Blog do Mario Magalhaes

O pressentimento do Zagallo e o fator Seedorf
Comentários Comente

Mário Magalhães

O craque Seedorf, termômetro do Botafogo – Foto Divulgação/Vitor Silva/SSPress

 

( O blog agora está no Facebook e no Twitter )

Mal acabara a semifinal da Copa de 98, no velho estádio de Marselha, quando alguém perguntou ao Zagallo se ele pressentira que a seleção prevaleceria sobre a Holanda. Ele disse que sim, ao saber, minutos antes do mata-mata, que o Clarence Seedorf estaria no banco, e não em campo.

A partida foi renhida, e só chegamos aos pênaltis graças à crise da relação entre o Kluivert e a bola. O holandês fez um gol, mas desperdiçou outros tantos e estragou jogadas. Triunfamos nas cobranças, depois de o Velho Lobo motivar seus batedores _houve quem ridicularizasse a cena, para mim comovente.

No meio do jogo, uma colega correu para vomitar no banheiro da tribuna de imprensa, tamanho seu nervosismo. Outro amigo ansioso, chileno-paulista, ficou do lado de fora, batendo papo com um guarda. Um eminente escritor até hoje reitera que não gosta de decisão em pênaltis, porque seriam injustos. Só por isso, ele recapitula em suas crônicas, retirou-se antes das cobranças naquela noite. Minha impressão foi outra: nosso querido imortal, gente boa, estava se pelando de medo de enfartar.

Foi mesmo uma jornada de matar, que só evoco para mostrar como Zagallo, que sabe muito de futebol, já identificava o talento assombroso do Seedorf. Recordei a passagem de 15 anos atrás ao ver o surinamês-holandês macambúzio, na ponta-esquerda do Botafogo, durante todo o primeiro tempo do clássico da quarta-feira contra o Flamengo.

Não jogou nada. Seu time atuou com dez e levou um baile que poderia ter se transformado em goleada. Seedorf errou passes, apanhou da bola, não marcou _uma nulidade. Como tem sido recentemente. Uns dizem que está com os joelhos em pandarecos. Outros, que o clima com os companheiros azedou.  A maioria constata o óbvio: aos 37 anos, não é mais o garoto que fez o Zagallo vibrar ao vê-lo na reserva _ele entrou mais tarde, no Vélodrome. E o calendário dos futebolistas beira a insanidade.

No segundo tempo, contudo, a história mudou. Logo deu para ver que, da solidão no extremo canhoto, Seedorf passou a jogar no círculo central, organizando a equipe. Como seu cérebro, comandou-a na etapa em que encurralaram o Flamengo e deixaram de enfiar o chocolate que as circunstâncias proporcionavam.

Seedorf e Oswaldo de Oliveira são muito inteligentes. Se o velho craque não estava no meio antes é porque devem avaliar que ele não segura o ritmo quando os adversários ainda estão descansados.

É cada vez mais evidente que, com Seedorf bem, o alvinegro vai bem. E vice-versa. Como ele tem jogado mal, o Botafogo decaiu.


Major Pricilla: um perfil
Comentários Comente

Mário Magalhães

Em março de 2011, Pricilla entre Michele Obama e Hillary Clinton – Foto reprodução

 

( O blog agora está no Facebook e no Twitter)

Com o desaparecimento do pedreiro Amarildo de Souza, as suspeitas de que o sumiço tenha sido obra de policiais militares e a queda do major Edson Santos do comando da Unidade de Polícia Pacificadora da Rocinha, o governo do Rio de Janeiro escalou para assumir a UPP da favela o oficial PM de maior credibilidade no Estado.

A rigor, uma oficial, a major Pricilla Azevedo.

Eu já havia lido algumas reportagens sobre Pricilla. Mas aprendi muito mais com o perfil inédito, de autoria da jornalista Débora Thomé, publicado agora pela primeira vez.

O perfil inaugura em alto estilo colaborações de amigos generosos para o blog. Débora trabalhou nos jornais “O Globo” e “O Estado de S. Paulo”. Fez mestrado em ciências políticas, no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Hoje se dedica à edição de livros. E está lançando um escrito por ela própria: “O Bolsa Família e a social-democracia” (Editora FGV).

Boa leitura.

*

Por Débora Thomé

Pricilla de Oliveira Azevedo, de 35 anos, é, segundo ela própria, muito medrosa. Enfrentou tiroteios, viu colegas serem baleados à queima-roupa, foi sequestrada, espancada e fugiu duas vezes do cativeiro, comandou 120 policiais na primeira experiência da Polícia Pacificadora do Rio de Janeiro, mas, mesmo assim, diz ter muito medo. “De quê?”, pergunta a repórter: “De cachorro e temporal. Morro de medo!”

Pricilla Azevedo, ou melhor, Major Pricilla, foi escolhida para comandar a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha. Assumiu este mês com a tarefa árdua de tirar a mácula da polícia no local, depois das suspeitas quanto ao sumiço do pedreiro Amarildo, desaparecido há mais de dois meses. Seu nome não foi indicado à toa para o cargo: a UPP da Rocinha é vitrine da mais famosa política do governo do Rio de Janeiro.

A major resolveu bem cedo, aos 17 anos, que faria a prova para oficial da Polícia Militar, acompanhando o irmão e inspirada por um tio. Fez a prova e descobriu, enquanto esperava na fila do banco, que tinha sido aprovada. Abandonou rapidamente a fila e o noivo – quando ele disse para que optasse entre ele e a Polícia – e foi se internar por três anos no quartel. Mais de uma década depois, tornou-se a primeira comandante de uma UPP.

Era dezembro de 2008 quando, pelo rádio da viatura, soube que seria a responsável por uma nova experiência de policiamento comunitário na favela do Morro Santa Marta. Tomou um susto: “Mas por que eu?” Ninguém respondeu, e até hoje ela não sabe muito bem os motivos. Por duas semanas, guardou segredo absoluto e mudou-se para o morro a fim de começar a preparação junto com a centena de policiais que comandaria. A partir dali, foram dois anos indo apenas duas vezes por semana para casa. Dormia no quartel, que fica no sopé da favela, ou na própria unidade da polícia, dentro da comunidade.

(Para quem não conhece bem o Rio: a favela Santa Marta fica incrustada no bairro de Botafogo; nela, moram cerca de 7 mil pessoas. É passagem do Centro para vários bairros da nobre Zona Sul. De carro, em 10 minutos, chega-se ao Pão de Açúcar. Está a menos de três quadras de alguns dos principais colégios do Rio de Janeiro, escolas essas que, por conta dos tiroteios pré-UPP, chegaram a blindar suas janelas.)

Santa Marta

Os primeiros dias de experiência no Santa Marta foram frustrantes: em uma tentativa de se aproximar da população, a Polícia promoveu cursos de orientação de saúde, mas nenhum morador compareceu. Foi aí que Pricilla tomou a decisão que mudaria a forma de a polícia trabalhar: se ninguém ia aos cursos, ela iria até a população. Passou a frequentar festas da comunidade, eventos, encontros e bares. Gastava o coturno subindo e descendo o Santa Marta, das mais íngremes construções da cidade.

“Passava dia e noite em função disso, porque tem gente que a gente só encontra e conhece quem é à noite. Então, dormia e acordava duas horas da manhã, com insônia, e ia fazer ronda.”

Ela entendeu que, para conseguir fazer algum trabalho ali, tinha que conhecer bem a comunidade. Depois de anos sob o poder dos traficantes, os moradores da favela não queriam conversa com a polícia ou o Estado. Estavam desconfiados e mudos. A maioria dos traficantes fugiu, mas ninguém ajudava ou dava pistas sobre tema algum.

Os dois anos com a rotina de sobe e desce acabaram com o noivado, mas fizeram com que Pricilla se tornasse querida no morro. Foi madrinha de criança e quase virou mãe.

“Um dia, estava na sede quando chegou uma mulher cheia de roupinhas e com um bebê debaixo do braço. ‘Trouxe para a senhora cuidar’, ela me disse. E continuou, dizendo que sabia que eu estava muito mais preparada para fazer isso que ela. Fiquei pensando no que ia fazer com aquela criança, que acabou mesmo passando o dia todo comigo, mas depois ficou com a mãe.”

Faltou-lhe coragem.

Pistola contra a bochecha

Mas dois anos antes, em 2007, aos 29 anos, ela a teve de sobra. Pricilla saía rumo ao culto evangélico, com a avó e a mãe, quando foi abordada por bandidos que pretendiam roubar seu carro e acabaram a levando junto. Excepcionalmente, ela não trazia a bolsa com arma e munição que sempre carregava. Teria sido sua sentença de morte. Por outro golpe de sorte, os bandidos não repararam de início que, na mala do carro, estavam todas as suas medalhas do trabalho na Polícia.

No cativeiro para onde foi levada, sete homens a ameaçaram, espancaram, enquanto se revezavam espremendo a pistola contra a sua bochecha. O pensamento de Pricilla era um só: precisava sair dali, fosse como fosse, pois sua mãe não poderia passar por isso. Tentou fugir a primeira vez; foi parar na casa de um casal de idosos que a recebeu com vassouras em riste, o que chamou a atenção dos bandidos. De volta ao cativeiro, Pricilla teve que inventar uma longa história para justificar sua mala, que fora encontrada, lotada de artefatos de polícia. Caso soubessem que ela integrava a corporação, adeus! Disse, então, que era amante de um policial, cuja mulher era a “piranha da Pricilla”. O nome verdadeiro havia sido omitido desde o começo do sequestro.

Depois de horas de torturas físicas e psicológicas, Pricilla foi colocada na mala do carro e conseguiu fugir pela segunda vez, entrando finalmente em uma casa onde um garoto a ajudou a escapar. Em todo esse tempo, sua visão parcial foi garantida por uma brecha discreta que conseguiu abrir na venda que tapava seu olho.

Para os ladrões, o saldo não poderia ser pior: 5 reais, um par de tênis usado, uma bateria ruim de carro, pneus velhos e um celular, além de décadas, somadas, de prisão. Pricilla nunca mais conseguiu localizar o menino que a salvou, mas, dois dias depois do sequestro, cinco dos bandidos estavam presos. Os outros dois também foram presos; o último deles, apenas no ano passado.

No dia seguinte ao crime: enquanto o comandante do batalhão tentava enrolá-la e dissuadi-la, Pricilla, que tinha ido trabalhar, deu mais um jeito de escapar: fazia questão de prender os homens que a tinham torturado. E assim foi.

Esse ato de bravura – somado ao reconhecimento pelo trabalho na comunidade – a fez apertar a mão de duas das mulheres mais poderosas do mundo: Hillary Clinton e Michele Obama, em março de 2011, no prêmio Mulheres de Coragem, nos Estados Unidos. Desta vez, novamente, pensou na mãe, na emoção que devia estar sentindo ao ver sua filha.

Apesar de ser de uma família de classe média baixa, com o pai funcionário público e a mãe professora, divorciados, Pricilla contou com o apoio da avó e muito trabalho materno para garantir o pagamento da mensalidade do colégio particular. Conheceu as drogas cedo, ainda na escola, mas nunca as consumiu. E o tema tampouco faz parte de seu discurso. Adora ir à praia, acampar e fazer caminhadas. Chegou a ter dúvidas entre estudar direito e ir para a polícia. Acabou voltando à universidade muitos anos depois. “Este ano me formo, se Deus quiser”, diz. Já são 12 anos tentando terminar a faculdade, interrompida inúmeras vezes por conta do trabalho.

Fogo cruzado

Ela é persistente, e essa dureza Pricilla fortaleceu nos três anos de internato no quartel. A rotina de exercícios começava às 5 da manhã, sendo que, quando um dos colegas cometia alguma falha, cinco minutos de sono eram tirados de todos. Os lençóis tinham que ser milimetricamente colocados, com a marca da Polícia no meio do colchão. “Eu adorava dormir, então a saída foi passar a dormir no chão, assim deixava a cama intacta e perfeita.”

Junto com ela estavam outras 23 mulheres. Vinte e uma se formaram, apesar de terem que executar, diariamente, a mesma tarefa dos homens, correndo com o armamento pendurado ao corpo. Desde então, aprendeu a atirar até mesmo de armas de grosso calibre, mas nunca foi habilidosa. O mais difícil para ela, lembra, não era nada disso, mas, sim, aprender a ficar sempre séria. Este era seu grande desafio: disfarçar a graça que via em tudo aquilo.

É com a leveza de quem conta que tomou café com leite pela manhã que a major relata histórias dos diversos confrontos de que participou ao longo da vida, nos quais carregava e atirava com um fuzil Para-FAL 556, uma das armas mais potentes da polícia do Rio. Seu maior problema era o pesado colete à prova de bala: era comum sair carregando 30 quilos entre armas, colete e munição. Pricilla não revela, de forma alguma, se chegou a matar alguém em confronto, mas se lembra bem da primeira vez em que viu um tiro à queima-roupa, desde o momento em que a bala saiu da arma do traficante até atingir um policial.

A cena ocorreu em meio ao pior fogo cruzado de que já participou. Ela estava de plantão justamente nos dias de Carnaval. “Nestas situações, a gente fica torcendo para dar problema, para o serviço passar mais rápido.” Quando os policiais saíam da ronda da favela, por uma distração, estavam dentro dos carros – o que Pricilla explica nunca deve ser feito, por segurança. Na hora em que determinou que os policiais deixassem as viaturas, começou a chuva de tiros. Pricilla manteve a calma, abrigada atrás de um poste. Foram 40 minutos, pelo menos, sob o barulho de fuzis. Era dia de desfile, e as pessoas corriam levando as enormes fantasias embaixo do braço, desesperadas.

A adrenalina dessa e de outras ocasiões segue no corpo, pelo menos, até dormir. No dia seguinte, tudo volta ao normal. “Na hora, a gente só fica na vontade de resolver aquilo. E não adianta ir para casa, pois não passa.”

Mulata jambo, Pricilla versão à paisana usa tons pastéis e anel e cordão de ouro trabalhados sem ostentação: é uma militar de patente reconhecida. E mesmo vivendo num país como o Brasil, machista e racista, diz que não sofreu preconceito por ser mulher ou por ser negra. “O que eles fazem, em uma operação, é me proteger. Meu namorado foi o único homem de quem ouvi que uma mulher não ia mandar nele.” Pricilla jura que a hierarquia do militarismo faz com que todos a respeitem.

Entretanto, nem todo dia é assim. Certa vez, um superior deu um soco na mesa ao ouvir dizer que uma mulher comandaria a Polícia Militar no Rio de Janeiro. “Isso não vai acontecer nunca!”, bradou. Hoje, uma mulher já é a chefe da Polícia Civil e a major Pricilla é conhecida como dos nomes preferidos do Secretário de Segurança José Mariano Beltrame. No meio, dizem que ela só não tem mais poder justamente porque ainda não está no alto da hierarquia. Com sua idade, ainda tem muito tempo.

Quando saiu do Santa Marta, Pricilla se tornou coordenadora geral de Programas Estratégicos para as UPPs, trabalhando internamente na Secretaria de Segurança. Sentia muita falta dos dias emocionantes na rua. Se ela queria mais trabalho e emoção, a Rocinha parece ser o local certo.


Carga pesada: a história anda de caminhão
Comentários Comente

Mário Magalhães

 

( O blog agora está no Facebook e no Twitter )

Em Diamantina

A vida desse caminhão-museu é andar por esse país, guardando _e contando_ a recordação das lutas sociais pela terra. É uma dessas ideias inspiradas que desatam a curiosidade: por que ninguém a teve antes?

Como um transformer, o caminhão Iveco Tector virou uma exposição itinerante empenhada em reconstituir a batalha por um lugar para viver e trabalhar desde que a frota do Cabral fundeou em mares baianos. Dos índios aos contemporâneos do Chico Mendes, cujo assassinato está na bica de completar um quarto de século.

Ao percorrer as estradas, desfilando seu amarelo-cheguei, funciona compacto, mão fechada. Ao se instalar nas cidades, os dedos se abrem, e cidadãos que jamais tiveram a oportunidade de pisar num museu se deparam com um complexo high-tech.

Do lado esquerdo, painéis evocam figuras vinculadas às contendas agrárias, do Visconde do Uruguai e Euclides da Cunha a Leonel Brizola e Elizabeth Teixeira. Subindo a escada, encontra-se uma biblioteca de meio milhar de volumes, boa parte de livros de arte, povoada de mesas e cadeiras. Telas de computadores, à disposição de quem quiser, exibem as trajetórias de personagens e recapitulam épicos nacionais.

Do lado direito, imagens gigantes tratam de temas como arraial de Canudos e latifúndio. Os visitantes, que nada pagam pelo passeio no museu sobre rodas, tiram fotos com roupas típicas de cangaceiro, tropeiro e Chica da Silva _poucos querem se vestir de escravo.

Duas salas de vídeo passam filmes de curta metragem feitos para o projeto. O que reconta o massacre de Canudos, com rigor histórico e ritmo de tirar o fôlego, tem locução de Maria Bethânia. A saga indígena de 500 anos, de Letícia Sabatella. Outros artistas emprestam suas vozes, como Chico Buarque, Vera Holtz, Wagner Moura, Gilberto Gil, Regina Casé, Dira Paes e José Wilker. Todos trabalharam de graça.

Atrás do caminhão, montaram um karaokê. Há também um teatro. Os guias são estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais, instituição que teve de graduandos a doutorandos produzindo os textos que narram o passado.

O caminhão-museu foi batizado como Sentimentos da Terra. A curadoria é da historiadora Heloisa Starling e do artista visual Gringo Cardia. Idealizadora do projeto, Heloisa disse que ouviu uma recomendação do ex-presidente Lula: “Tem que fazer sucesso em Ipanema e na Raposa Serra do Sol”.

O Caminhão-Museu Sentimentos da Terra é uma parceria da UFMG com o Ministério do Desenvolvimento Agrário. Ficou pronto em março e já fez nove turnês. Saiu por R$ 1,8 milhão, custo bem menor do que o de quase todos os museus em construção no Brasil.

No sábado, eu o conheci em Diamantina, cidade mineira que abriga o Festival de História. No mesmo grupo estava o historiador Kenneth Maxwell. Hoje o inglês dedicou sua coluna na “Folha de S. Paulo” ao caminhão. Com o título “Boas notícias”, ela pode ser lida clicando aqui.


Morre Diva Burnier, militante contra a ditadura e colega de Dilma na prisão
Comentários Comente

Mário Magalhães

( O blog agora está no Facebook e no Twitter )

Morreu em São Paulo a economista Diva Burnier, veterana de combates à ditadura (1964-85), ex-militante da Ação Libertadora Nacional (ALN) e companheira de prisão da hoje presidente Dilma Rousseff.

No começo do ano, Diva sofrera duas fraturas de crânio. Meses depois, um acidente doméstico provocou fratura na bacia. Ela faleceu na tarde da quarta-feira, aos 67 anos.

Presa política na virada da década de 1960 para a de 70, Diva integrou o coletivo da Torre das Donzelas, como foi batizado o espaço do Presídio Tiradentes que abrigava mulheres. Uma de suas colegas de cárcere foi a então guerrilheira Dilma Rousseff, que se aplicava em grupos de estudos, como contou uma reportagem da “Isto É”. “Ela é muito engenhosa na macroeconomia”, recordou Diva Burnier em 2010.

Também no ano da eleição presidencial passada, a “Época” reconstituiu o que era a Torre das Donzelas: “As presas contam que, logo que chegavam à Torre, eram rigorosamente revistadas, obrigadas a ficar de cócoras e apalpadas pelas carcereiras. Ao passar pelas celas das presas comuns, conhecidas como ‘corrós’ – o termo popular usado para descrever as ‘correcionais’, presas por crimes como ‘vadiagem’ ou ‘prostituição’ –, ouviam os gritos: ‘Carne fresca, carne fresca!’. ‘Fiquei aterrorizada quando cheguei ao Tiradentes’, diz Diva. ‘Era muita gente gritando.’ Para a maioria, porém, era um alívio chegar à Torre, porque o ‘mundão’, como chamavam a vida lá fora, começava a se conectar com o ‘mundinho’, a vida na prisão. Familiares e amigos poderiam localizá-las, ao contrário do que acontecia no Dops e na Oban. As presas podiam receber cartas – vistoriadas pela carceragem – e visitas, com alimentos, livros, discos, vitrolas, rádios de pilha ou televisões''.

Muitos anos depois, quando foi estudar na Unicamp, a futura presidente morou em uma casa de Diva Burnier.

Ontem à noite a jornalista Rose Nogueira, grande amiga de Diva, lembrou em mensagem aos amigos: “Diva foi muito valente no Doi-Codi e no quartel do Ibirapuera. Ficou depois em prisão preventiva no Presídio Tiradentes e respondeu a processo na Auditoria Militar. Na ALN, era ligada a Virgílio Gomes da Silva, o nosso Jonas, de quem foi também amiga”.

Virgílio foi assassinado na tortura em setembro de 1969, quando se tornou o primeiro “desaparecido político” na ditadura.

Diva teve três filhos.

Ela está sendo velada na Funeral Home (rua São Carlos do Pinhal, 376, Bela Vista, São Paulo).

O velório irá até as 15h. O corpo será cremado, como era vontade de Diva Burnier.


Registro da Rede é direito democrático de milhões de eleitores de Marina
Comentários Comente

Mário Magalhães

Marina Silva em 2010, quando concorreu ao Planalto – Foto Flavio Florido/UOL

 

( O blog agora está no Facebook e no Twitter )

Depois de serem aceitos nesta terça-feira os registros de um partido com nome de supositório, o Pros, e o de um que afana história alheia, o Solidariedade, constituiria estupro antidemocrático eventual veto à legalização da Rede Sustentabilidade, a agremiação de Marina Silva.

Já existem 32 legendas no país. Excluindo o PT de Dilma Rousseff, nenhuma apresenta aspirante às eleições presidenciais de 2014 com suporte popular igual ao da antiga senadora Marina Silva. No levantamento Datafolha mais recente, em agosto, ela colheu 26% da intenção de voto.

Barrar a Rede de Marina equivaleria a impedir a livre expressão eleitoral de um em cada quatro cidadãos aptos a votar.

O Solidariedade foi reconhecido a despeito de incontáveis denúncias de picaretagem na coleta de assinaturas.

A Rede, como divulgado, ainda carece do apoio de 52 mil eleitores para alcançar os 492 mil exigidos. Mas os cartórios recusaram 95 mil firmas pró-sigla de Marina sem justificar a atitude. E o partido em gestação questiona a negativa em aceitar outras 35 mil.

O aparato burocrático age contra um agrupamento em condições de lançar uma candidatura vigorosa ao Planalto. Se o Tribunal Superior Eleitoral vergar-se à operação tartaruga, apadrinhará a manobra que visa proibir milhões de brasileiros de escolher seu candidato preferido.

Há outros aspectos a considerar. Um partido tão pouco ágil na sua organização saberia comandar o Brasil? Nenhuma dessas dúvidas, contudo, elimina o fato central: é direito de Marina registrar sua Rede e por ela concorrer  ao Planalto. Assinaturas suficientes foram encaminhadas aos cartórios, nos conformes da lei.

Caso contrário, o insólito se consagrará: o deputado Paulinho com o seu Solidariedade em campo, e Marina e a Rede barradas do jogo.


Em meio à enchente do chororô, Janio de Freitas nada de braçada
Comentários Comente

Mário Magalhães

( O blog agora está no Facebook e no Twitter )

No chororô desencadeado pela negativa de algumas petrolíferas estrangeiras em investir no pré-sal, ouviu-se o eco de quem, no passado remoto, era contra a exploração do petróleo pelo Estado.

Antes, não queriam a Petrobras, favorecendo a Standard Oil e suas parceiras. Agora, lamuriam-se porque certos gringos se foram.

Páginas e telas transbordaram de tantas lágrimas, mas Janio de Freitas não se afogou, como mostrou sua coluna na “Folha”:

Janio de Freitas, ''Folha de S. Paulo'', 22/09/2013


O homem que inventou o pré-sal
Comentários Comente

Mário Magalhães

 

( O blog agora está no Facebook e no Twitter )

Uma das numerosas curiosidades do depoimento de Guilherme Estrella a Denise Luna trata de sua primeira saída da Petrobras: “No Cenpes elegemos um colega para uma vaga importante, mas a diretoria vetou porque ele era presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras. Eu pedi demissão, não aceitei. Isso era 1995, a ditadura já tinha acabado”.

Noutra passagem, ele relembra o regresso, em 2003: “Quando cheguei lá, não encontrei uma empresa de petróleo, mas uma instituição financeira que investia no setor de petróleo. Tinham acabado com os cursos fora, com as viagens para seminários. Estavam concentrados apenas na bacia de Campos, fazendo caixa, sem investir”.

Minha memória castigada talvez me traia, mas não me lembro de o jornalismo brasileiro se comover à época com as mazelas desse patrimônio nacional que é a Petrobras.

Que fale o “descobridor” do pré-sal:

*

Oito anos depois de aposentado, Guilherme Estrella foi chamado de volta ao trabalho. Dois anos depois da posse do presidente Lula, levava ao presidente os mapas dos gigantescos reservatórios do pré-sal brasileiro, concentrado na bacia de Santos. Virou o ''pai do pré-sal'' para Lula. Cotado para presidir a PPSA, que vai administrar os contratos de partilha do pré-sal, ele diz não querer nem pensar na possibilidade.

*

Nasci durante a Segunda Guerra, justamente a responsável por fazer da geologia a ciência de maior crescimento na época. Os submarinos alemães se escondiam em formações geológicas em frente aos EUA, daí a necessidade de conhecer essa ciência.

Sou de uma família classe média da Ilha do Governador, zona norte do Rio. Vivia de frente para a baía de Guanabara, que não era o esgoto que é hoje. Morávamos na Lagoa, na zona sul, mas meu pai reclamava do barulho da obra do bonde e nos mudamos.

Fui o geólogo descobridor de um dos maiores poços da bacia do Recôncavo, Miranga, no interior da Bahia, que produz até hoje. A Petrobras produzia 100 mil barris por dia. Em 1966 fiz um levantamento de Alagoas até Vitória e encontrei formações favoráveis a muito petróleo.

Tinha uma frase famosa, do geólogo americano Walter Link, de que o petróleo no Brasil era no mar, e não em terra. Com os primeiros dados, foi dada a autorização para contratar sonda e perfurar no mar.

Eu vivia no interior da Bahia e nem via os movimentos políticos, não participava de nada, mas sabia que os governos militares sempre privilegiaram a Petrobras. A empresa nunca foi uma empresa do governo, mas de governo, seja qual for.

Na época do Geisel [presidente Ernesto Geisel, 1974-1979] fizemos a primeira perfuração no mar do Espírito Santo, no campo de Guaricema. Os testes indicaram óleo, mas subcomercial. Conta-se que Geisel não aceitou e disse que ia produzir de qualquer maneira, e acabou sendo a primeira descoberta relevante do Brasil.

(Para ler o depoimento na íntegra, basta clicar aqui.)


Tapas ou petiscos, por Duarte Calvão
Comentários Comente

Mário Magalhães

Rota de Tapas, evento em curso em Lisboa – Reprodução do blog Mesa Marcada

 

( O blog agora está no Facebook e no Twitter )

Franceses, espanhóis e portugueses cultivam uma autoestima que, para o bem e o mal, reconhece ruídos na adoção de expressões estrangeiras.

Na profusão de “bares de tapas” que se proliferam aqui no Rio, eu jamais me importei com o nome. Sei que os bascos chamam suas tapas de pintxos, já me empanturrei com elas, mas os conterrâneos do Xabi Alonso não haveriam mesmo de dar mole aos castelhanos.

Só ao ler o velho amigo Duarte Calvão é que me dei conta de que “tapas” pode incomodar. O escriba português aponta o “espanholismo”.

Crítico gastronômico, Duarte escreve no saboroso blog Mesa Marcada, que mantém com colegas de Lisboa. O gajo passou a adolescência e o início da vida adulta no Rio. Estudamos na Escola de Comunicação da UFRJ. Reencontramo-nos em 1990, os dois radicados em Portugal, ele de volta à sua terra.

A opção entre o português “petisco” e o espanhol “tapas” só tangencia a crônica do Duarte sobre cervejas. O texto pode ser lido clicando aqui.

Em nome da amizade longeva, tomo a liberdade de publicá-lo abaixo, na íntegra, sem pedir licença…

*

Petiscar por Lisboa com cerveja catalã

Por Duarte Calvão

Fala-se muito do “nacionalismo” português em relação aos nossos vinhos, que creio que existe em todos os países produtores, mas menos no das cervejas, Na verdade, português que é português, como eu sou, pode ter um certo interesse por marcas estrangeiras, mas a verdade é que não dispensa no quotidiano as suas Sagres ou Superbock, que, além de nossas, são bem boas. É por isso interessante ver o esforço que a catalã Estrella Damm tem feito nos últimos tempos, sobretudo desde que em 2012 começou a ser distribuída em Portugal pela Sumol + Compal, para conquistar o seu nicho de mercado.

Tenho sido convidado para o lançamento de uma iniciativa que a marca espanhola tem promovido em Lisboa desde o ano passado, a Rota das Tapas, e parece-me um bom exemplo de como, com imaginação, se pode encontrar um lugar, ainda que pequeno, entre os escombros da “batalha” Centralcer x Unicer. Esta rota tem agora, até dia 6 de Outubro, a segunda edição e, ao que dizem os seus promotores, a da estreia foi tão bem sucedida que o número de restaurantes/bares que a ela aderiram passou de 12 para os actuais 35. E se na primeira edição a rota incidia, grosso modo, pelas zonas do Bairro Alto e Príncipe Real, nesta segunda passou a abranger também Alfama.

A Rota das Tapas (desculpo o “espanholismo” pelo facto de se tratar de uma empresa de além fronteiras…) consiste em apresentar opções de petiscaria, algumas preparadas especialmente para a iniciativa, por três euros, que incluem, além do prato, 25 cl de Estrella Damm. Quem fizer o percurso (três “escalas”, pelo menos) e votar na “melhor tapa”, habilita-se ainda a uma viagem a Barcelona, com jantar no Tickets, do chefe Albert Adrià, irmão e cúmplice criativo de Ferran Adrià.

E por falar no chefe catalão, devo dizer que a minha relação com a Estrela Damm, fundada em 1876 (cuja antiga fábrica, no centro de Barcelona, vale a pena ser visitada), passa muito pela Inedit, uma cerveja que Ferran Adriá e o seu sócio Juli Soler, pelo vistos um grande especialista na matéria, desenvolveram para a cervejeira catalã há uns quatro ou cinco anos, se a memória não me falha, e que inclui na sua fórmula “pele” de laranja e alcaçuz. Só é vendida em garrafas de 75 cl e é especialmente adequada para acompanhar comida, com uma versatilidade que me encanta. E também me encanta o preço, sempre inferior a cinco euros e muitas vezes em promoção. No Corte Inglês de Lisboa, por exemplo, está agora a 3.99 euros, mas já lá comprei duas por menos de 10 euros, numa promoção que incluía dois óptimos copos de pé, os quais dão também muito bem para vinho branco.

Mas voltando à Estrela Damm “normal”, lager estilo pilsener, e à Rota das Tapas, acrescento que também a aprecio muito, principalmente pela espuma cremosa que, além de agradável, ajuda a manter a cerveja viva mais tempo, já que retarda a saída do gás. É uma boa variação das marcas nacionais. Quanto à Rota, é experimentar, porque há de tudo, desde locais mais conhecidos a outros menos. A apresentação à Comunicação Social, por exemplo, foi no Duetos da Sé, que não conhecia e me pareceu muito simpático com alguns petiscos bem feitos, ainda que não muito originais, como moelas, ovos com farinheira, morcela com maçã ou peixinhos da horta com maionese de coentros. Para saber quais os locais que participam, só indo a um, onde lhe é entregue um mapa da rota, ou no facebook.com/estrelladamm.