‘Síria’, por Jean Galvão
Mário Magalhães
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( Para seguir o blog no Twitter: @mariomagalhaes_ )
Existe um livro chamado “Em agosto, Getulio ficou só”. Nunca o li, mas sempre apreciei o título bem bolado.
Neste sábado, 24 de agosto, o suicídio do presidente Getulio Dornelles Vargas completa 59 anos. A visita à imprensa da época evidencia que, se dependesse do radicalizado ambiente jornalístico, o gaudério de São Borja não teria mesmo como escapar. Ele foi deposto de madrugada, na forma de uma “licença”. Ao se matar, de manhãzinha, impediu os militares de assumirem diretamente o governo. Com o sacrifício, atrasou o golpe de Estado em dez anos.
Com muitas publicações levando para a internet suas coleções, e a Biblioteca Nacional botando no ar parte de sua hemeroteca, ficou mais fácil consultar os velhos jornais. Eles confirmam que o presidente sufragado pelo voto popular em 1950 estava acossado pela direita, principalmente, mas também pela esquerda.
Além da “Última Hora”, financiada pelo Palácio do Catete, então sede da Presidência, o “Jornal do Brasil” se opôs à iminente virada de mesa institucional. Não deveriam estar sozinhos, como um levantamento mais vasto demonstrará, mas quase.
As primeiras páginas abaixo são dos matutinos, em 24 de agosto de 1954, e dos vespertinos, na véspera. Isto é, as derradeiras edições antes do anúncio do tiro no peito. Nem todos os links, que permitem ler o jornal inteiro, têm acesso livre. Não encontrei na hemeroteca digital, ainda incompleta, a “Tribuna da Imprensa”, propriedade de Carlos Lacerda, opositor obstinado. O site da Biblioteca Nacional demora anos-luz para baixar as imagens. Minha assinatura venceu, e não pude ir além da capa de “O Estado de S. Paulo”.
O jornal mais panfletário foi o “Diário Carioca”, que saiu com o minieditorial “Reú, renúncia, rua”. A demissão do presidente seria “exigência da consciência nacional ante a vergonha nacional e internacional a que o governo dos Vargas arrastou o Brasil”.
Detalhe da primeira página do ''Diário Carioca''
“O Globo” também deu editorial pedindo a cabeça de Getulio. Ofereceu duas opções: “por um ato de sua livre vontade” ou “sob coação das circunstâncias”. Em caso de derrubada, o Brasil continuaria na condição de “um estado juridicamente constituído”.
O “Diário da Noite” pertencia à rede do magnata Assis Chateaubriand. Fiel escudeiro de Chatô, o jornalista Austregesilo de Athayde pontificou, em sua coluna: haveria “podridão do governo” e “negociatas do chefe da Guarda Pessoal” do presidente. Aconselhou interferência militar: “Atentem nesse índice a opinião e as Forças Armadas, a fim de ajuizarem corretamente a anarquia moral em que se encontra submerso o país”.
Na polarização da Guerra Fria, os três diários mencionados estavam ao lado dos Estados Unidos. Porém, a “Imprensa Popular” (li em arquivo físico da Universidade Estadual Paulista), pró-União Soviética, também conclamou pela derrubada de Getulio. Ou seja, pelo golpe. Na manhã de 24 de agosto, o jornal republicou uma entrevista do principal líder comunista, Luiz Carlos Prestes. Seu partido, então banido, editava a “IP”. Embora denunciasse “os golpistas” em geral, Prestes defendeu, mimetizando Lacerda, “pôr abaixo o governo Vargas”.
Os paulistanos “Folha da Manhã” e “Folha da Noite” noticiaram os movimentos do presidente e as ações dos conspiradores golpistas, mas não tomaram posição explícita, pelo menos que eu tenha reparado.
Como era seu padrão, “O Estado de S. Paulo”, histórico contendor de Getulio Vargas, dedicou a primeira página ao noticiário internacional.
No Rio, o “Jornal do Brasil” também tinha suas idiossincrasias, reservando quase toda a capa para anúncios de arrumadeiras, copeiras, choferes e jardineiros. Foi a única publicação consultada com a informação da queda de Getulio, mas não da morte. Fechou depois das cinco da manhã. A manchete: “Renunciou o presidente da República”. Não havia renunciado, mas havia fogo sob a fumaça. Em editorial, o “JB” se opôs à deposição, porque inexistia “conhecimentos dos fatos”, sobre o atentado contra Carlos Lacerda no começo do mês. Sem conhecê-los, seria temerário opinar acerca de “quaisquer das soluções de natureza constitucional que as crises imponham”. Jamais se provou que Getulio soubesse do plano contra Lacerda.
Na internet, só encontrei a “Última Hora” em um trabalho acadêmico. A manchete histórica: “Só morto sairei do Catete!”. No dia seguinte, o jornal estampou: “O presidente cumpriu a palavra: ‘Só morto sairei do Catete!’”.
Se permitem um pitaco, são legítimas todas as apreciações sobre Getulio Vargas e seu legado, que estamos conhecendo melhor com a trilogia de fôlego que o jornalista Lira Neto vem publicando, pela Companhia das Letras (acaba de ser lançado o segundo volume, relativo ao período 1930-45). Mas o aspecto central em 1954 é o golpe de Estado contra um presidente constitucional.
Getulio não era mais o ditador da quadra 1930-34 e 1937-45, em tantos ângulos deplorável ou mesmo asqueroso. Era um governante eleito pelo povo. Sua derrubada fez mal ao país, que desprestigiou a democracia. E aos trabalhadores, cujas conquistas haviam se acumulado na administração democrática do presidente que saiu da vida para entrar na história.
Mário Magalhães
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Muito mais do que pelos meus cabelos brancos, sinto a passagem do tempo pela insistência da memória em confrontar certas reconstituições históricas. O que contam hoje não combina com o que eu vivi ou com o que soube.
Foi o que ocorreu novamente ontem no programa eleitoral das oito e meia da noite. Até mais da metade da exibição, eu não fazia ideia de qual partido vendia o seu peixe. O recurso, manjado, tenta evitar que o espectador saia de frente da TV. Caso pensado, explica essa reportagem.
O programa reivindicou os protestos de junho, saudou-os como bons para a democracia. Os manifestantes obrigaram os poderes a trabalhar. Portanto, um partido com o espírito das multidões que saíram às ruas.
Mais para o fim, esclareceram que o programa era do PMDB. O mesmo do governador Sérgio Cabral, talvez o político brasileiro mais desgastado pelas jornadas memoráveis que sacudiram o país. Cabral é o cidadão que desqualificou as manifestações, em virtude do viés político _religioso é que não seria. O PMDB do prefeito Eduardo Paes, que disse ser impossível baixar a tarifa dos ônibus, até recuar diante do movimento da massa.
Ou seja, os marqueteiros apostaram no esquecimento de fatos ocorridos no mês retrasado.
A primeira parte do programa evocou a luta dos caras pintadas. Como se sabe, aqueles jovens batalharam em 1992 pelo afastamento do presidente acusado de corrupção, Fernando Collor de Mello. Foram muito importantes para o desfecho democrático, o impeachment de Collor.
Logo depois de aclamar os caras pintadas, o programa mostrou o senador Renan Calheiros falando. Promoveu legitimamente o presidente do Congresso.
O problema é que, como sabem os mais velhos, Renan foi um dos artífices da candidatura de Collor ao Planalto, vitoriosa em 1989. Embora tenha se afastado do presidente acossado por denúncias de falcatruas, nada tinha a ver com os caras pintadas.
De novo, confiaram no esquecimento.
Do jeito que as coisas vão, com o despudor das versões fabricadas de acordo com as exigências propagandísticas, qualquer hora vão dizer que Collor liderou os caras pintadas contra… o presidente Collor. Ou que o coronel Ustra lutou pela democracia.
Não custa enfatizar que esse tipo de engambelação não é exclusividade do PMDB. Se não é possível generalizar, afirmando que todos os partidos agem assim, é notório que o falseamento da história tem sido constante.
Mário Magalhães
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Em mais um dia daqueles, isto é, de acintoso brilhantismo, Luis Fernando Verissimo brinca hoje sobre os “crimes” que justificariam a pena de morte.
Haveria também outras punições severas, escreveu o filho do Erico: “Casal que se chama de ‘fofo’ e ‘fofa’: banimento para a Ilha do Diabo, ou similar”.
Eu me lembrei de coisa pior: mulher que chama o marido de “paiê”, e o marido que chama a mulher de “manhê”.
Eles tentam imitar o tratamento dos filhos.
Às vezes, fico matutando se repetem o tratamento nas horas íntimas. Coisa de Édipo, Electra, sei lá…
O começo da coluna de hoje do Verissimo, “Penas e pênaltis”, está abaixo. Para ler a íntegra, clique aqui.
* * *
Verissimo:
“Sou radicalmente contra a pena de morte, mas faço algumas exceções. Quem conversa no cinema durante todo o filme e, por uma estranha deformação da lei das probabilidades sempre senta atrás de você, merece execução sumária.
Quem liga o seu celular no meio do filme para ver se tem alguma mensagem, e por outra cruel casualidade sempre senta do seu lado: execução sumária – se possível por garrote vil.
Gente que imita aspas com dois dedos de cada mão… Está bem, isto é só uma implicância minha. Sete anos de trabalho forçado.
Casal que se chama de “fofo” e “fofa”: banimento para a Ilha do Diabo, ou similar.”
Mário Magalhães
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Eu sabia que o pessoal do Clube da Esquina tangenciara a história da guerrilha contra a ditadura. Em Belo Horizonte, eles faziam serenatas na porta da casa de uma bela moça, Lucinha. O problema é que o pai da Lucinha tinha vida clandestina, e as visitas dos jovens músicos enamorados contribuíram para ele partir.
O pai se chamava Mário Alves de Souza Vieira, era baiano e seria assassinado na tortura em 1970, quando se empenhava na luta armada.
Ontem fiquei sabendo de outra passagem, graças à coluna do Ancelmo Gois. Ele contou que o Márcio Borges, um dos expoentes daquela turma mineira, está escrevendo um livro de memórias.
O Márcio contará que, bem antes de a canção ser gravada, mostrou “Vera Cruz” para uma colega de escola e de movimento estudantil. (A composição lindíssima, parceria dele com Milton Nascimento, pode ser ouvida clicando na imagem acima. Entre as feras que acompanham Milton, estão Wagner Tiso e Victor Biglione.)
A colega de Márcio, ainda nos anos 1960, era Dilma Vana Rousseff.
A futura guerrilheira e presidente chorou ao ouvir o amigo cantar a novidade.
Mário Magalhães
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