Blog do Mario Magalhaes

Declaração de Cabral minimiza sumiço de Amarildo, reedita argumentos de viúvas da ditadura e sugere que ‘humildade’ pós-papa já passou
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Mário Magalhães

Amarildo de Souza, morador da Rocinha, desaparecido desde 14 de julho

 

( Para seguir o blog no Twitter: @mariomagalhaes_ )

“O governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), disse, durante uma cerimônia em Rio das Ostras, região dos Lagos, que antes das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) serem instaladas nas favelas, o desaparecimento de pessoas era comum. ‘Sabe o Amarildo, que sumiu? Antes da UPP sumiam cem Amarildos por mês’, disse o governador durante solenidade de lançamento de um programa de renda para famílias pobres.”

Assim relatou reportagem da colega Carolina Farias, aqui no UOL, sobre o evento de ontem. O pronunciamento do governador tem o mérito de evidenciar convicções e comportamentos.

A declaração indica leviandade. Onde estão as estatísticas sustentando que sumiam “cem Amarildos por mês” antes das UPPs? Que eu saiba, esses números nunca foram divulgados. Existem? Em caso positivo, por que foram omitidos? Não haveria ilegalidade no procedimento de ocultar desaparecimentos? Com a palavra, o Ministério Público.

Ao tratar nesses termos o sumiço do morador da Rocinha, um contra alegados cem, Cabral minimiza o sofrimento da família do pedreiro. Poderiam ter sido um milhão de desaparecidos. Para os parentes e amigos de Amarildo, não diminuiria em nada a dor que deveras sentem.

A declaração do governador evoca argumentos de viúvas da ditadura que vigorou no Brasil de 1964 a 85. Saudosos do regime antidemocrático costumam cotejar o saldo de oposicionistas mortos e desaparecidos no Brasil, cerca de 400, com os até 30 mil da Argentina durante a ditadura 1976-83. Concluem, sem pudor, que o ocorrido aqui não foi tão grave assim.

Ainda que involuntariamente, é mais ou menos o que o governador sugere, no contexto do caso Amarildo, ao rememorar sumiços anteriores à introdução do projeto das UPPs.

Como se viu, o discurso compungido, em seguida à visita do papa, parece ter sido esquecido por Cabral. O governador se disse tocado pela humildade de Francisco. Se era verdade, o impacto do jesuíta de espírito franciscano já passou.

Também ontem, Cabral foi vaiado por alguns manifestantes. Reagindo a eles, referiu-se a protestos como um “mal”, ainda que com o complemento “democrático”. O adjetivo é secundário, e o substantivo, essencial: manifestação é um mal, supõe o governador.

Fosse quem fosse Amarildo, em qualquer cenário o Estado tem responsabilidade por seu desaparecimento.

O governador faria melhor caso trocasse a virulência do palavreado por resultados efetivos nas buscas pelo pedreiro, esteja ele vivo ou morto.

Em tempo: Amarildo vivia com a mulher e seis filhos em um só cômodo, em sua casa miserável na Rocinha.


Protesto hoje no Centro do Rio pedirá fim da ‘privatização’ do Maracanã
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Mário Magalhães

Protesto em 16/03/2013 contra 'privatização' do Maracanã – Foto Maíra Rubim/Folhapress

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A Frente Nacional dos Torcedores (FNT) e outras organizações promovem hoje a partir das 16h, na praça da Candelária, um protesto reivindicando o fim da cessão à iniciativa privada da gestão do Maracanã.

Na convocação, a FNT afirma que “o estádio é um patrimônio histórico-cultural do Estado do Rio de Janeiro e, portanto, não pode, de maneira alguma, ficar sob controle da iniciativa privada. Ainda mais tendo em conta todas as fraudes que envolveram o processo de licitação, condenado inúmeras vezes pelo Ministério Público”.

Com a desistência do governo fluminense de demolir o parque aquático e o estádio de atletismo no complexo esportivo, o consórcio particular que assumiu o Maracanã pode vir a desistir do negócio, embora tenha afirmado em nota não ser essa a sua intenção.

Eis a íntegra da nota que convoca o ato:

A Frente Nacional dos Torcedores (FNT) realizará um ato hoje, às 16h, na praça da Candelária. Junto com outros movimentos sociais, reivindicaremos o cancelamento imediato da privatização do Maracanã. A FNT entende que o estádio é um patrimônio histórico-cultural do Estado do Rio de Janeiro e, portanto, não pode, de maneira alguma, ficar sob controle da iniciativa privada. Ainda mais tendo em conta todas as fraudes que envolveram o processo de licitação, condenado inúmeras vezes pelo Ministério Público.

Desde que vieram a público as notícias de que o Maracanã seria inteiramente descaracterizado e, posteriormente, privatizado, a FNT, junto com outros movimentos sociais afetados pelo processo, foi às ruas e protestou intensamente contra a destruição do estádio. Entendemos que essas medidas elitizam o futebol carioca, uma vez que, como se tem visto, o preço dos ingressos para os jogos tem sido altíssimo, e não há sequer um setor popular, para garantir que a população de menor poder aquisitivo possa frequentar o estádio, como sempre foi uma marca do democrático Maracanã.

Portanto, não deixaremos o governador descansar enquanto não cancelar a privatização. Já obtivemos vitórias nas últimas semanas, com a manutenção do Célio de Barros, Júlio Delamare e da escola Friedenreich. No entanto, só ficaremos satisfeitos quando o estádio voltar a ser público e popular. O Maraca é do povo!

Fundada em 13 de dezembro de 2010, a Frente Nacional dos Torcedores, que ficou conhecida nacionalmente na campanha “Fora Teixeira!”, luta por um futebol justo, democrático e popular.

 


Estava demorando: delegado pediu prisão de mulher de Amarildo, vinculando-a ao tráfico
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Mário Magalhães

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Três semanas depois do desaparecimento de Amarildo de Souza na Rocinha, o delegado Ruchester Marreiros pediu a prisão preventiva de Elizabete Gomes da Silva, mulher do pedreiro. É o que revela hoje em manchete o jornal “Extra”.

Marreiros era delegado-adjunto da 15ª Delegacia de Polícia, que cuidou da apuração do sumiço de Amarildo nas primeiras semanas. Em relatório acerca da investigação do tráfico de drogas na favela, Marreiros afirmou que Elizabete presta serviços para quadrilha, como guardar material para traficantes em casa e avisar sobre a chegada da polícia.

O delegado escreveu que só não pediu também a prisão de Amarildo por existirem indícios de que ele já estaria morto. O trabalhador desapareceu depois de ser levado irregularmente, na noite de 14 de julho, para a sede da Unidade de Polícia Pacificadora da Rocinha.

Delegado-adjunto da 15ª DP até poucas semanas atrás, Marreiros concluiu o relatório depois de já ter deixado aquela unidade policial, localizada na Gávea.

O delegado titular, Orlando Zaccone, divergiu, de acordo com “O Globo”: “Causam muita estranheza o espaço e o destaque dedicado pela autoridade policial [Ruchester Marreiros] a possível participação de Amarildo de Souza e sua companheira Elizabete como integrantes de organização criminosa objeto desta investigação. Em nenhum relatório anterior os dois apareciam como suspeitos”, observou Zaccone em relatório.


Os origamis de Sadako
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Mário Magalhães

Foto que eu fiz em Hiroshima em 2002; já havia estado lá em 1995, nos 50 anos da bomba

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Ontem a bomba de Hiroshima fez aniversário de 68 anos. Em 2002, estive lá pela segunda vez. Cobrira, em 1995, a cerimônia de meio século da tragédia. A reportagem abaixo foi publicada 13 anos atrás na ''Folha''. Faz parte de um livro a ser lançado daqui a alguns meses.

* * *  

Uma atitude intriga os novatos que se aventuram pelo bairro boêmio de Nagarekawa, em Hiroshima, no comecinho da madrugada. As mulheres e homens que distribuem folhetos, anunciando de clubs com música pop a bares de prostituição, ignoram quem não aparenta ser japonês. Arranhando o inglês, uma garota esclarece: “American no.” Ao ver a credencial de cobertura jornalística da Copa indicando o Brasil como porto de origem, corrige: então, ok. Outro propagandista insiste: norte-americanos não são bem-vindos.

Em trajes civis coloridos, um soldado se identifica como Luck e diz ser do Estado do Colorado. Ele confirma a barração generalizada. Dois colegas seus, que não informam nem o primeiro nome, contam vir da Califórnia. Desdenham, jurando que não sentem falta dos inferninhos que os rejeitam. Os três aproveitam a folga da base militar dos Estados Unidos em Iwakuni, quarenta quilômetros ao sul de Hiroshima, onde se agrupam 5.000 marines.

Há uma segunda surpresa: o motivo de veto aos gringos, justificam os leões de chácara, não é o indisfarçável ressentimento pela primeira bomba atômica lançada contra alvos humanos.

Às 8h15 do dia 6 de agosto de 1945, um bombardeiro B-29 despejou um artefato que explodiu a 580 metros do solo. Num raio de dois quilômetros, tudo foi incendiado. Em cinco anos, contando os que morreram na hora e das queimaduras e efeitos prolongados da radiação, acumularam-se 200 mil vítimas, mais da metade da população da época. Ainda no ano passado, houve mortes por câncer com origem mais de meio século atrás. Hiroshima se transformou em símbolo do horror e da covardia nuclear. Três dias depois de ser atacada, a barbárie alcançou Nagasaki. O Japão, aliado de Alemanha e Itália na Segunda Guerra, rendeu-se.

“O problema com os americanos não é esse, antigo, mas o fato de eles arrumarem encrenca em tudo que é lugar aonde chegam”, diz o brasileiro Wagner Ioshiu, operário numa fábrica de autopeças, concordando com os leões de chácara.

Rejeitados, os militares de Iwakuni acabam frequentando boates latinas. Na brasileira Hot Gin, dezenas de norte-americanos se requebram com pop americano, forró e axé. Garotas japonesas saem no braço por soldados. Há um evidente esforço de mimetizar os modismos dos Estados Unidos, país em relação ao qual o sentimento aqui varia do ódio à paixão.

Apesar da ocidentalização do Japão, em especial dos jovens, o contraste cultural com a Europa e os EUA é considerável. Certas diferenças foram cutucadas em 1959 pelo francês Alain Resnais no clássico Hiroshima mon amour. O cineasta narra o affair entre uma atriz francesa e um arquiteto japonês na cidade da bomba, em um filme de contundente conteúdo antinuclear.

De manhã, a impressão da madrugada renova-se no Parque Memorial da Paz, na área próxima ao centro da explosão. Hiroshima, 882 quilômetros a sudoeste de Tóquio, expõe suas chagas, não quer esquecê-las, contudo está longe de viver de luto e a chorar o passado.

Músicos cantam rock em inglês e japonês para angariar uns trocados. Colegiais descobrem-se com minissaias curtíssimas até para padrões brasileiros _são compridas, mas ao sair de casa e da escola, às vezes mesmo no domingo, elas colam as barras.

Em um extremo do parque fica o prédio com cúpula onde funcionava um escritório da Prefeitura de Hiroshima. A bomba explodiu a uma distância horizontal de 160 metros. As ruínas permanecem como em 1945. Voluntários passam um abaixo-assinado em defesa da eliminação dos arsenais atômicos e exibem cópias de jornais velhos com imagens de pessoas sem pele. “É para a juventude se lembrar”, diz o tradutor Zengeo Inuzuka. “O perigo é a forte influência dos Estados Unidos.”

No Museu da Paz, o silêncio sepulcral é quebrado pela melancolia da trilha sonora de um vídeo e por soluços de visitantes comovidos. Lugar deprimente, como os campos de concentração do Holocausto preservados como encontrados. A exposição tem relógios de mortos com a hora, 8h15, em que pararam. Lembra que milhares de vítimas eram coreanos que cumpriam trabalhos forçados em fábricas japonesas. Fotografias imortalizam as sombras desenhadas no chão por pessoas que se desintegraram. De queimados e deformados, de cadáveres feitos múmias, de crianças que perderam o cabelo ceifado pela radiação.

Do lado de fora, ergueu-se um monumento em homenagem à menina Sadako Sassaki. Ela tinha dois anos em 1945. Começou a sofrer os efeitos da radiação aos doze. Com leucemia, ouviu que fazer mil dobraduras de papel (origamis) de um pássaro (Tsuru) poderia lhe dar vida longa. Ela fez centenas, mas morreu antes das mil. Colegas de escola terminaram a tarefa. Sadako foi cremada com seus pássaros.

Até hoje, estudantes de todo o Japão enviam milhões de origamis por ano para o Parque da Paz.


O Zé merece
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Mário Magalhães

Mario Jorge Lobo Zagallo, o único homem quatro vezes campeão mundial de futebol, discursa na inauguração da estátua em sua homenagem. Foi ontem, no Engenhão. Para os amigos, ele é o Zé, embora não carregue José no nome. Sempre o chamei de Seu Zé, assim como Telê Santana era o Seu Telê. Parabéns, Seu Zé!

Um grande campeão – Foto Celso Pupo/ Fotoarena/ Folhapress

 


Pesquisa médica e histórico de mortes contradizem PM do Rio sobre gás lacrimogêneo
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Mário Magalhães

Detalhe de nota da PM/RJ exibida no ''RJTV 2ª edição'' de 5 de agosto

 

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Pesquisa de médicos da Harvard University, Duke University, State University of New York e outras instituições dos Estados Unidos contradiz nota oficial da Polícia Militar do Rio de Janeiro, segundo a qual inexistem registros de mortes causadas pela inalação de gás lacrimogêneo.

A PM afirmou, em nota exibida ontem pelo “RJTV 2ª edição”: “Não há na literatura policial qualquer menção à morte em decorrência da ação de gás lacrimogêneo”.

É possível que tenha havido um equívoco: quem trata com mais propriedade da causa das mortes é a literatura médica. Em todo o planeta, a polícia dispara bombas de gás _e propagandeia que elas não provocam danos graves à saúde.

A declaração da PM ocorreu a propósito da morte do ator Fernando da Silva Cândido, semanas depois de ele inalar gás lacrimogêneo na jornada de protestos de 20 de junho no Rio. Fernando tinha problemas respiratórios anteriores. Hospitalizado, gravou um depoimento (para assistir, clique no vídeo acima ou aqui).

Nos últimos anos, soube-se de mortes decorrentes do emprego policial de gás lacrimogêneo pelo menos no Bahrein, na Mauritânia e na Palestina. No Bahrein, os artefatos, arremessados de perto, também mataram pelo choque, como um projétil. A PM do Rio não precisaria ir tão longe no tempo e no espaço: em junho, uma gari de 54 anos morreu em Belém (PA) depois de ingerir gás utilizado para dispersar um ato público.

Uma colega dela contou: “Nós estávamos todos conversando lá, estávamos tranquilos. Quando aquele gás que parecia pimenta começou a arder nos olhos da gente, todo mundo passou mal, e foi aí que a Cleonice começou a tossir, tossir, sem conseguir respirar direito e chamaram uma ambulância”.

A investigação dos acadêmicos das três renomadas universidades dos EUA foi publicada em agosto de 1989 no “Journal of the American Medical Association”. Intitula-se “Tear Gas: Harassing Agent or Toxic Chemical Weapon?”. Isto é, pergunta se o gás lacrimogêneo é um instrumento para causar mal estar ou uma arma química tóxica. Clique aqui para ler o artigo (em inglês).

Só na Coreia do Sul os pesquisadores entrevistaram mais de cem pessoas, incluindo médicos e vítimas de gás lacrimogêneo. Em julho de 1987, foram usadas 351.200 bombas de gás contra manifestantes naquele país.

São citados três outros estudos e relatórios com registro de mortes devido ao CN, uma das substâncias componentes do gás que faz chorar. O CS, outro componente, foi responsável por ao menos cinco mortes (não na Coreia do Sul), embora tenha sido inalado em ambientes fechados.

A Prefeitura de Nova York informa que gás lacrimogêneo pode matar, se a pessoa ficar exposta a ele por mais de uma hora.

A “Galileu” publicou uma reportagem interessante sobre o tema.

Sem uma avaliação pericial rigorosa, é impossível saber se o gás inalado por Fernando da Silva Cândido contribuiu para sua morte.

A afirmação da nota da PM, porém, não encontra respaldo na literatura médica nem na história recente, muito pelo contrário.