Blog do Mario Magalhaes

Na noite do Circo Voador, clima da Campanha das Diretas ecoa 33 anos depois

Mário Magalhães

Lô Borges e banda na madrugada de domingo, no Circo Voador: ''Fora, Temer!''

 

Na noite do sábado, o mestre de cerimônias do Circo Voador foi ovacionado ao convocar o público para a manifestação do dia seguinte em Copacabana. Pela antecipação das eleições diretas para presidente, é claro. Quando foi falar mais sobre o que seria o domingo, sorriu e deixou para lá: vocês já sabem…

O pessoal sabia mesmo. Lô Borges e os seis músicos da banda conduzida por Pablo Castro subiram ao palco depois da meia-noite. Como saudação, Lô mandou um ''Fora, Temer!'' Os presentes retribuíram com disposição igual à com que dali a pouco cantariam o refrão d'O trem azul.

Pertinho das duas da madrugada, costeando a despedida, Lô fez mais de uma dezena de agradecimentos. Pediu que, em vez de palmas, cada nome fosse reverenciado com um ''Fora, Temer!'' Atenderam-no. Horas mais tarde, dezenas de milhares de pessoas gritariam ''Um, dois, três, quatro, cinco, mil, eu quero eleger o presidente do Brasil!'' Na Lapa e na beira da praia, um túnel do tempo transportou à velha Campanha das Diretas.

Até a lona estilosa do Circo Voador não desconhece que 2017 não é 1984, o ano em que os brasileiros saíram às ruas pelo direito de decidir. Também não é Petrogrado 1917, Berlim 1933, Guernica 1936, Stalingrado 1943, Havana 1959, Praga 1968, Lisboa 1974, Gdansk 1980…

A Brasília de hoje não é a de abril de 1984, às vésperas da votação da emenda constitucional das Diretas Já. O general João Baptista Figueiredo, derradeiro mandachuva da ditadura, ocupou a capital com milhares de soldados. O comandante militar do Planalto, general Newton Cruz, desfilou de cavalo branco. Nenhuma caricatura tropical de Napoleão deu as caras em 2017. Só, no protesto da semana passada, as tropas e a intimidação.

Mas o astral tem parentesco. Na madrugada do outono carioca, bradaram pelas Diretas e contra Michel Temer quem viveu o comício de 10 de abril de 1984 na Candelária e quem estava longe de nascer. A gurizada se motivou a ir ao circo por causa da apresentação de abertura, da Banda Dônica. E por Lô, encanto que se renova de geração em geração.

O show celebrou os 45 anos do chamado Disco do Tênis. Lô calçou pisantes Adidas, muito mais inteiros do que o par cansado de guerra da capa do LP de 1972. Todas as músicas daquele álbum foram tocadas, com arranjos originais. Em seguida, vieram as oito de que Lô é co-autor no Clube da Esquina, disco que ele lançou no mesmo 1972, em dobradinha com Milton Nascimento. Lô completava então vinte anos. Ele cantou no circo todas as suas composições até aquela idade. Incluiu Para Lennon e McCartney, obra dos seus dezoito.

Fiquei pensando no que eu fazia aos vinte. Lembrei: esbravejava no comício da Candelária.

Agora, como antes, a cartolagem política tenta murchar a bola das Diretas. Seriam ''os ratos mortos na praça do mercado'', de O trem de doido? No Circo Voador, não faltaram toques para quem tenta injetar plaquetas de esperança na desesperança renitente. Quase sempre da lavra dos letristas Ronaldo Bastos e Márcio Borges, os grandes parceiros de Lô. Ronaldo tinha 24 anos em 1972. Márcio, irmão de Lô, 26. Eles cultivam a palavra ''estrada'', assídua em suas canções. Como comentário acidental à história, cantarolou-se ''a chama não tem pavio'', verso de Clube da Esquina nº 2, música gravada sem letra na primeira versão.

Ok, o Circo Voador não é o Brasil. Mas existe algum lugar em que a vontade de eleger _já_ o presidente não seja ultramajoritária?

Lô Borges cantou Canção Postal: ''Quando você ouvir/ Esta canção que eu fiz/ Não esqueça de sonhar…''.

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