Blog do Mario Magalhaes

Preso político que desafiou o delegado Fleury lança livro sobre tortura
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Mário Magalhães

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Um dos mais corajosos militantes de esquerda que combateram a ditadura imposta em 1964, Eunício Precílio Cavalcante lança nesta terça-feira (27 de maio) no Rio um livro que busca reconstituir a violência e a barbárie que vigoraram no Brasil durante 21 anos e cuja herança ainda nos castiga.

O lançamento de ''Mergulho no inferno: Relatório sobre as torturas no Brasil'' começa às 18h, na Livraria Leonardo Da Vinci (av. Rio Branco, 185, subsolo).

Hoje oficial reformado da Marinha, Cavalcante tem muita história para contar: do que viu, do que ouviu, do que pesquisou e sobretudo do que padeceu na própria pele.

Ele foi preso em São Paulo na manhã de 4 de novembro de 1969. Horas mais tarde, seu companheiro Carlos Marighella seria assassinado numa rua escura da cidade, em operação comandada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury.

Antes da execução, passou-se um episódio na sede do Dops, a política política paulista, que eu incluí na biografia ''Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo'' (Companhia das Letras). Narrei-o assim, com base em várias entrevistas:

''Os presos superlotavam as celas e engarrafavam os corredores. Um deles era o paraibano Eunício Precílio Cavalcante, segundo-sargento do Corpo de Fuzileiros Navais expulso da Marinha em 1964. Era um dos raríssimos companheiros que Marighella levara no Rio à casa _e terreiro_ de Antônia Sento Sé.

Fleury provocou o militante da ALN:

'Cadê o Marighella?'

'Você não é macho? Vá buscar!', desafiou o revolucionário.

Rose Nogueira testemunhou os socos e pontapés que o delegado desferiu no homem indefeso, gritando:

'Pois eu vou mesmo! Hoje é o último dia do Marighella!'''

ALN era a Ação Libertadora Nacional, maior organização armada de oposição à ditadura. Lideravam-na Marighella e o jornalista Joaquim Câmara Ferreira.

Rose Nogueira é uma _brilhante_ jornalista que havia sido presa devido ao vínculo com a ALN e o próprio Marighella.

Antônia Sento Sé é mãe-de-santo e ex-cunhada de Marighella.

Logo depois da agressão a Cavalcante, Fleury participou do assassinato de Marighella: ao menos 29 policiais armados até os dentes fuzilaram um homem cercado e desarmado _o guerrilheiro não portava nem um canivete.

Eunício Precílio Cavalcante viveu aqueles dias ferozes, desafiou o facínora, mergulhou no inferno e sobreviveu para contar.


Futebol: ‘Aperta, que ele confessa!’ ou ‘A cultura do pau-de-arara’
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Mário Magalhães

Feitor castiga negro, em obra de Jean-Baptiste Debret

 

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Às vésperas da Copa, as maltraçadas abaixo, escritas há quase nove anos, ainda me parecem urgentes.

Até quando locutores e comentaristas dirão ''aperta, que ele confessa''?

* * *

A cultura do pau-de-arara

Basta que um defensor se enrole com a bola para o locutor do rádio ou da TV conclamar os adversários a marcar em cima. ''Aperta, que ele confessa!'', brada ao microfone. Não é só nas transmissões. Mesmo em mesas-redondas de respeito, de vez em quando sai um comentário sobre o zagueiro vacilão: ''Se apertar, ele confessa''.

Isso não é, ou não deveria ser, linguagem de jornalista ou desportista. É dialeto de torturador. É próprio de quem maneja a ''coroa de Cristo'', esmagando o crânio do torturado, e o pau-de-arara. Tortura-se em busca de confissão e informações. E para castigar.

Tortura e futebol se cruzaram na história. Os atletas da seleção iraquiana eram chibateados a mando de Udai Hussein, filho do tirano, a cada revés nos gramados. Hoje, no Iraque, quem tortura são os soldados americanos.

À CIA, a central de inteligência dos EUA, não passou despercebida a cena futebolística no governo militar que mais torturou no Brasil: o do general Médici (1969-74), que posava com radinho de pilha a ouvir os jogos, fazia embaixadinhas e se dizia torcedor de Grêmio e Flamengo.

Em documento de janeiro de 1972, a agência analisava: ''A popularidade do regime de Médici tem subido desde que ele assumiu (…). Em parte isso se deve (…) ao seu sucesso em se associar à seleção vitoriosa na Copa do Mundo''. No ano anterior, em abril de 1971, os analistas da CIA observaram que ''os times de futebol [soviéticos] são populares em toda parte [da América Latina]''.

Quando as tropas nazistas ocupavam territórios da União Soviética em 1942, jogadores ucranianos foram mortos depois que seu time, formado por trabalhadores de uma padaria de Kiev, derrotou um selecionado militar alemão. Três morreram a bala. Um sob tortura.

Três décadas depois, o governo soviético proibiu que sua seleção jogasse no Chile, onde o Estádio Nacional se transformara em centro de tortura e morte de prisioneiros do general Pinochet. No Rio, anos antes, a polícia surrou estudantes no campo do Botafogo.

Também na ditadura, o ex-boleiro Didi Pedalada virou tira. Em Porto Alegre, deu expediente na polícia política, conhecido estabelecimento de tortura. Participou do sequestro de um casal de militantes uruguaios.

Em São Paulo, o policial militar Dulcídio Wanderley Boschilla batia ponto no Doi-Codi, maior concentração de torturadores do país. Do lado de fora, era árbitro de futebol com fama de durão. Em 1975, 34 presos o incluíram numa lista de funcionários que não ''participaram diretamente das sevícias'', mas que tiveram ''inequívoca colaboração efetiva com a prática de torturas''.

A despeito da barbárie, os presos políticos, na maioria, torceram pela seleção em 70. Recusaram a apropriação do futebol pelo ditador. Agora, o jornalismo esportivo poderia, em um gesto civilizador, abandonar o linguajar de sádicos e criminosos.

(Mário Magalhães, ''Folha de S. Paulo'', 12 de agosto de 2005)


‘Trabalho sujo’, por Patrícia Campos Mello
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Mário Magalhães

blog - trabalho sujo

'Catadora de cocô Sudhira limpa fezes na Índia – Foto de Patrícia Campos Mello/Folhapress

 

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Compartilho uma leitura impressionante.

A reportagem de Patrícia Campos Mello publicada no domingo conta que mais de 1 milhão e 300 mil indianos ainda sobrevivem de coletar excrementos, atividade que na história do Brasil está associada ao trabalho escravo.

A matéria ilustra com carne, suor, humilhação e osso as estatísticas divulgadas em livro pelo economista francês Thomas Piketty, que esmiuçou de modo inédito a desigualdade de renda e riqueza no planeta.

Piketty, brilhante no diagnóstico, fraquinho na receita, mas isso são outros quinhentos.

Eis a ótima reportagem veiculada pela ''Folha'':

* * *

Trabalho sujo

Índia ainda tem 1,3 milhão de catadores de excrementos, responsáveis por limpar as fezes de 15 milhões de pessoas

Por Patrícia Campos Mello

Enviada especial a Farrukh Nagar (Índia)

Quando completou 13 anos, a indiana Sudhira, 60, se casou em seu vilarejo. De sua sogra, recebeu uma ''herança'' em vida: uma cesta de bambu, uma pá, uma vassoura e 60 casas para limpar. A partir daquele momento, o emprego de Sudhira seria limpar o excremento das pessoas do vilarejo, todos os dias. ''Da primeira vez que tive de tirar o cocô com a mãos, o cheiro era tão horrível, que eu vomitei'', contou à Folha.

Quarenta e sete anos depois, Sudhira continua limpando excrementos. Acorda às 7h e começa sua ronda. Na primeira casa, vai até o fundo do terreno, onde fica o ''banheiro'' –um buraco raso no chão, cercado por uma parede baixa de tijolos.

Cheira muito mal. Em meio a uma nuvem de moscas, Sudhira se agacha, retira os excrementos com uma pá, que segura na mão sem luva. Junta um pouco de folhas, terra e cinzas e põe em cima das fezes. Recolhe esse bolo de excrementos com a pá e põe na cesta que leva sobre a cabeça. Às vezes, escorre.

Sudhira recebe 20 rúpias (US$ 0,30) e um pão roti de cada casa. Limpa quatro latrinas por dia e, em outras 10 casas, retira o lixo e os excrementos de animais. Ninguém encosta em Sudhira, porque ela é considerada ''poluída''.

Há 1,3 milhão de pessoas na Índia que são ''catadores de excrementos'' como Sudhira. Elas pertencem a uma casta de intocáveis.

Neste país que é uma potência e já mandou um foguete para Marte, cerca de 600 milhões de pessoas fazem suas necessidades ao ar livre, no mato. Outras 15 milhões usam as chamadas ''latrinas secas'', que nada mais são do que buracos no chão usados por toda a família para fazer suas necessidades. São limpos por pessoas da casta dos intocáveis, os dalits. As mulheres são 98% dos catadores de excrementos.

(Leia a íntegra clicando aqui.)


Futebol: pesquisadores lançam livro sobre hooligans e hooliganismo
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Mário Magalhães

blog - hooliganismo

 

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Os professores universitários Bernardo Borges Buarque de Hollanda e Heloisa Helena Baldy dos Reis, organizadores do livro, lançam na próxima terça-feira (27 de maio) ''Hooliganismo e Copa de 2014'' (editora 7Letras).

A partir das 18h30, o lançamento será na Fundação Getulio Vargas, no Rio, onde o rubro-negro Bernardo é pesquisador do CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil).

Antes, à tarde, haverá duas mesas do evento ''Brasil-França: intercâmbios acadêmicos nos estudos do futebol''. A programação pode ser conhecida clicando aqui.

Entrada franca.


Teatro: antes e durante a Copa, peça ‘Nunca nade sozinho’ é encenada no Rio
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Mário Magalhães

blog - nunca nade sozinho

 

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É programa para antes da Copa e durante parte dela: a peça ''Nunca nade sozinho'' está em cartaz às quartas e quintas-feiras no Rio, no teatro do Centro Cultural Justiça Federal.

Hoje tem, a partir das 19h!

A temporada vai até 26 de junho (não haverá sessão no dia 12, abertura do Mundial).

Ainda não assisti ao espetáculo, mas sei que conta com ao menos dois trunfos: a autoria do dramaturgo canadense Daniel MacIvor e a direção, bem como presença no elenco, de Nadja Turenkko.

Abaixo, o blog reproduz o serviço veiculado no site do centro cultural (aqui).

* * *

Nunca Nade Sozinho / peça

Até onde dois homens rivais são capazes de ir para vencer um embate? Esse é o mote do espetáculo Nunca Nade Sozinho, texto inédito no Brasil do canadense Daniel MacIvor (de In on It, A Primeira Vista e Cine Monstro, todos dirigidos por Enrique Diaz). Indicado ao Prêmio Braskem de Teatro 2014 e após uma temporada de sucesso em Salvador, a peça, que se estrutura em 13 rounds e é mediada por uma juíza, fala de como as relações humanas podem ser belas e destrutivas ao mesmo tempo. E mais: quando a compaixão dá lugar à competição, as consequências podem ser desastrosas. Ao mesclar real e imaginário, a encenação, em curta temporada no CCJF, desloca essa trama para um não-lugar metafórico, investigando uma alternativa à lógica da competição extrema. Semanalmente, após as sessões de quarta-feira, haverá bate-papo com o elenco e convidados.

Texto: Daniel Maclvor

Direção: Nadja Turenkko

Elenco: Ciro Sales, Kadu Veiga e Nadja Turenkko

Até 26/06 (Não haverá espetáculo no dia 12/06)

Quartas e quintas

19h 

R$ 30 e R$15 (meia)

75 min


Na marcação, Pato e Ganso parecem jogador ‘café com leite’ de pelada
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Mário Magalhães

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Deram mole, e Walter marcou dois no São Paulo – Foto Agência Photocamera

 

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Se culpar apenas o arranjo tático ou exclusivamente os erros individuais pelo fiasco desta quarta-feira no Maracanã, o São Paulo perderá a chance de promover uma reviravolta indispensável para não sofrer novas goleadas como a aplicada pelo Fluminense.

Começo pelo, ao menos na aparência, mais simples de observar. Dos cinco gols do time da casa, quatro tiveram a contribuição de falhas pontuais de jogadores do visitante.

Em dois, Rogério Ceni concedeu rebotes camaradas, que poderiam ter sido evitados, segurando a bola ou espalmando mais para o lado.

Noutro, Lucão anotou contra.

O mais impressionante foi a postura de Reinaldo no segundo gol de Walter: em vez de encarar o barrigudo, no momento do chute o lateral virou-se de costas. A atitude de auto-defesa na iminência de uma bolada é humana, assim agimos em peladas e os jovens chegam aos clubes de futebol. Mas deveriam treiná-los. Se tivesse encarado o atacante e caminhado em sua direção, Reinaldo diminuiria a chance da conclusão milimetrada, no canto, que rendeu mais um gol.

Tropeços individuais se resolvem com treino, concentração, determinação, sabedoria e sorte. Problemas táticos podem ser menos complexos.

Não tenho condições de me pronunciar sobre a campanha do tricolor paulista no Campeonato Brasileiro, porque só assisti na íntegra a duas de suas partidas, as mais recentes: a vitória de 2 a 0 sobre o Flamengo, e a derrota de 5 a 2 para o Fluminense, ambos os jogos no Rio.

Muricy propõe um futebol vistoso, com uma linha ofensiva que combina a elegância de Ganso, a velocidade de Oswaldo, o oportunismo de Luís Fabiano e o talento de Pato.

Quando o oponente deixa jogar, como os amigões do Flamengo, maravilha. O São Paulo poderia ter vencido por muito mais.

Se aparece uma equipe bem amarrada, competitiva e repleta de bons jogadores, complica.

Complica porque os quatro titulares mais ofensivos do time do Morumbi têm dificuldades para marcar. Ontem, os volantes Souza e Maicon penaram de solidão, com paupérrima ajuda.

Oswaldo ainda atrapalha um pouco os adversários, e Luís Fabiano é importante nos cruzamentos sobre a área são-paulina, pois cabeceia bem.

Mas Pato e Ganso não marcam, mal cercam quem deveriam marcar. Parecem jogador ''café com leite'' de partida de crianças, aqueles meninos que, por serem menores, não contam.

O massacre tricolor _o carioca_ no segundo tempo decorreu do fim do excessivo cuidado que o Flu se impusera antes. Como a marcação da equipe de Muricy era débil demais, a de Cristóvão encurralou-a, correndo poucos riscos.

O Fluminense cruzou bolas sobre a área sem que seus laterais e meias sofressem qualquer acosso. Seus meias chutaram de longe com um tempo enorme para dominar a bola, pensar, preparar o petardo e bater. Por melhores que sejam os defensores, o confronto se torna desigual.

Ainda mais que o Flu contava, já no papel, com mais gente no meio: Diguinho, Jean, Wagner e Conca. Além disso, o atacante Sóbis participa muito mais do jogo que os quatro avançados do São Paulo. O Fluminense atropelou na etapa derradeira porque aproveitou a supremacia territorial.

Para escalar três atacantes de ofício (Pato, Fabuloso e Oswaldo) mais um meia ofensivo como Ganso, Muricy precisa de uma participação que foge às características deles _reiterando, sobretudo Pato e Ganso.

Para jogar para a frente, não são necessários atacantes puro sangue _em 92 e 93, Telê (que saudade…) usou só um atacante de profissão, Muller. Os meias Raí e Palhinha jogavam muito no ataque (a posição básica de Raí no sistema era de atacante), mas se empenhavam na marcação.

Como sabe qualquer treinador aprendiz, um bom técnico adapta o sistema (disposição básica dos jogadores em campo) e a tática (organização para atacar e defender) aos jogadores do elenco, e não o contrário.

É estimulante ver que Muricy não quer deixar no banco nenhum dos quatro nomes mais ofensivos, como ontem.

No entanto, para que tal aposta venha a vingar diante de times fortes, os jogadores têm de mudar a postura, entendendo o trabalho de defender como coletivo, e não somente dos coitados que ficam atrás se matando de tanto esforço.

Imagino que Muricy esteja apanhando muito. Pois eu acho que ele hoje combate o bom combate, pelo futebol ofensivo e bonito. Mas, para disputar o título, precisa de uma reviravolta, que pode até nem passar por mudança de escalação, mas de comportamento.

Os problemas do São Paulo não apagam o fundamental de ontem, a sublime atuação coletiva do Flu, que nem teve Fred e Cavallieri.

O que será que o Renato Gaúcho, antecessor de Cristóvão, pensa ao ver o antigo bando sob seu comando transformado em time de verdade?

Como se sentem os jogadores do Flamengo, que no domingo permitiram reverencialmente que Ganso jogasse, ao saber que diante do Flu o antigo parceiro de Neymar mal viu a bola?


Telegrama comprova que Roberto Carlos já apoiou abertamente a censura
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Mário Magalhães

dukebiografias

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''Cumprimento Vossa Excelência por impedir a exibição do filme Je Vous Salue Marie, que não é obra de arte ou expressão cultural que mereça a liberdade de atingir a tradição religiosa de nosso povo e o sentimento cristão da humanidade. Deus abençoe Vossa Excelência. Roberto Carlos Braga.''

O remetente deste telegrama, como informa a assinatura, foi o compositor e cantor Roberto Carlos.

O destinatário, o então presidente da República, José Sarney.

A data, o comecinho de 1986 (o Palácio do Planalto divulgou-o em 7 de fevereiro daquele ano).

O motivo, a decisão do governo, implementada por meio da Divisão de Censura do Departamento de Polícia Federal, de proibir a exibição do filme ''Je Vous Salue Marie'', do cineasta franco-suíço Jean-Luc Godard.

O primeiro governo pós-ditadura, ainda impregnado pelos valores autoritários que haviam presidido o país por 21 anos (1964-1985), alegou que o obra de Godard blasfemava contra a Virgem Maria. Formalmente, o Estado era, e ainda é, separado da Igreja.

Contudo, a Maria do filme, personagem contemporânea, engravida mesmo sendo virgem. O dogma não é contestado. Mesmo se fosse, tratava-se de obra de arte que a administração Sarney impediu ser assistida nos cinemas.

Em artigo sobre ''Je Vous Salue Marie'', publicado na ''Folha de S. Paulo'' em 2 de março de 1986, Caetano Veloso mencionou a ''burrice de Roberto'' e escreveu que ''o telegrama de Roberto Carlos a Sarney, congratulando-se com este pelo veto a 'Je Vous Salue Marie', envergonha nossa classe''.

Mais Caetano: ''o veto é uma violência cultural e uma vergonha política''; ''vamos manter uma atitude de repúdio ao veto e de desprezo aos hipócritas e pusilânimes que o apoiam''.

A mensagem de Roberto Carlos 28 anos atrás não constitui fetiche arqueológico. Ela contribuiu para iluminar o presente.

O brilhante artista, o mais popular do Brasil, recorreu com sucesso à Justiça e proibiu a biografia ''Roberto Carlos em detalhes'', de autoria do jornalista, historiador e professor Paulo Cesar de Araújo.

O livro, como sabem aqueles que o leram, é muito simpático ao biografado, de quem o excelente biógrafo é fã confesso.

Desde 2013, com o incremento do debate público acerca da norma legal _artigos 20 e 21 do Código Civil_ que permite impor censura prévia a biografias e outras produções culturais, acadêmicas e jornalísticas, Roberto Carlos oscila nos seus pronunciamentos. Diz que é contra a censura, mas batalha no Supremo Tribunal Federal para manter a legislação como está. O Brasil é a única grande democracia do planeta a autorizar censura prévia a biografias que não sejam chapa-branca.

Paulo Cesar de Araújo acaba de lançar seu relato sobre o imbroglio que resultou na decisão judicial de proibir a circulação da biografia. O novo livro se intitula ''O réu e o rei: Minha história com Roberto Carlos, em detalhes'', é editado pela Companhia das Letras e representa um documento histórico sobre um tempo em que o direito à liberdade de expressão ainda sofre golpes.

Hoje, as manifestações públicas de Roberto Carlos sobre um tema caro à democracia e aos cidadãos variam de acordo com a conjuntura e as marés.

O telegrama a Sarney evidencia, sem eufemismos, que o artista considera legítimo e chancela o controle do Estado sobre o acesso dos brasileiros à arte e à cultura. Trocando em miúdos, Roberto Carlos é amigo da censura.


No Brasil e no exterior, Flamengo não pode mais aceitar xepa do futebol
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Mário Magalhães

Quem botava as mãos na cabeça eram os torcedores do Fla – Foto Alexandre Loureiro/LANCE!Press

 

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Jogadores não são hortaliças, mercado do futebol não é feira, feirante não detém direitos sobre boleiros, nem seus fregueses são clubes.

Mas a metáfora é esta mesmo: se o Flamengo de fato pretende se reforçar, precisa dizer adeus à xepa.

Recomenda-se madrugar para buscar jogadores de qualidade, à altura do manto, e sepultar a política mesquinha e suicida de escolher entre as sobras.

A atual diretoria foi fruto de eleição que por sorte liquidou a lamentável era Patrícia Amorim _a cartola, não a nadadora. Nunca houve, porém, aceno eleitoral de manter elenco capaz de colher vexames como os atuais. Prometeram moralizar o caixa, muito bem, antes tarde do que nunca. Mas jamais falaram que os sacrifícios no futebol seriam tamanhos que adubariam humilhações.

O rubro-negro tem trazido restos do interior paulista _se fossem bons jogadores, alguém duvida que Corinthians, São Paulo, Palmeiras ou Santos se adiantariam? Ou reservas de agremiações menores. Tudo em nome da poupança.

A política tacanha que fere o esporte mais popular do clube combina-se com gestão precária e apostas fracassadas. Até a grama da Gávea e do Ninho do Urubu sabia que Carlos Eduardo, bichado, não era mais o jovem promissor do Grêmio, mas o trouxeram da Rússia. Ele embolsou milhões, marcou um mísero golzinho em quase 50 partidas e não deu pinta de que se constrangesse com o fiasco.

Típico chinelinho, pouco empenho e muita indolência, Carlos Eduardo não é culpado. Culpados por torrar dinheiro do clube são os dirigentes e executivos que o acolheram. Bem como os que trouxeram o decadente André Santos, lateral rechonchudo em cima de quem qualquer perna-de-pau se cria. Ou Elano, ex-ótimo volante ou meia que há muito já deu o que tinha que dar, a despeito de brilhos bissextos.

Ney Franco é um bom técnico. Não pode ser colocada em sua conta a derrota de ontem para o São Paulo no Maracanã. Ney até deu sorte, porque sem ela o Flamengo teria levado um chocolate, muito mais que os 2 a 0. Por causa da  incrível capacidade de Luís Fabiano, Ganso e Pato de desperdiçar chances, a goleada só se insinuou.

Assim como ocorria com Jayme, cuja demissão teve requintes de maldade ofensivos à generosa tradição rubro-negra, Ney necessita de reforços para evitar danos maiores. Seja no Brasil ou no exterior, o clube tem de olhar para qualidade, e não esperar a xepa. Para começar, um lateral-esquerdo, um meia e um atacante.

Coragem também ajudaria o treinador. Para barrar quem até anteontem era jogador de seleção, André Santos. E um goleiro, Felipe, cuja negligência excede os limites toleráveis.

A opção por dois centroavantes contra o tricolor paulista não foi feliz, mas Ney Franco viu-se obrigado a experimentar, para dar um passo adiante _e justificar sua chegada, pois escalar os mesmos que o antecessor desmoralizaria sua contratação. Hernane, enquanto esteve em campo, e Alecsandro juntos não deram certo.

Apesar do elenco fraquinho, há alternativa para André Santos: Éverton, recuado na lateral esquerda.

Para o gol, Paulo Victor.

Para errar menos passes na saída de bola, Cáceres.

Nenhuma revolução, reconheço. Para isso, é preciso ousar nos reforços.


Rio $urreal: copinho de salada de frutas a R$ 19
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Mário Magalhães

blog - salada de frutas

 

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Manhã de sábado, gente saindo pelo ladrão no primeiro dia de funcionamento da Deli Delícia, nova e portentosa delicatéssen em Botafogo. Na São Clemente, passando a Bambina, ponto promissor. A casa tem _quase_ tudo para dar certo.

O problema, para os fregueses, são certos preços pré-Copa e pré-Olimpíada, aberrações que se disseminam no Rio.

Vejam os copinhos de salada de frutas acima. R$ 19,08 a unidade. Se quiser mais barato, há por R$ 18,72 e, pechincha, R$ 17,82. O quilo está na casa dos quarenta reais.

Não há mesa, guardanapo, garçom, pessoal na cozinha para lavar o copo plástico. É pegá-lo, pagá-lo e levá-lo.

É por essas e outras que o pessoal apelidou a moeda daqui de $urreal.

Com o que pediram pela saladinha de frutas, dava para comprar 150 gramas de presunto cru espanhol. Foi o que eu fiz.

A Deli Delícia adota o slogan ''É bem melhor viver assim''. Com e$$e apetite, deve ser mesmo.