Blog do Mario Magalhaes

Míriam Leitão lança romance ‘Tempos Extremos’ nesta quinta-feira
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Mário Magalhães

Foto: MÍRIAM LEITÃO LANÇA ROMANCE 'TEMPOS EXTREMOS' NESTA QUINTA-FEIRA - Aqui: http://uol.com/bydC6V

 

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A jornalista Míriam Leitão buscou nas cicatrizes da memória e nos cacos da história a matéria-prima com que criou seu primeiro romance, ''Tempos Extremos'', editado pela Intrínseca.

Do seu tempo de presa política na ditadura, Míriam conserva as cicatrizes da memória.

A repórter que cavuca os cacos da história, e denuncia as heranças perversas da escravidão, ouve o eco das trevas.

O lançamento do livro será nesta quinta-feira, a partir das 19h, na Travessa do Leblon (convite acima, extensivo a todos).

Apareçam!


Felipão chega à convocação para a Copa quase como unanimidade de crítica
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Mário Magalhães

Nesta quarta-feira, Felipão chama os 23 da Copa – Foto Julio Cesar Guimarães/UOL

 

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Não há clamor, no máximo resmungos: Luiz Felipe Scolari chega à véspera da convocação para a Copa do Mundo praticamente como unanimidade da crítica futebolística nacional.

Discute-se o reserva ou o reserva do reserva (para mim, Miranda é o zagueiro em melhor forma). Mas a nação não protesta, a despeito de não serem poucos os que consideram uma temeridade a escalação de Júlio César no gol.

Este é o país, não custa lembrar, que queria um decadente Romário na Copa de 2002 (Felipão deu de ombros aos apelos) e o exuberante Romário nas Eliminatórias para o Mundial de 94 (temeroso do desastre, Parreira cedeu na derradeira partida, na qual uma eventual derrota para o Uruguai nos custaria a vaga).

Já vimos de tudo: para a Copa América de 93, a torcida exigia Palhinha, aquele ingrato que se consagrou nas mãos do Telê e mais tarde deu de falar mal do técnico supremo. O Brasil já implorou por Palhinha…

No jornalismo esportivo, muitos esconjuravam Parreira em 94. Em 2010, outros desconfiavam do Dunga.

Pois agora consolida-se o sentimento de que Felipão é o treinador certo na hora certa, ainda mais tendo Parreira ao seu lado.

Nome por nome, não temos a melhor defesa, o melhor meio-de-campo ou o melhor ataque.

Contudo, como testamos na Copa das Confederações, Felipão montou um conjunto muito competitivo.

Quem, hoje, recusaria incluir o Brasil como um dos quatro favoritos? Mesmo que não jogássemos em casa.

O avanço em relação aos tempos de Mano é mérito sobretudo do seu conterrâneo Scolari. A seleção não costuma encantar, mas sempre é osso duro de roer. A cara do Felipão.

Li que, depois de Brasil, Argentina, Alemanha e Espanha, as bolsas de apostas na Europa colocam a Bélgica, com bom elenco, em quinto lugar.

Em relação aos quatro do núcleo duro, nada a mudar (o Brasil dependerá muito de Neymar; a Argentina, do frágil sistema defensivo; a Espanha, da coragem de Del Bosque para rejuvenescer meio e ataque; a Alemanha, de não se borrar nas calças ao encarar gigantes).

Mas, com o futebol que estão mostrando Cristiano Ronaldo, Coentrão e Pepe, eu trocaria a Bélgica por Portugal para, a pouco mais de um mês da abertura da Copa, definir os cinco favoritos entre os 32.

No essencial, Felipão tem feito a coisa certa. Mas ele não entra em campo (ainda bem, pois era um zagueiro ruim, ao contrário do bom atacante Mortoza, que agora, como auxiliar na seleção, é chamado erradamente de Murtoza, com u).


Ditadura: Dom Tomás Balduino pilotou avião para esconder perseguidos
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Mário Magalhães

blog - dom tb

Dom Tomás Balduino dá entrevista sobre assassinato de Dorothy Stang – Foto Sérgio Lima/Folhapress

 

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No finzinho da noite da sexta-feira, morreu Dom Tomás Balduino, frade dominicano, ou da Ordem dos Pregadores, como a Igreja a denomina.

Dom Tomás pregou a vida inteira contra a pobreza e a favor dos pobres. Não somente predicou: transformou a pregação em ação e foi à luta. Tinha 91 anos.

Uma década antes de sua despedida, no dia 3 de maio de 2004, entrevistei-o por telefone para a biografia que eu então preparava, do revolucionário Carlos Marighella (1911-1969).

Eu queria saber sobretudo se era verdade que o dominicano havia sobrevoado regiões da Amazônia e do Brasil Central com Marighella, que como dirigente guerrilheiro procurava áreas propícias à luta armada rural contra a ditadura instaurada em 1964.

''Infelizmente, nunca tive a honra'' de estar com Marighella ou pilotar para ele, respondeu-me, bem humorado, o bispo católico.

Ele disse que era de fato piloto-aviador. E que usou seu aviãozinho para ''dar fuga'' a militantes de esquerda perseguidos pela ditadura. Não os identificou.

Entre os dominicanos, havia um núcleo de militantes da Ação Libertadora Nacional, maior organização armada de combate à ditadura. Dirigiam-na Marighella e o jornalista Joaquim Câmara Ferreira. Dom Tomás, que se opunha valentemente aos governos de então, não a integrava.

Abaixo, reproduzo a nota oficial da Comissão Pastoral da Terra sobre o falecimento do seu fundador e uma breve biografia de Dom Tomás, também distribuída pela CPT.

* * *

Nota de falecimento

Dom Tomás Balduino, fundador da CPT, fez a sua páscoa

 

“Para tudo há uma ocasião certa;

há um tempo certo para cada propósito

debaixo do céu: Tempo de nascer e tempo de morrer,

tempo de plantar

e tempo de arrancar o que se plantou…

tempo de lutar e tempo de viver em paz”.

(Eclesiastes 3:1-8)

 

É com grande pesar e muita tristeza que a Comissão Pastoral da Terra (CPT) comunica a todos e todas o falecimento de Dom Tomás Balduino. Fundador da CPT, bispo emérito da cidade de Goiás e frade dominicano, Dom Tomás lutou por toda sua vida pela defesa dos direitos dos pobres da terra, dos indígenas, das demais comunidades tradicionais, e por justiça social. Nem mesmo com a saúde debilitada e internado no hospital ele deixava de se preocupar com a questão da terra e pedia, em conversas, para saber o que estava acontecendo no mundo.

Aos 91 anos, completados em dezembro passado, Dom Tomás Balduino, o bispo da reforma agrária e dos indígenas, nos deixa seu exemplo de luta, esperança e crença no Deus dos pobres. Ficamos, hoje, todos e todas um pouco órfãos, mas seguimos na certeza de quem Dom Tomás está e estará presente sempre, nos pés que marcham por esse país e nas bandeiras que tremulam por esse mundo em busca de uma sociedade mais justa e igualitária.

Dom Tomás faleceu em decorrência de uma trombo embolia pulmonar, às 23h30 de ontem, 02 de maio de 2014. Ele permaneceu internado entre os dias 14 e 24 de abril último no hospital Anis Rassi, em Goiânia. Teve alta hospitalar dia 24, e no dia seguinte foi novamente internado, porém desta vez no Hospital Neurológico, também em Goiânia.

O Corpo será velado na Igreja São Judas Tadeu, no Setor Coimbra, em Goiânia, até às 10 horas do domingo, dia 4 de maio, momento em que será concelebrada a Eucaristia, e logo em seguida será transladado para a cidade de Goiás (GO), onde será velado na Catedral da cidade até às 9 horas da segunda-feira, 5 de maio, e logo em seguida será sepultado na própria Catedral.

Biografia de Dom Tomás Balduino

Dom Tomás Balduino nasceu em Posse, Goiás, no dia 31 de dezembro de 1922. Ele é filho de José Balduino de Sousa Décio, goiano, e de Felicidade de Sousa Ortiz, paulista. Seu nome de batismo é Paulo, Paulo Balduino de Sousa Décio. Foi o último filho homem de uma família de onze filhos, três homens e oito mulheres. Ao se tornar religioso dominicano recebeu o nome de Frei Tomás, como era costume.

Até os cinco anos de idade viveu em Posse. Depois a família migrou para Formosa, onde seu pai se tornou promotor público, depois juiz e se aposentou como tal.

Fez o Seminário Menor – Escola Apostólica Dominicana – em Juiz de Fora, MG. Fez os estudos secundários no Colégio Diocesano, dirigido pelos irmãos maristas, em Uberaba.  Cursou filosofia em São Paulo e Teologia em Saint Maximin, na França, onde também fez mestrado em Teologia.

Em 1950, lecionou filosofia em Uberaba. Em 1951 foi transferido para Juiz de Fora como vice-reitor da então Escola Apostólica Dominicana e lecionou filosofia, na Faculdade de Filosofia da cidade.

Em 1957, foi nomeado superior da missão dos dominicanos da Prelazia de Conceição do Araguaia, estado do Pará, onde viveu de perto a realidade indígena e sertaneja. Na época a Pastoral da Prelazia acompanhava sete grupos indígenas. Para desenvolver um trabalho mais eficaz junto aos índios, fez mestrado em Antropologia e Linguística, na UNB, que concluiu em 1965. Estudou e aprendeu a língua dos índios Xicrin, do grupo Bacajá, e Kayapó.

Para melhor atender a enorme região da Prelazia que abrangia todo o Vale do Araguaia paraense e parte do baixo Araguaia mato-grossense, fez o curso de piloto de aviação. Amigos solidários da Itália o presentearam com um teco-teco com o qual prestou inestimável serviço, sobretudo no apoio e articulação dos povos indígenas. Também ajudou a salvar pessoas perseguidas pela Ditadura Militar.

Em 1965, ano em que terminou o Concílio Ecumênico Vaticano II, foi nomeado Prelado de Conceição do Araguaia. Lá viveu de maneira determinante e combativa os primeiros conflitos com as grandes empresas agropecuárias que se estabeleciam na região com os incentivos fiscais da então SUDAM, e que invadiam áreas indígenas, expulsavam famílias sertanejas, os posseiros, e traziam trabalhadores braçais de outros Estados, sobretudo do nordeste brasileiro, que eram submetidos, muitas vezes, a regimes análogos ao trabalho escravo.

Em 1967, foi nomeado bispo diocesano da Cidade de Goiás. Nesse mesmo ano foi ordenado bispo e assumiu o pastoreio da Diocese, onde permaneceu durante 31 anos, até 1999 quando, ao completar 75 anos, apresentou sua renúncia e mudou-se para Goiânia. Seu ministério episcopal coincidiu, a maior parte do tempo, com a Ditadura Militar (1964-1985).

Dom Tomás, junto à Diocese de Goiás, procurou adequar a Diocese ao novo espírito do Concílio Ecumênico Vaticano II e de Medellín (1968). Por isso sua atuação, ao lado dos pobres, no espírito da opção pelos pobres, marcou profundamente a Diocese e seu povo. Lavradores se reuniam no Centro de Treinamento onde Dom Tomás morava, para definir suas formas de organização e suas estratégias de luta. Esta atuação provocou a ira do governo militar e dos latifundiários que perseguiram e assassinaram algumas lideranças dos trabalhadores. Em julho de 1976, Dom Tomás foi ao sepultamento do Padre Rodolfo Lunkenbein e do índio Simão Bororo, assassinados pelos jagunços, na aldeia de Merure, Mato Grosso. Em sua agenda estava programada uma outra atividade. Soube depois, por um jornalista, que durante esta atividade programada, estava sendo preparada uma emboscada para eliminá-lo.

Alguns movimentos nacionais como o Movimento do Custo de Vida, a Campanha Nacional pela Reforma Agrária, encontraram apoio e guarida de Dom Tomás e nasceram na Diocese de Goiás.

Dom Tomás foi personagem fundamental no processo de criação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), em 1972, e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 1975.  Nas duas instituições Dom Tomás sempre teve atuação destacada, tendo sido presidente do CIMI, de 1980 a 1984 e presidente da CPT de 1999 a2005. A Assembleia Geral da CPT, em 2005, o nomeou Conselheiro Permanente.

Depois de deixar a Diocese, além de ser presidente da CPT, desenvolveu uma extensa e longa pauta de conferências e palestras em Seminários, Simpósios e Congressos, tanto no Brasil quanto no exterior. Por sua atuação firme e corajosa recebeu diversas condecorações e homenagens Brasil afora. Em 2002, a Assembleia Legislativa do Estado de Goiás lhe concedeu a medalha do Mérito Legislativo Pedro Ludovico Teixeira. No mesmo ano recebeu o Título de Cidadão Goianiense, outorgado pela Câmara Municipal de Goiânia.

Foi designado, em 2003, membro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, CDES, do Governo Federal, cargo que deixou por sentir que pouco ou nada contribuía para as mudanças almejadas pela nação brasileira. Foi também nomeado membro do Conselho Nacional de Educação.

No dia 8 de novembro de 2006, Dom Tomás recebeu da Universidade Católica de Goiás (UCG) o título de Doutor Honoris Causa, devido ao comprometimento de Dom Tomás com a luta pelo povo pobre de Deus.

No dia 18 de abril de 2008 recebeu em Oklahoma City (EUA), da Oklahoma City National Memorial Foundation, o prêmio Reflections of Hope. A organização considerou que as ações de Dom Tomás são exemplos de esperança na solução das causas que levam a miséria de tantas pessoas em todo o mundo. A premiação Reflections of Hope foi criada em 2005 para lembrar o 10º aniversário do atentado terrorista de Oklahoma – quando um caminhão-bomba explodiu em frente a um edifício, matando 168 pessoas – e para homenagear aqueles que representam a esperança em meio à tragédia e dedicam suas vidas para melhorar a vida do próximo.

De 22 até 29 de março 2009 foi em Roma para participar das palestras em homenagem de Dom Oscar Romero e dos 29 anos do seu assassinato.

Em 2012 a Universidade Federal de Goiás (UFG) também lhe outorgou o título de Doutor Honoris Causa. Em dezembro do mesmo ano, durante as comemorações dos seus 90 anos, a CPT homenageou-o dando o seu nome ao Setor de Documentação da Secretaria Nacional, que passou a se chamar “Centro de Documentação Dom Tomás Balduino”.


Ustra tem que explicar seu relato sobre quatro tiros no torturador Malhães
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Mário Magalhães

blog - ustra

 

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Sem querer ou querendo, o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra se tornou personagem de um mistério dentro de outro mistério, a morte do tenente-coronel reformado Paulo Malhães.

Torturador, matador e ocultador de corpos confesso, Malhães apareceu morto em 25 de abril.

Desculpem os que pensam o contrário, mas inexiste mistério em Ustra ser o primeiro a noticiar que o velho camarada de Exército passou desta para a pior. Os velhos repressores da ditadura se mantêm associados. Logo, a informação teria corrido primeiro entre eles.

O mistério, este sim incômodo para Ustra, é outro: já que ele recebeu a novidade quentinha e detalhada,  por que divulgou que Malhães foi assassinado com quatro tiros, se o falecido não foi baleado, a confiar nos dados até agora divulgados pela polícia?

Ao dar o ''furo'', o site ''A verdade sufocada'', vinculado a Ustra, enfatizou os quatro tiros. Contou que Malhães morreu na hora e que os invasores da casa do militar levaram todas as armas lá armazenadas.

Se ''A verdade sufocada'' tinha informações tão seguras sobre a invasão do sítio de Malhães, na Baixada Fluminense, sobre sua morte imediata e o roubo das armas, por que alardeou quatro tiros que não existiram?

Eram para ter existido? Em caso positivo, tornaram-se desnecessários devido à morte repentina de Malhães?

Não insinuo nada, apenas considero indispensável que Ustra seja chamado pela polícia para esclarecer qual a origem do post sobre os quatro tiros. A propósito, até hoje, 5 de maio, a informação sobre Malhães baleado continua no site que sufoca a verdade.

Ustra comandou o maior campo de concentração urbano da ditadura, o Destacamento de Operações de Informações do II Exército, em São Paulo. Enquanto esteve no DOI, de 1970 a 1974, mais de 50 oposicionistas foram mortos, a maioria sob tortura, e parcela expressiva teve o corpo ocultado.

Malhães militou no Centro de Informações do Exército (CIE). Entre outros feitos, o oficial do Exército Brasileiro matou brasileiros na tortura e, para que os cadáveres não fossem encontrados e identificados, cortou seus dedos, arrancou os dentes e extirpou as vísceras.

Em meados da década de 1970, Ustra foi deslocado para o CIE, mantendo a atividade repressiva.

A Polícia Civil do Rio de Janeiro ainda não esclareceu as circunstâncias da morte de Paulo Malhães, semanas depois de seu depoimento à Comissão Nacional da Verdade.


Alô, novela das 7: ‘reportagem investigativa’ é redundância
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Mário Magalhães

''Todos os homens do presidente'': uma história de repórteres _sem adjetivo

 

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Tomara que a nova novela das 7, ''Geração Brasil'', escape de certa maldição conceitual do jornalismo difundida pelos próprios jornalistas: o pleonasmo ''reportagem investigativa'' e suas variantes ''matéria investigativa'' e ''repórter investigativo''.

A talentosíssima Taís Araújo, pelo que eu vi nos anúncios da TV e em notícias sobre a estreia de hoje, interpreta uma jornalista na trama, protagonizada por ela ao lado de um empresário marrento vivido por Murilo Benício.

A jornalista mergulhará em investigações. Daí que já se fala em ''reportagem investigativa''.

Como inexiste reportagem sem investigação, dá-se a redundância. Qualquer matéria (sinônimo de reportagem), da mais sucinta, de curta distância, à com fôlego de maratonista exige apuração, o outro nome da investigação.

Portanto, o repórter sempre apura ou investiga. ''Repórter investigativo'' equivaleria, no futebol, a ''artilheiro goleador'' e, no jogo da vida, a ''gostosa boazuda''.

Basta dizer ''repórter''.

É diferente com as expressões ''jornalismo investigativo'' e ''jornalista investigativo'', embora, para o meu gosto, afetem presunção desmedida. Mas não estão erradas, além de darem um colorido a personagens da dramaturgia.

O jornalismo investigativo exige apuração profunda, autônoma e que incomode o poder, seja qual for o poder.

Essa espécie de jornalismo não constitui um gênero. O gênero em que aparece, em qualquer plataforma, é a reportagem.

Difere-se do jornalismo que, embora sempre requisite apuração, até para um editorial ou crônica, não implica mergulhos de grande alcance na coleta, processamento e veiculação de informações.

Boa sorte para a nova colega, que poderemos conhecer à noite.

P.S.: por coincidência, Taís Araújo tem formação acadêmica em jornalismo.


Há 20 anos morria um gênio brasileiro: Dener
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Mário Magalhães

 

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A efeméride foi em 19 de abril, duas décadas da morte do craque Dener. Uns dias a mais ou a menos, a homenagem não perde o sentido.

Para quem não o viu, o vídeo acima dá ideia de quem foi Dener. Sua agilidade era tamanha que só 15 anos mais tarde, com Neymar, surgiria um atacante brasileiro tão difícil de parar.

Eu soube do acidente em Paris, quando cobria um amistoso da seleção. O pontapé inicial no Parc des Princes coube ao Ayrton Senna, que dias depois perderia a vida na Tamburello.

Quem ama o futebol sofreu com a partida do Dener, revelado pela Portuguesa e então jogador do Vasco. Ilustres torcedores da Lusa, como o Flávio, o Duarte, a Bete e o Américo devem ter sofrido muito mais.

Nos dez anos da morte, eu vasculhei as lembranças para escrever as maltraçadas abaixo.

* * *

O dia em que o Dener pediu uma forcinha

Dener andava alegre nos primeiros meses de 1994. ''Ele tinha a felicidade do paulista que vai para o Rio e sabe desfrutar da praia'', diria Edmundo, com quem cruzava na noite carioca. Mudara-se havia pouco, em janeiro, para jogar no Vasco.

Morava de frente para o mar da Barra. Dividia o quarto da concentração com Ricardo Rocha. Certo dia, aconselhou o zagueiro, seu vizinho de prédio, a evitar o Jardim Botânico no caminho para casa: ''Pela lagoa Rodrigo de Freitas é mais bonito, a vista é espetacular''.

Foi na lagoa que Dener deixou a vida em um fim de madrugada de abril, uma década atrás. O atacante que ninguém segurava morreu com o pescoço comprimido pelo cinto de segurança. Dormia no banco do carona reclinado quando o Mitsubishi dirigido por um amigo espatifou-se numa árvore. Tinha 23 anos.

Homenagearam-no com uma placa no local, e logo abandonaram o modesto monumento. O Vasco recusou-se a pagar o seguro reivindicado pela família. Não duvido que o processo se arraste até hoje.

Em tempo de efemérides, dos 50 anos do suicídio de Getulio aos dez da batida de Senna, pouco se falou da sua tragédia. Quem me alertou para o décimo aniversário da morte do mais ensaboado atacante que assisti ao vivo foi o Paulo César Vasconcellos, numa bela crônica no ''Lance!''.

Agora que o Brasil voltou a jogar na França, o Dener não me sai da cabeça. Quando ele se foi, a seleção passava por Paris, onde se arrastaria num empate com um combinado PSG-Bordeaux. Preterido, Dener estava longe.

Em público, desdenhava: ''Quem disse que eu quero ir à Copa?''. Aos amigos, confidenciava: seu sonho era regressar à seleção. Negava que tivesse sido afastado dela por causa de uns tragos a mais.

Em campo, driblava correndo. Parecia um esquiador na neve. O magrela com nome de estilista disparava, ninguém pegava. Saía pela esquerda e pela direita, como um Homem-Aranha pra lá e pra cá nos prédios da Quinta Avenida. No Canindé, assinou gols de antologia. Contra o Santos e a Inter de Limeira, deixou times inteiros para trás.

Era enlouquecido pelos três filhos. Não perdia ''Família Dinossauro'' na TV. Adorava o Baby Sauro. Semanas antes do acidente, caíam as águas de março na tarde de São Januário. Dener chamou os jornalistas e, em conversa reservada, pediu uma forcinha. Não vinha atuando bem. Mas não queria as reportagens falando da saudade sincera que sentia da prole que vivia em São Paulo.

Temia que mandassem para o Rio as crianças que tanto amava e sempre visitava. Sabia que não seria o melhor para elas. E brincou, para depois dar uma gargalhada emoldurada pelo bigodinho bem aparado: ''Se os meninos vierem, a loira que está me namorando me larga. Mulher não gosta de homem cheio de filhos''.

Eu estava em Paris quando soube de sua morte. Escrevi um breve perfil contando algumas das histórias acima. Ao final, chorava.

(''Folha de S. Paulo'', 21 de maio de 2004)


Paulinho imita Lacerda em 1954 contra Getulio. Neto de Tancredo, Aécio cala
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Mário Magalhães

''O túnel do tempo'', magnífica série de TV dos anos 1960

 

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Que a história se repete, como farsa ou aflição, não é novidade.

No fim da madrugada de 24 de agosto de 1954, o oposicionista Carlos Lacerda defendeu que o presidente Getulio Vargas fosse mandado ''para o Galeão'', como registra entrevista sua à Rádio Globo que a posteridade preservou em gravação nítida. Em seguida, o ex-ditador matou-se com um tiro no peito.

Noutras palavras, Lacerda bradou pela prisão de Getulio, contra quem não havia _e continua não havendo_ prova alguma de envolvimento no tresloucado e criminoso atentado contra o jornalista no começo daquele mês. Na ocasião, foi assassinado o guarda-costas de Lacerda, Rubens Vaz, oficial da FAB.

Nesta quinta-feira, 1º de maio de 2014, o deputado Paulinho da Força esgoelou-se em praça pública sugerindo que a presidente Dilma Rousseff vá em cana: ''Se fizer tudo o que disse na televisão ontem, quem vai acabar na Papuda é ela''.

Como se sabe, os petistas e aliados condenados no processo do Mensalão cumprem pena no presídio da Papuda.

Não entendi se Paulinho é contra o aumento do Bolsa Família ou a redução do Imposto de Renda ou contra tudo. Até onde eu sei, são legais os trâmites propostos pela presidente para implantar as mudanças, cujo mérito são outros quinhentos. Nem seus prováveis adversários na disputa pelo Planalto, a despeito de divergirem das propostas, afirmam o contrário.

Seis décadas atrás, o ministro da Justiça defendeu com bravura a legalidade constitucional, contra o golpe de Estado iminente contra Getulio, governante eleito pelo povo. O ministro, homem de bem, chamava-se Tancredo Neves.

Ontem, ao lado de Paulinho no palanque, estava Aécio Neves, neto de Tancredo. Aécio não disse uma palavra se contrapondo ao surto lacerdista do seu apoiador na campanha presidencial.

Em suma, o neto de Tancredo calou quando seu companheiro propôs fazer com Dilma o que o golpista Lacerda queria para Getulio em 1954.

O que diria seu avô?


Nos 100 anos de Caymmi e Lacerda, o blog toca a obra-prima que eles criaram
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Mário Magalhães

 

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Numa coincidência do destino, dois gigantes da história do Brasil vieram ao mundo no mesmo dia e no mesmo ano do século XX: o baiano Dorival Caymmi e o carioca Carlos Lacerda, cujos centenários de nascimento se completam por estas horas, na quarta-feira 30 de abril de 2014.

A foto de Dorival Caymmi lá em cima retrata o que ele foi durante toda a vida, compositor genial e cantor sedutor.

Já a do tribuno Carlos Lacerda eterniza um momento relativamente breve da sua existência, o de militante de esquerda vinculado ao Partido Comunista. Escolhi a imagem de 1935 porque ali e nos anos seguintes Lacerda conviveria com o escritor Jorge Amado, quadro do PCB, e Dorival Caymmi, simpatizante do partido.

Na década de 1940, Carlos Frederico Werneck de Lacerda (Carlos em homenagem a Karl Marx; Frederico, a Friedrich Engels) se tornaria o mais brilhante anticomunista que o país conheceu, um infatigável semeador de golpes de Estado e o orador mais talentoso da República. No flanco direito, acabaria rompendo ou se afastando de Jorge e Caymmi.

Na segunda metade dos anos 1930, os três ainda na esquerda, Caymmi compôs a melodia, e Lacerda e Jorge escreveram a letra de uma linda canção, ''Beijos pela noite''.

Por conta dos desencontros ideológicos, essa obra-prima só viria a ser conhecida nos festejos dos 80 anos de Dorival. Quem esquadrinhou a origem da composição foi Stella Caymmi, em sua ótima biografia do avô, ''Dorival Caymmi: O mar e o tempo'' (Ed. 34, 2001).

Procurei o livro, mas a biblioteca aqui de casa está um caos, e não o encontrei. Lembro que Stella revelou que a primeira parte da letra é de Jorge Amado, e a segunda, de Carlos Lacerda.

Como entusiasta de um rabo-de-saia, Jorge celebra a paixão:

''Aqui/ O teu corpo nos meus braços/ Nossos passos pela estrada/ Nossos beijos pela noite/ E a Lua/ Pelos campos minha amada/ Pelos bosques, pelas águas/ Acompanha o nosso amor''.

Lacerda, ao contrário, deprime-se como o jovem, ele, que tentara o suicídio na juventude (isso eu li no primeiro volume da biografia ''Carlos Lacerda: A vida um lutador'', do historiador John W. F. Dulles (Nova Fronteira, 1992):

''Hoje já passado tanto tempo/ Pela noite escura e triste/ Pelas vias alamedas/ A chuva apaga a marca dos teus passos/ Do caminho abandonado/ A saudade é o meu luar''. (…) ''Um dia sentirás a mocidade / No teu corpo fatigado/ Da saudade dos caminhos/ Então sob a lembrança dos meus beijos/ Nosso amor adolescente poderá recomeçar''.

Ouça clicando aqui, na belíssima interpretação de Danilo e Simone Caymmi.

Quantas outras músicas como essa o trio não poderia ter criado?

Em 1945, Caymmi (1914-2008) comporia o jingle da campanha eleitoral comunista:

Ordem e tranquilidade

Progresso e democracia

Para o povo igualdade

O partido é o nosso guia

Em 1950, Carlos Lacerda (1914-1977)  pregou:

''O sr. Getulio Vargas, senador, não deve ser candidato à Presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar''.

Volta e meia me perguntam quem eu gostaria de biografar, se viesse, o que é pouco provável, a escrever uma nova biografia.

Encho a boca para responder: Carlos Lacerda, Leonel Brizola e Mário Pedrosa.


Viúvas da ditadura faltam ao enterro: na despedida, o torturador ficou só
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Mário Magalhães

Corpo do coronel reformado do Exército Paulo Malhães foi enterrado em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense

Corpo do torturador Paulo Malhães é enterrado – Foto Bernardo Tabak/UOL

 

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As contas oscilam, mas nenhuma reportagem descreveu mais de meia centena de pessoas no velório e no enterro  do torturador, matador e ocultador de cadáveres Paulo Malhães. Bernardo Tabak, repórter do UOL, somou vinte na despedida.

No sábado à tarde, no cemitério de Nova Iguaçu, estiveram parentes do oficial reformado do Exército, que teve cinco filhos, e alguns vizinhos da Baixada Fluminense.

É possível que, anônimo, tenha passado por lá algum velho camarada de jornadas macabras dos tempos da ditadura ou chapa dos serviços de ''segurança'' _isto é, atividades de extermínio_ prestados pelo militar a próceres da contravenção.

Porém, não se viu um só bicheiro conhecido ou veterano manjado da repressão política. Abandonado por seus parceiros, o torturador ficou só.

Dos seus sócios e apoiadores em práticas como seviciar oposicionistas até a morte e depois cortar dedos, arrancar dentes e extirpar vísceras dos seus corpos, pode-se dizer que a idade dificulta a locomoção. Mas não são eles que, volta e meia, acorrem a convescotes que celebram a falecida ditadura?

Muitos vivem em outros Estados, é verdade. Mas o Rio continua sendo a concentração mais ruidosa dos partidários dos governos instaurados em 1964.

E o que dizer dos que, tão corajosos em vilipendiar, na internet, quem denuncia as excrescências da ditadura, não tiveram coragem de dar adeus ao coronel (ou tenente-coronel) que até o fim não se arrependeu dos seus crimes?

Prevaleceu a covardia.

Assim como eram covardes os agentes públicos que, aplicando política oficial, torturavam e assassinavam militantes sob custódia do Estado, são pusilânimes os saudosistas daquele tempo. A bravura vomitada em comentários de notícias, blogs e redes sociais se dilui na vida real.

Malhães, como se sabe, morreu na quinta-feira em circunstâncias ainda não esclarecidas.

Em meio a tantas suspeitas e versões, há uma evidência: o site ''A verdade sufocada'', vinculado ao coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, trucidou a verdade ao informar na sexta-feira que Malhães havia recebido quatro tiros. Inexiste, até agora, relato de que ele tenha sido baleado.

Outro equívoco é supor que eventual colapso cardíaco do facínora tenha ocorrido enquanto ele regava suas orquídeas no sítio onde vivia. O militar estava em mãos de homens que invadiram sua residência, conforme relato da viúva. A perícia recolheu um travesseiro onde, de acordo com a senhora Malhães, havia marcas de sangue.

Para registro histórico: há pelo menos um episódio em que um opositor à ditadura morreu de colapso cardíaco, como informou o laudo da necropsia e testemunhou uma companheira. O que o laudo não contou e ela revelou é que o coração entrou em pane quando o guerrilheiro era torturado no pau-de-arara e recebia doses cavalares de choque elétrico.

Não se sabe ainda como Malhães morreu, mas não se ignora que ele foi atacado. Portanto, não teria morrido, e sim sido morto.

Sobre a identidade de quem o atacou há um sem-número de hipóteses. Só os adivinhões de sempre, alguns virgens de qualquer investigação jornalística ou policial, prescindem de apuração para saber o que ocorreu.

O certo é que, na hora derradeira, as viúvas da ditadura abandonaram Malhães.

Seus amigos e admiradores não foram valentes nem para ir até o cemitério.


A Copa renegada (da série ‘A minha Copa’, na ‘Folha’)
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Mário Magalhães

No estádio Rose Bowl, jogadores festejam tetra com Parreira – Foto Pisco Del Gaiso/Folhapress

 

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Na série ''A minha Copa'', a ''Folha'' publicou neste domingo um texto meu (para ler no jornal, basta clicar aqui).

Já haviam escrito na série, por ordem alfabética: Carlos Heitor Cony, Clóvis Rossi, Janio de Freitas, Jô Soares, José Miguel Wisnik, José Roberto Torero, José Trajano, Juca Kfouri, Marcos Augusto Gonçalves, Nando Reis, Paula Cesarino Costa, Rogério Gentile, Ruy Castro e Sérgio Dávila.

Compartilho abaixo as minhas memórias:

* * *

A Copa renegada

Não sei se rende diploma de pé-quente, fico encabulado de falar, mas nas três Copas que eu cobri, 94, 98 e 2002, a seleção alcançou a final.

Por conta de umas questões paralelas, não pude topar os convites para viajar à Alemanha e à África do Sul, nos Mundiais seguintes, e deu no que deu.

Copa é Copa.

Guardo como reminiscência cara a decisão no México-70, acompanhada em preto e branco pela TV. Aos seis anos, passei o jogo picotando jornal para atirar pela janela, na celebração do triunfo.

Vi ao vivo Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho devorando a bola na Coreia e no Japão, nos idos de 2002.

Nem com o timaço do tri nem com o penta da turma de erres, contudo, eu fui tão feliz como no título renegado por tantos brasileiros que desdenham o tetra como nódoa a macular a camisa canarinho.

Não há do que se avexar. Depois de cinco frustrações, inclusive com o escrete dos sonhos regido por Telê em 82, a conquista da Copa dos EUA inebriou com a vitória gerações que só conheciam o fracasso e outras que já não se lembravam de como era vencer.

Assisti ao Bebeto embalando o bebê ao comemorar seu gol contra a Holanda. Vacilão, eu não notara na hora, no jogo anterior, que ele havia agradecido um passe do Romário com a declaração “eu te amo”.

Flagrei, com os colegas de jornal, o ônibus da seleção quebrado à beira do caminho. O gênio Antônio Gaudério fotografou com exclusividade os jogadores a pé no acostamento da rodovia. Furo!

Contaram-me sobre o harém cultivado por alguns dos nossos craques. Nem se o torneio se estendesse por meses eles dariam conta da infinidade de beldades que os assediavam feito beque no cangote.

Até o meu último grito de gol não apagarei da memória o mais perseverante exercício de tolerância que testemunhei. O protagonista? Carlos Alberto Parreira.

O cristão apanhou, e muito, sem deixar de oferecer a outra face. Acusavam-no de retranqueiro, e sua equipe liderava em chances de gol.

Avacalhado como avesso ao futebol-arte, o técnico prezava a posse de bola, antecipando o Guardiola do século 21.

Tinha excessivas precauções defensivas? Parreira ensinava: imagine o desgaste físico de sair atrás no placar com jogos sob o sol do meio-dia.

Numa tenda montada ao lado do campo da Santa Clara University, não se cansava de responder serenamente às perguntas mais implacáveis.

Ao bater a Itália nos pênaltis _alguém supõe que passar pelo Baresi era moleza?_, chegara o seu momento. Fosse um ressentido vulgar, Parreira teria ido à forra.

Eu o provoquei, instando-o a reagir à pancadaria recente, e ele repetiu que compartilhava o sucesso com todos. Os repórteres indagaram: por que não desabafava?; considerava-se um homem bafejado pela sorte?

Comportava-se assim porque esse era o seu jeito, disse o campeão, evocando a canção clássica: “Como diria o Frank Sinatra, it’s my way”.

É isso aí: Parreira citou Sinatra no tetra.

Dá para esquecer a Copa de 94?