Gesto de Rodrigo Caio não é raro só no futebol, mas em quase tudo no Brasil
Mário Magalhães
A certa altura do primeiro tempo do clássico no Morumbi, onde o Corinthians jantou o São Paulo na noite do domingo, o zagueiro tricolor Rodrigo Caio se interpôs entre o goleiro do seu time, Renan Ribeiro, e o corintiano Jô.
Atingido na perna direita, Renan rolou no gramado.
O árbitro Luiz Flávio de Oliveira pensou que o atacante chutara o goleiro e amarelou o Jô.
Ao ver a advertência para o adversário, Rodrigo Caio levantou o braço direito, apontou para o próprio peito e esclareceu ao apitador: fora ele quem sem querer atingira o próprio companheiro.
Luiz Flávio fez o que devia e revogou o cartão.
Sem ameaça de um segundo amarelo que lhe custaria a expulsão, Jô não precisou pegar mais leve em divididas.
Mais ainda, não perdeu o jogo de volta da semifinal do Campeonato Paulista _estava pendurado.
Medalha de ouro olímpica em 2016, Rodrigo Caio teve atitude digna de um campeão em decência.
Seu gesto não é raro somente no futebol.
É raro em quase tudo no Brasil.
Poderia ter se aproveitado do erro do árbitro para prejudicar o antagonista.
Mesmo correndo riscos com o goleador Jô em campo, o são-paulino preferiu ser sincero.
Não feriu a honestidade, apesar de ela não o favorecer.
É o contrário do que se assiste hoje no Brasil.
Diante da enxurrada odebrechtiana de testemunhos, indícios e provas de crimes e promiscuidade, os mencionados alegam que não foi bem assim.
Lula, Temer e Fernando Henrique, Palocci, Cabral e Serra, todos reivindicam comportamento público exemplar, a despeito de os fatos os contradizerem.
A gangue corruptora da dita delação premiada confessa suas bandalheiras não por amor ao país, como apregoam os comunicados da Odebrecht.
Mas por interesse.
Os delatores querem salvar a própria pele. E a da empreiteira, é evidente.
Num tempo em que quase todo mundo parece querer levar vantagem em tudo, a dignidade do Rodrigo Caio parece provocação.
O ambiente em que a mentira e a perversão se impuseram como habituais faz com que o ato que deveria ser encarado como corriqueiro se tinja de cores de heroísmo.
A nossa tragédia, no futebol e muito mais no Brasil, permanecerá enquanto o comportamento de Rodrigo Caio continuar com cara de aberração.
Enquanto o que é obrigação soar como façanha.
Rodrigo Caio: pequeno gesto, grande inspiração.
Bravo!
*
Pela TV, assisti aos 2 a 0 do Corinthians.
Tenho visto pouco o São Paulo, por isso minha observação é arriscada.
Mas lá vai: aparentemente, há distância considerável entre o futebol que Rogério Ceni predica e o elenco com que conta.
É difícil apostar na posse de bola quando muitos jogadores a tratam com grosseria.