Blog do Mario Magalhaes

Os doces DOC de Pelotas
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Mário Magalhães

Pelotas trocava charque por açúcar; virou a capital nacional do doce – Foto Andrea Dallevo/UOL

 

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Em Pelotas (RS)

No Rio, a Casa Cavé é campeã _a autêntica, na rua Sete de Setembro, 137, e não a confeitaria da esquina.

Em Lisboa, desde os tempos em que lá vivia, eu como pastel de nata nos Pastéis de Belém _sim, eu sei que é point de turistas.

Em Pelotas, onde estou por estes dias, a pouco mais de uma hora da fronteira com o Uruguai, é difícil escolher entre tantas casas de doces. São muitas e são boas demais.

Numa reportagem publicada na Azul Magazine, em julho de 2013, escrevi sobre a capital nacional do doce.

Eis a matéria, na íntegra:

* * * 

Os doces DOC de Pelotas

Quem se acomoda em uma mesinha da Doceria Márcia Aquino, numa borda da praça Coronel Pedro Osório, em Pelotas, pode se deleitar com a visão do piso de ladrilhos coloridos.

Se levantar a cabeça e percorrer com os olhos uma alameda da praça, no outro lado da rua, avistará a Fonte das Nereidas, um chafariz exuberante importado da França e inaugurado em 1873 na cidade gaúcha.

Em torno da praça, descortinam-se casarões do século XIX, expressão da arquitetura neoclássica e outras escolas. O cenário constitui herança da opulência do charque, a carne seca e salgada cuja produção se disseminou desde o último quarto dos anos 1700.

O negócio promoveu Pelotas a rincão mais abastado da velha província do Rio Grande do Sul, ao lado da capital, Porto Alegre. Em 2013, os dois municípios, separados por 250 quilômetros, passaram a ser ligados por voos da Azul.

O sobrado número 6, erguido em 1879, tinha como dono um barão do charque. Sob as sacadas, abrem-se pequenas janelas do porão, testemunho do abismo social dos tempos coloniais: ali, instalava-se a senzala onde sobreviviam os escravos.

Se o comensal deixar a doceria para trás e caminhar alguns passos à esquerda, dará com o Teatro 7 de Abril, de 1831, dos mais antigos do país. Se sair à direita, vai se deparar com o mercado público, de meados do século retrasado. Entre o teatro e o mercado, esculturas transformam a praça numa galeria a céu aberto.

Mas não é preciso se levantar da mesa para apreciar de perto uma obra de arte: basta pedir uma das guloseimas que celebrizaram Pelotas como a capital nacional do doce. E que desde o ano passado, com o certificado oficial de indicação de procedência, voltam a ser preparadas conforme a tradição consagrada no apogeu dos salões aristocráticos dos palacetes locais.

Com o selo de autenticidade concedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial, os Doces de Pelotas, agora com maiúsculas, têm de ser fabricados artesanalmente, na cidade e seus arredores, com o rigor e o encanto das receitas transmitidas de geração em geração.

Os doces daqui conquistaram o estatuto da cachaça de Paraty (RJ) e do café da Serra da Mantiqueira (MG), também Indicações Geográficas Brasileiras. Assim como, além da outra margem do Atlântico, queijo Gruyère e presunto Parma são denominações de origem controlada, DOC.

Somam 14 os doces chancelados, quase todos com matriz na doçaria portuguesa desembarcada com os imigrantes. A cultura doceira prosperou com pitadas de sal: a carne salgada _o charque_ era trocada por açúcar na Bahia, pois não se plantava cana no Sul.

A escalação dos doces é de se lambuzar: amanteigado, beijinho de coco, bem-casado, quindim, ninho, camafeu, olho de sogra, pastel de Santa Clara, papo-de-anjo, fatia de Braga, trouxas de ovos, queijadinha, broinha de coco e doces cristalizados de frutas (como as passas de pêssego).

A quatro quadras e meia da praça central, a confeitaria Delícias Portuguesas, na rua General Osório, oferece amostras soberbas dessa culinária dominada por açúcar e gemas de ovos. Lá eu devorei o pastel de Santa Clara. A época é boa: não há clima melhor para doces do que o inverno pelotense, com termômetros abaixo dos dez graus.

Os doces certificados não podem ser congelados, para preservar textura e sabor, o que impede exportação em larga escala. A validade máxima varia de sete a dez dias, ainda que sob refrigeração.

Conservantes e colorantes são vetados _o amarelo do quindim resulta genuinamente da cor da gema. O bem-casado é recheado com ovos-moles, sem o novidadeiro doce de leite. Leite condensado é sacrilégio nos “doces DOC” de Pelotas, e até leite de vaca é raríssimo.

“Tivemos que fazer pesquisas, resgatar o histórico das receitas”, recapitula Maria Helena Jeske, presidente da Associação dos Produtores de Doces de Pelotas. “Até maisena estavam pondo em ovos-moles”, horroriza-se.

Maria Helena conta que um cliente de Brasília jura se ajoelhar sempre que recebe suas remessas. Quem já provou um bem-casado de Pelotas sabe que a imagem não é figurada: esses doces merecem mesmo reverência.

* * *

 Selo expõe DNA das guloseimas

Os doces com indicação de procedência são servidos sobre a forminha de papel e um plástico chamado renda. Dois adesivos são colados na renda: um identifica o produtor, o outro informa um código e remete ao site www.docesdepelotas.org.br.

Digitando o código, a página esclarece a data de fabricação e a validade do doce. E rastreia todos os ingredientes, desde a origem. Sabe-se qual foi o fornecedor dos ovos e até quando pode ser consumida a farinha de trigo.

O conselho regulador da associação dos produtores verifica a obediência aos padrões, da receita à higiene. Inexiste estatística, mas é crescente em Pelotas a presença dos docinhos com selo de autenticidade.

Todos esses cuidados conspiram para o prazer de quem suspira por doces de excelência, que costumam custar menos de 3 reais a unidade.

* * *

 Terra de cultura e arte

Os doces eram servidos já nos antigos saraus literários e musicais de Pelotas, reduto de intensa vida cultural.

Por aqui passaram os franceses Jean-Baptiste Debret (1768-1848), pintor, e Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853), naturalista. A cidade foi berço do escritor João Simões Lopes Neto (1865-1916). E projetou o cartunista e escritor Aldyr Garcia Schlee, criador da camisa canarinho da seleção.

Aldyr vive em Pelotas, perto de outros grandes artistas, como o compositor Vitor Ramil, a poeta Angélica Freitas e o quadrinista Odyr Bernardi. Vitor é irmão de Kleiton e Kledir, dupla pelotense.

Nas ruas e museus, veem-se esculturas de Antônio Caringi (1905-81) e pinturas de Leopoldo Gotuzzo (1887-1983). A Charqueada São João, onde foi filmada a minissérie A casa das sete mulheres, é aberta à visitação.

(Azul Magazine, julho de 2013)


Memorabilia fut (1): Ronaldo, do Barcelona
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Mário Magalhães

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No princípio, Ronaldo Luís Nazário de Lima era só Ronaldo.

Com a convocação às pressas do são-paulino Ronaldo para a Copa de 94, foi preciso diferenciar os xarás da seleção. O zagueiro virou Ronaldão, e o atacante, Ronaldinho.

Logo, na Europa, Ronaldinho viraria Ronaldo, o Fenômeno.

Na temporada 1996-97, contratado do PSV Eindhoven e antes de partir para a Internazionale, Ronaldo fez 49 jogos e marcou 47 gols pelo Barcelona _conforme os números da Wikipedia. Elegeram-no o melhor do mundo.

Foi só uma temporada pelo Barça, infelizmente. Mais tarde, Ronaldo seria contratado pelo Real Madrid, clube com o qual hoje mantém vínculos afetivos maiores do que com o rival catalão.

Ganhei o bonequinho blaugrana da prima brasileira-catalã. Ele repousa nas minhas estantes com livros de futebol.


No Rio, ocupação exigirá que antigo prédio do Dops vire centro de memória
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Mário Magalhães

Antiga sede da polícia política do DF, no Rio – Foto Pedro Oswaldo Cruz/Acervo Inepac

 

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Daqui a dez dias começa uma ''ocupação cultural e política'' diante do prédio que durante décadas sediou a polícia política do Distrito Federal e, mais tarde, dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro.

O movimento ''Ocupa Dops'' reivindica a transformação do edifício _inaugurado em 1910_ em ''espaço de memória da resistência''.

O Dops era o Departamento de Ordem Política e Social, uma das várias denominações da polícia política no século XX. Um sem-número de brasileiros e estrangeiros foram presos, torturados e mortos em suas dependências no Rio.

(Carlos Marighella, personagem que biografei, lá esteve em cana em 1936, quando foi torturado, 39, 45 e 64.)

A convocatória para o ato, que ocorrerá em 21 e 22 de março, afirma: ''Enquanto não podemos estar do lado de dentro, estaremos em frente ao prédio, onde serão realizadas diversas atividades com grupos que exercem a resistência em seu cotidiano. Teremos debates, aulas públicas, apresentações teatrais, de samba, capoeira, hip-hop, dança contemporânea, projeções audiovisuais, entre outras. A ideia é que o Ocupa Dops seja um espaço múltiplo para a articulação de grupos, movimentos, entidades e indivíduos autônomos em torno da discussão sobre a violência cometida pelo Estado ontem e hoje; e que seja um espaço ocupado com frequência!''.

A transformação do prédio símbolo da repressão política em centro de memória é bandeira tradicional das organizações de defesa dos direitos humanos. O imóvel na esquina da rua da Relação com rua dos Inválidos continua servindo como repartição policial. Segmentos da corporação fazem campanha para que, em vez de contar a história da violência contra os cidadãos, seja o museu da polícia.

Para mais informações sobre a manifestação, basta clicar aqui.

Entidades como a Anistia Internacional Brasil e o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro assinaram um manifesto para que o velho Dops passe a ser centro de memória. O manifesto pode ser lido aqui.


Em São Paulo: Festival da Mantiqueira terá ‘esquenta’ no dia 1º de abril
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Mário Magalhães

blog - festival da mantiqueira

 

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Boa notícia: a edição deste ano do Festival da Mantiqueira – Diálogos com a Literatura começa mais cedo e em São Paulo, permitindo a participação de quem não pode ir até São Francisco Xavier, o distrito de São José dos Campos que acolhe o festival.

No dia 1º de abril, data do cinquentenário do golpe de Estado, haverá duas mesas no Teatro Sérgio Cardoso, na capital paulista. Só tem fera, autores convidados pela curadora Josélia Aguiar. A entrada para o Esquenta Mantiqueira é gratuita.

A partir das 19h30, os jornalistas Eliane Brum, Caco Barcellos e Daniela Arbex, com mediação de Ivan Marsiglia, conversarão sobre ''As margens de um país'' (''Encontrar, narrar e publicar histórias brasileiras que, por distantes, esquecidas ou silenciadas, estão fora do campo de visão: a experiência de autores de não ficção que construíram trajetórias singulares com reportagens, documentários e livros de impacto nacional'').

Às 21h, inicia a mesa do escritor Luiz Ruffato e do cineasta Kleber Mendonça Filho, com mediação de Flavio Moura: ''Na periferia do mundo'' (''Num país de estruturas arcaicas, como fazer arte que se distingue e ressoa internacionalmente pela força de sua invenção e intervenção: autores que atuam na literatura e no cinema, o difícil e o possível'').

Depois do esquenta na pauliceia, o festival rola na aprazível São Francisco Xavier, de 4 a 6 de abril. Cristovão Tezza fará a conferência de abertura, ''Literatura à margem'' (o tema da sétima edição do Festival da Mantiqueira é ''À margem'').

No dia 5, uma turma de responsa tratará de ''Histórias a contar da ditadura'': Bernardo Kucinski e Daniel Aarão Reis, com a moderadora Noemi Jaffe.

Tem muito mais.

Para saber que autores já estão confirmados no Festival da Mantiqueira, basta clicar aqui.


Há 80 anos, antifascistas expulsaram extrema direita da praça da Sé
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Mário Magalhães

Em outubro de 1934, integralistas como os da foto acima foram corridos do Centro de São Paulo

Em outubro de 1934, integralistas como os da foto acima foram corridos do Centro de São Paulo

 

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História: além de efemérides como os cem anos do começo da Guerra Mundial, os 60 do suicídio de Getulio Vargas e os 50 do golpe de Estado que depôs João Goulart, 2014 marca o aniversário de oito décadas do episódio que se tornou célebre como Batalha da Praça da Sé.

Em 7 de outubro de 1934, o Centro paulistano se transformou em palco de combate entre integralistas (os fascistoides brasileiros) e antifascistas, que os expulsaram.

Há cinco anos, recapitulei o entrevero, na reportagem ''Sangue na praça da Sé'', publicada na ''Folha de S. Paulo''.

Ei-la, na íntegra:

* * *

Sangue na praça da Sé

A batalha durou mais de meia hora'', datilografou o escritor Plínio Salgado. ''O conflito durou seguramente uma hora'', cronometrou o jornal ''A Offensiva'', que o próprio Plínio, chefe da AIB (Ação Integralista Brasileira), dirigia no Rio. O jornalista Mário Pedrosa ouviu de um camarada húngaro: ''Foram quatro horas de ditadura do proletariado''.

Aos 95 anos de idade, Sara de Mello não se lembra do tempo por que a refrega se arrastou, mas recorda a frase do amigo Miguelzinho ao vê-la remexendo o bolso do casaco pouco antes do confronto: ''Passa essa arma para cá''.

''Que arma nada'', ela conta ter respondido. ''É a minha mão que está aí dentro.'' Ao contrário de companheiras como a atriz Lélia Abramo, Sara não ganhou revólver e recebeu ordem para se plantar na confluência da praça da Sé com a rua Direita, no centro de São Paulo.

''Anauê''

Naquela ''tarde funesta e luminosa'' de 7 de outubro de 1934, como a descreveu o escritor Paulo Emílio Sales Gomes, logo se deflagraria o que se conheceria como Batalha da Praça da Sé: seis mortos e ao menos três dezenas de feridos graves no embate entre antifascistas e integralistas.

Os integralistas representavam a extrema direita, defensora de nacionalismo renhido, família, igreja e propriedade privada. Mimetizando fascistas italianos e nazistas alemães, formavam milícias, vestiam uniforme (verde) e proclamavam saudações (''Anauê''). No porvir, negariam identidade com os europeus.

Os antifascistas agregavam uma miríade de organizações de esquerda que viviam às turras entre si: stalinistas do Partido Comunista, trotsquistas da Liga Comunista Internacionalista, socialistas, anarquistas, sindicatos e adeptos de Miguel Costa, líder de rebeliões da década de 1920 -e pai de Miguelzinho, o amigo de Sara.

Para aquele domingo de 75 anos atrás, a AIB marcou uma celebração pelo segundo aniversário do Manifesto Integralista. Levou 10 mil seguidores, conforme cálculos de fontes diversas, à Sé ou aos arredores.

Seus inimigos interpretaram a iniciativa como demonstração de força inspirada na marcha sobre Roma, ofensiva fascista de 1922 que impulsionou Mussolini ao poder. Mobilizaram-se para barrá-la.

O vínculo com a Itália fazia sentido também para um liberal, o magnata do jornalismo Assis Chateaubriand.

Polícia rachada

Testemunha acidental -ele se escondeu em prédios da Sé para se proteger do fogo-, Chatô disse ter assistido em 1920, em Milão, a cena ''absolutamente idêntica'': luta de rua entre fascistas e comunistas.

Abaladas pela crise econômica, as democracias liberais pareciam naufragar nos anos 1930. Demorariam a recuperar o leme da história. Os extremos alargavam influência.

Em julho de 1934, Getulio Vargas, de bom convívio com os camisas verdes, se transformara em presidente constitucional eleito pelo Congresso.

Na praça da Sé, como reflexo da polarização política, tomaram partido até os membros do aparato de segurança escalados para garantir a lei.

Os agentes das delegacias de ordem política e social combateram a tiros os antifascistas. Soldados da Força Pública dispararam contra integralistas.

A ação militar da esquerda foi coordenada por João Cabanas, antigo tenente da Força Pública. Ele dispôs atiradores em prédios da praça, notadamente o Santa Helena. Demolido em 1971, o palacete deu nome ao grupo de artistas que ali pintavam, como Alfredo Volpi.

Outros militantes armados fincaram posição nas esquinas, aguardando as milícias que se concentravam na avenida Brigadeiro Luiz Antônio. Um deles era Joaquim Câmara Ferreira, que em 1970 seria morto pela ditadura militar.

Por volta das 15h15, ecoou a primeira saraivada de tiros sobre os integralistas. Sobreveio outra. Não chegavam a mil os partidários de Plínio já na Sé.

Os milicianos da AIB reagiram e descarregaram armas contra os antifascistas. Enquanto balas zuniam, o comunista Hermínio Sacchetta e o trotsquista Fúlvio Abramo, jornalistas, discursavam.

Filiados à AIB fugiam e deixavam as camisas pelo caminho, temendo serem reconhecidos e agredidos. Sara assistia à debandada. ''Pensei que eles teriam coragem de resistir.''

O humorista Barão de Itararé gracejou com o apelido galinhas verdes, pelo qual detratores maldiziam direitistas: ''Um integralista não corre; voa''.

Somando quem perdeu a vida na praça e nos dias seguintes, noticiaram-se seis mortes -dois agentes da polícia política, um guarda civil, dois integralistas e um comunista.

Foi ferido o trotsquista Mário Pedrosa, no futuro um prestigioso crítico de artes plásticas e o filiado número 1 do PT.

Espírita e comunista

Nos três quartos de século seguintes, a batalha da praça da Sé foi objeto de outra contenda, a de balanço histórico.

Integralistas, como o jurista Miguel Reale, rejeitaram a qualificação de ''batalha'', preferindo ''tocaia'' esquerdista.

''Tocaia é o que foi feito'', defende o editor Gumercindo Rocha Dórea, 85. ''Os integralistas saíram desbaratados. Não fizeram o desfile.'' Integralista desde a infância, ele mantém as convicções. Ocorre que Plínio Salgado empregou três vezes a palavra ''batalha'' em artigo acerca do episódio.

Alguns integralistas sustentaram que a AIB não carregava armas. Por exemplo, Goffredo Teles Junior, que viria a migrar para a esquerda.

Mas o médico Ruy Escorel Ferreira-Santos, àquela altura camisa verde, testemunhou em suas memórias: ''Muitos tínhamos armas e quero crer que, com mais razão, portassem-nas a chamada tropa de choque''.

Certa historiografia identifica Plínio avesso ao antissemitismo de outro prócer da AIB, Gustavo Barroso, presidente da Academia Brasileira de Letras em 1932, 33 e 50.

Sobrinho de Plínio, o advogado Genésio Pereira Filho, 89, afirma: ''O pensamento integralista era antinazista. Os nazistas eram materialistas, ateus e racistas. O pensamento de Plínio Salgado era exatamente o contrário disso''.

''Eles estão contra nós''

No texto a respeito da batalha, Plínio revelou-se: ''Declarei solenemente a guerra contra o judaísmo organizado. É o judeu o autor de tudo. (…) Fomos agora atacados, dentro de São Paulo, por uma horda de assassinos, manobrados por intelectuais covardes e judeus. Lituanos, polacos, russos, todos semitas, estão contra nós''.

A judia Sara de Mello -seu sobrenome de solteira é Becker, do pai lituano- lembra-se de companheiros de jornada como Noé Gertel, então acadêmico de direito, e Eduardo Maffei, à época formando de medicina.

Em seu livro ''A Batalha da Praça da Sé'', Maffei assinalou: ''Barramos o caminho ao fascismo no seu aspecto mais sanguinário''. Os integralistas reencontraram os antifascistas em novas manifestações, até serem postos -como os oponentes haviam sido- na ilegalidade, em 1937.

Nenhum remanescente da AIB soube indicar, vivo, correligionário veterano do entrevero de 34.

Sara diz que seus companheiros se foram -com exceção dela, Dórea e Pereira Filho, os citados nesta reportagem já morreram.

A caminho da praça da Sé, ela conversava com o estudante Décio Pinto de Oliveira, que morreria baleado. Ambos integravam a Juventude Comunista -Sara pensa hoje como antes. Seu amigo era também espírita. Ele disse a Sara que, se o matassem, reencarnaria para enfrentar os integralistas.


Palavras malditas (12): barbaramente torturado
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Mário Magalhães

Na “Tribuna da Imprensa”, em 1986, eu escrevia a máquina – Foto multtclique.com.br

 

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O advérbio ''barbaramente'' associado ao particípio ''torturado'' dá a entender que é possível existir forma de suplício que não represente barbárie.

Um pleonasmo, e dos mais ofensivos.

Idêntico raciocínio vale para ''cruelmente torturado'' e ''tortura cruel''.

Alguém conhece tortura não cruel?

Os exemplos são infindáveis.

Assim como não tem fim o emprego da inacreditável expressão ''barbaramente torturado''.


Vítima de racismo dias antes, árbitro se emociona com ovação de torcida
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Mário Magalhães

blog - lobo 1

Times do Pelotas e do São Luiz posam com árbitro Márcio Chagas da Silva e faixas contra racismo

blog - lobo 2

Torcida do Pelotas levou faixa de apoio ao árbitro que havia sido vítima de racismo

 

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Em Pelotas (RS)

Márcio Chagas da Silva, árbitro negro de 37 anos de idade e 15 de futebol, nunca havia sido aplaudido pela torcida em massa ao entrar em campo. Pois neste domingo, pontualmente às 16h51, ele foi não apenas aplaudido, mas ovacionado pelos torcedores do Esporte Clube Pelotas, assim que pisou no gramado do estádio da Boca do Lobo.

A manifestação foi um protesto contra as ofensas racistas sofridas por Chagas na quarta-feira, em Bento Gonçalves. Na cidade da serra gaúcha, torcedores do Esportivo, que recebia o Veranópolis, xingaram-no, colocaram bananas no seu carro e danificaram a lataria do veículo.

''Fiquei emocionado'', disse Chagas ao blogueiro depois da partida de hoje, ainda uniformizado e suado. ''Cheguei a ficar engasgado. Não é normal árbitro ser aplaudido. Achei bacana''.

No confronto entre dois fortíssimos candidatos à queda para a segundona do Campeonato Gaúcho, o Pelotas perdeu em casa para o São Luiz, de Ijuí, por 2 a 1.

A equipe pelotense exibiu uma faixa de apoio a Chagas: ''Márcio!! O Lobão está contigo. Racismo não!''. O lobo é mascote do Pelotas, clube centenário da cidade localizada pouco mais de 250 quilômetros ao sul de Porto Alegre _seu rival local é o Grêmio Esportivo Brasil.

Em campo, também foi desfraldada outra faixa contra o racismo, em nome do Sindicato dos Árbitros do Rio Grande do Sul.

''Racismo não. Força Chagas'', estampou uma faixa da torcida, em azul e amarelo, as cores do Pelotas.

Jogadores das duas equipes abraçaram o juiz.

Também neste domingo a presidente Dilma Rousseff se pronunciou no Twitter contra o racismo, solidária com Chagas e Arouca, jogador do Santos, xingado com impropérios racistas na semana passada.

Na quarta-feira, de acordo com descrição de Márcio Chagas da Silva, ele ouviu insultos desde antes do apito inicial, relatou reportagem do UOL. Eis os termos da súmula:

''Conduta do público muito ruim, hostil e desrespeitosa, com manifestações racistas por parte dos torcedores do Clube Esportivo de Bento Gonçalves. Estes proferiram as seguintes palavras quando nos dirigíamos ao vestiário da arbitragem: 'Volta para a selva seu negro macaco, ladrão, safado, imundo. Temos que matar vocês todos seus negros sujos. Márcio Chagas tu é a escória do mundo, seu lixo, mal intencionado'''.

O gesto dominical da torcida áureo-cerúlea tem ainda mais relevância, considerando um episódio recente. Neste Gauchão 2014, no qual o Pelotas agoniza, um torcedor do clube havia berrado ''macaco'' para um atleta negro visitante, como denunciou semanas atrás o próprio Chagas, que apitou a partida contra o São Paulo, de Rio Grande (RS).

De palco de uma ofensa racista isolada, a Boca do Lobo se transformou no cenário de repúdio massivo ao racismo.

Chagas distribuiu hoje seis cartões amarelos, três para cada time. Ele assinalou um pênalti incontestável para o Pelotas. Embora Sandro Sotilli tenha convertido a cobrança, sua equipe perdeu.

A arbitragem foi muito boa, conforme opinião generalizada.


Jogando a cidade no lixo, por Aroeira
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Mário Magalhães

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Aroeira, brilhante cartunista, parece ter também o dom de vidente.

A charge abaixo foi publicada em 21 de agosto de 2013, em ''O Dia''.

Aparenta ter acabado de sair do forno, não?

blog - aroeira lixo


‘Pesquisa de historiadora americana exalta direitos de mulheres soviéticas’
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Mário Magalhães

blog - cartaz vale

Cartaz soviético contra trabalho doméstico – Reprodução ''Folha de S. Paulo''

 

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Ao contrário do que sugerem numerosas futilidades abordadas neste 8 de março, o Dia Internacional da Mulher é historicamente uma jornada de luta por direitos.

É de direitos que trata a reportagem escrita pela repórter Eleonora de Lucena, publicada hoje na ''Folha'':

* * *

Pesquisa de historiadora americana exalta direitos das mulheres soviéticas

Por Eleonora de Lucena

Mulheres ganham só uma fração do que ganham os homens. Na separação, ficam com os filhos e estão mais pobres. Não têm acesso a boas creches e sofrem com a violência em boa parte do mundo.

''Mudar essa situação é tarefa das mulheres. Elas precisam falar de aborto, estupro, da insegurança de andar à noite na rua. A violência contra a mulher precisar ser inaceitável socialmente. É muito difícil mudar individualmente; é preciso mudar coletivamente.''

A avaliação é da historiadora americana Wendy Goldman, 57. Professora da Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh (Pensilvânia, EUA), ela é autora de ''Mulher, Estado e Revolução: Política Familiar e Vida Social Soviéticas, 1917-1936'', que sai no fim do mês no Brasil.

O livro, de 1993, aborda as enormes transformações sociais ocorridas na União Soviética nos primeiros anos da revolução de 1917.

Naquele ano, foi estabelecido o divórcio a pedido de qualquer um dos cônjuges (no Brasil o direito só vigoraria 60 anos depois) e o casamento civil substituiu o religioso. A URSS foi o primeiro país do mundo a dar a todas as mulheres a possibilidade legal e gratuita do aborto.

Para ler a íntegra, basta clicar aqui.


Exposição Chico Albuquerque (este, sim, um mestre da fotografia)
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Mário Magalhães

blog - chico albuquerque

Letreiro, cerca de 1955 – Foto Chico Albuquerque/Convênio Museu da Imagem e do Som – SP/IMS

 

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Poucas palavras se vulgarizaram tanto como ''mestre''.

Um dos seus significados consagrados era o de virtuose em um ofício ou conhecimento, a distinção de poucos sábios em meio a tantos pares medianos.

Hoje se vê o tratamento de ''mestre'' aplicado a qualquer zé mané: ''mestre Fulano'', ''mestre Beltrano''.

Como todos são mestres, a reverência de outrora perdeu o sentido.

Chico Albuquerque (1917-2000) é um mestre à antiga: um dos maiores fotógrafos brasileiros de todos os tempos.

Mais conhecido pelas fotografias de praia e de jangadeiros em Fortaleza, terra onde veio ao mundo, ele é o autor das 120 imagens de uma exposição em cartaz no Rio, no Instituto Moreira Salles: ''O Estúdio Fotográfico Chico Albuquerque''.

A mostra apresenta outros talentos do mestre, como o da fotografia publicitária, na qual ele foi pioneiro quando já se radicara em São Paulo.

Alguns trechos, em itálico, da divulgação do IMS:

[A exposição] tem 120 imagens que integram o acervo produzido pelo fotógrafo durante seu período de atuação profissional em São Paulo, selecionadas a partir das principais vertentes da obra do autor: fotografia publicitária, fotografia industrial e de arquitetura, retrato de estúdio e documentação urbana. O projeto expográfico incorpora, ainda, um significativo conjunto de imagens do acervo que serão exibidas digitalmente na exposição.
 
Entre as décadas de 1950 e 1970, Chico Albuquerque trabalhou intensamente com propaganda e campanhas comissionadas, atendendo clientes de setores como indústria automobilística, moda, alimentos, arquitetura e política. Paralelamente à atividade comercial, manteve seu interesse na fotografia experimental e entre as décadas de 1940 a 1960 participou do movimento conhecido como fotoclubismo, que acontecia principalmente em torno do Foto Cine Clube Bandeirante. Seu pioneirismo na fotografia de publicidade no Brasil ainda é pouco conhecido, pois apenas uma pequena parte de seu acervo de 70.000 imagens veio a público. 
 
Um dos fotógrafos pioneiros da publicidade brasileira, Chico Albuquerque profissionalizou-se no ano de 1934, fazendo retratos no estúdio da família, em Fortaleza. Já em 1942, participou como fotógrafo de cena das históricas filmagens de It’s all true, de Orson Welles, experiência que marcou sua trajetória profissional. Cinco anos depois, mudou-se para São Paulo e montou um dos mais bem equipados estúdios da cidade que, logo, transformou-se em referência no Brasil.
 
Desde 2006 o Acervo Francisco Albuquerque se encontra sob a guarda do Instituto Moreira Salles em decorrência de um convênio entre o IMS e o MIS-SP, detentor do acervo – com a interveniência e participação do Instituto Cultural Chico Albuquerque de Fortaleza – que visa a sua preservação e difusão.
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A exposição está aberta de terça a domingo, das 11h às 20h, com entrada franca.
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Para mais informações, basta clicar aqui.