fila de quê?, matuto, até perceber que ele veste uma camisa do Botafogo. Deve ter comprado ingresso para o clássico de domingo no Maracanã.

Mais alguns passos e vislumbro uma janelinha de andar baixo num prédio, e memórias pagãs me inebriam. Quase duas décadas atrás, namorei uma jornalista que morava ali, bem diante do ponto de ônibus. De madrugada, a barulheira principiava, ela se preocupava com o incômodo, e eu dizia não é nada, meu amor. Era o que a Fátima Guedes chama de pobres mentiras diplomáticas, de puras intenções. O que não faz uma paixão…

Milagres de Francisco

Antes de atravessar o Túnel Novo, aborda-me o primeiro ambulante vendendo capas de chuva por R$ 5 a unidade. Mais tarde, constatarei um milagre de Francisco: em qualquer lugar da praia, todos os camelôs cobram o mesmo preço. No cotidiano do Rio, quanto mais metido a besta o ponto, mais caro o produto. É o que acontece com o coco.

Na avenida Princesa Isabel, dou com a multidão. Até a noite, verei bandeiras de tudo o que é país, incluindo Israel, China e outros que não reconheço. “Será que o Rio já recebeu tanta gente de fora?”, pergunta um rapaz a outro. Como não é comigo, calo, mas acho que não.

Testemunho uma batalha malsucedida de muitos jovens. Como a avenida Atlântica foi dividida cedo pelas grades que isolam a pista no sentido do Leme, via que o papa percorrerá, quem chega agora não consegue passar para o calçadão, no lado da areia.

Não é nenhuma agremiação carioca a que ostenta mais bandeiras, e sim o Clube Atlético Mineiro, que poucas horas atrás conquistou a Libertadores. É um escudo abençoado o do Galo, mas quem está precisando de bênção é o do Flamengo, que quase não vejo. Ainda ignoro que de manhã o Zico presenteou Francisco com o manto sagrado. O papa, torcedor do San Lorenzo, conheceu o Deus rubro-negro.

Mesmo com o frio de 13 graus, a confiar em um termômetro do canteiro central, não flagro ninguém fazendo xixi na rua. Centenas de pessoas aguardam pacientemente nas filas dos banheiros químicos. Novo milagre de Francisco.

No Bar Balcony, embora algumas garotas de programa tenham preferido se ausentar do batente, belas da tarde pelejam em busca de clientes. São as filhas de Deus com quem estive na madrugada da segunda-feira.

Se tencionava promover uma demonstração de força, a Igreja consegue. O rebanho mingua na América Latina, mas permanece numeroso. “Quantas divisões têm o papa?”, zombou Joseph Stálin. Nenhuma, mas aqui perfilam soldados da fé.

Mais de uma vez escuto o verbo “glorificar”, e a confraternização comove.  Observo hábitos, batinas, paramentos. Desconfio de que alguns pertencem a ordens mendicantes, mas a minha ignorância na matéria impede certezas.

No entanto, o clima não parece tão empolgante como a da viagem do papa João Paulo 2º, em 1980. Falta um jingle como “A bênção, João de Deus”. Aquela canção simbolizou a hospitalidade nacional, e a torcida do Fluminense a adotou para sempre. Os organizadores não vacilaram apenas com o trânsito, o metrô e o lamaçal da Cidade da Fé, a que foi sem nunca ter sido. Deveriam ter encomendado um jingle-chiclete como o de outrora.

Passa o papa

Cantarolo na cabeça o velho jingle quando caminhonetes do Batalhão de Choque me ultrapassam. Mais um milagre de Francisco: faz semanas que elas não surgem no Rio sem o afã de sufocar multidões.

Por pouco não tropeço em pedras soltas nas calçadas, mas para banir essa maldição, que derruba da Beatriz Segall a pedestres anônimos, nem o papa.

O protesto só viria à noite, quando manifestantes deixariam os arredores do apartamento do governador, no Leblon, e dariam seu recado em Copacabana. No momento, não há sinal de mensagem política. Será que João Paulo II, Bento 16 e Francisco triunfaram? Findaram os tempos das Comunidades Eclesiais de Base? Onde estão elas?

A bem da verdade, esbarrei, sim, em um grupo ostensivamente politizado. Chilenos, cantavam contra a “opressão”. Junto com um estandarte de sua paróquia e uma bandeira da nação de Allende e Neruda, balançavam outra, de Ernesto Che Guevara, compatriota do cardeal Bergoglio, agora sumo pontífice.

Tento me aquietar em um canto para ver o papa, que se aproxima. Com espírito nada cristão, um brucutu brasileiro empurra vizinhos. Francisco passa rapidinho, e há tanta gente que boa parte nem o vê. Isso mesmo: não é que eu não tenha encontrado o papa, nem mesmo o vi. Quer dizer, só o vi no telão. “Ele passou como um flash”, conta uma mulher ao telefone. “Não importa, foi demais.”

No caminho de volta, quando o papa já deve estar jantando, ocorre-me outro milagre de Francisco: sumiram os mendigos da beira-mar. Ou seja, devem ter sido retirados de lá, para maquiar as nossas misérias. Mas já estão deitados nas calçadas da rua Tonelero e dentro do Túnel Velho. Não se trata de retórica o que o papa fala sobre a pobreza.

É literalmente quilométrica a fila na estação do metrô Siqueira Campos. Gaiatos peregrinos não resistem e entoam: “Meu irmão/ Não desiste/ Não parece/ Mas o fim da fila existe”.

Pouco além da saída do túnel, colados ao muro do cemitério São João Batista, centenas de pessoas fotografam o Cristo Redentor. Enfim, parou de garoar, as nuvens decolaram, e o Corcovado se descortinou no horizonte.

Lembro-me da senhora da Pastoral da Aids, de quem eu esperava uma peroração dogmática submissa aos preceitos do Vaticano, cuja política sobre o HIV resulta em mortes mundo afora.

“E a prevenção com preservativo?”

Ela respondeu de bate-pronto:

“Isso é questão de saúde pública!”  Em outras palavras, tem que usar.

Espantado, sapequei-lhe um beijo na bochecha e parti.


Papa Francisco, por favor, pergunte pelo Amarildo
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Mário Magalhães

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Estimado papa Francisco,

perdoe o tamanho da carta, pois bem sei que o seu tempo é curto e sagrado, e a agenda de hoje está carregada. Mas o assunto é cabeludo como era Cristo.

Como o senhor tem conhecimento, 33 invernos atrás, o piscar de olhos da vida de Jesus de Nazaré, o papa João Paulo 2º também passou por este país de sol e neve. Este vídeo contou um pouco da visita. Releve, com generosidade, o tom chapa-branca da narrativa, excessivo até para os padrões do Vaticano.

Karol Wojtyla estava longe de constituir um revolucionário, fato sabido por qualquer coroinha. Batia de direita, como o Pelé, e não de esquerda feito o Maradona. Apesar de algumas dessemelhanças, agia como o senhor _é complicado comparar personagens de épocas distintas, tipo Maradona e Pelé, ou Karol e Jorge Mario. Como diria o Nelson Rodrigues, um gênio reacionário que se consagrou aqui no Rio, nem o polaco que vai virar santo nem o senhor jogam no time dos “padres de passeata”.

Melhor assim, que eu fico mais à vontade para humildemente lhe fazer um pedido, pois ninguém tomará uma palavra sua como coisa de baderneiro. No dia 14 de julho, não caiu nenhuma Bastilha cá na cidade, mas desde então vêm caindo muitas lágrimas em um barraco da Rocinha. Era lá que o pedreiro batizado como Amarildo de Souza, pobre como São Francisco, morava em um só cômodo com toda a família, que não é pequena. Aos 42 anos, ele é casado e tem seis filhos.

O Amarildo sumiu depois de ser levado por policiais até a sede da chamada Unidade de Polícia Pacificadora, ali mesmo na favela. Para a família do Amarildo, não há paz desde então. Se ninguém lhe avisou, o senhor pode se informar aqui.

Desculpe o abuso, mas seria possível hoje à noite no palco do Leme o senhor perguntar pelo Amarildo? Faz dias que cada vez mais cariocas cobram: cadê o Amarildo? O governador Sérgio Cabral recebeu a família do pedreiro, mas nada de descobrirem o paradeiro dele. Com um apelo seu, além de constranger a polícia para ser mais eficaz, como ela sabe ser tantas vezes, talvez até o Homem lá de cima mande um socorro.

Naquela memorável viagem de João Paulo 2º, ele foi muito diplomático, e até um “viva” concedeu ao Figueiredo. Muitos jovens, católicos ou não, ignoram que o general que preferia a companhia de cavalos à de gente foi o último presidente da ditadura.

Mas não foi com essa atitude que o velho papa contribuiu para apressar a marcha para o fim daquela tirania na qual mataram o padre Henrique, assessor do D. Hélder Câmara, e torturaram até a insanidade o frei Tito, mártir brasileiro. O que marcou a passagem de João Paulo 2º foi a missa no Morumbi, no dia 3 de julho de 1980.

O papa deu seu recado, contra a tal da luta de classes, e só se surpreenderam os ingênuos. Mas o polonês sabia o que iria ouvir e ouviu 140 mil operários gritando “liberdade!, liberdade!, liberdade!”. Eu vi pela televisão, e até hoje me arrepio com a lembrança do agora beato João Paulo 2º sorrindo com a manifestação popular no estádio.

Ele concordara com o roteiro, e previra ou aprovara o discurso do metalúrgico Waldemar Rossi com diatribes anticapitalistas (se tiver um respiro, eis a íntegra dos pronunciamentos). Não se importou. Depois daquele protesto, em que a peãozada clamou por liberdade sem levar um só golpe de cassetete, todo mundo viu que não tardaria a extrema-unção da ditadura.

O Brasil mudou, mas uma família chora na Rocinha. Não ensinarei padre a rezar missa, falando do drama dos desaparecidos. Em seu país contaram 30 mil na última ditadura. Aqui foram pelo menos 160. O que são números, para quem espera um amigo ou parente que nunca regressa? Não o importunarei com conversa sobre o seu desempenho de sacerdote nos tempos do falecido Videla, almirantes e generais, porque não vem ao caso na urgência do momento.

E se, ao contrário do que supõe a mulher do Amarildo, os policiais militares não o tiverem matado? O passado também ensina que, para salvar uma vida, nada mais útil do que denunciar um sumiço.

Não duvido que não lhe importa ser comparado ao papa que o senhor tanto prezava. Contudo, mais do que deixar um gesto para a história, como João Paulo 2º, o senhor ajudaria uma família de filhos de Deus que ainda aguarda o Amarildo.

Aceite os cumprimentos deste seu meio-xará, e boa sorte aqui nesta terra abençoada pelo Cristo Redentor.