Anatomia da humilhação: o dia em que as gambiarras destruíram o Barcelona
Mário Magalhães
A humilhação do Barcelona com os 4 a 0 impostos pelo soberbo futebol do Paris Saint-Germain não é contraditória com o que o time catalão vinha jogando. Acumulavam-se indícios da iminência de um revés acachapante. A equipe não engrena no campeonato espanhol, onde o Real Madrid sobra. Tem de se esforçar demais na Copa do Rei contra alguns antagonistas que não são lá essas coisas. Não convence, não entusiasma. Vinha sendo resgatada pelos três atacantes. Como o futebol é esporte coletivo, o talento de Messi, Neymar e Suárez não basta diante de escretes que somam talento e eficiência, como ontem o PSG e por muito tempo o Barça.
O time treinado por Luis Enrique não tem tronco, isto é, meio-campo. Vá lá, tem, mas lento e protocolar. Quem mais se ressente da decadência do setor onde um dia imperou Xavi Hernández não é o ataque, e sim a defesa, desprotegida e desesperada. André Gomes, contratado há pouco, não rende o que se esperava. Seja pela direita ou pela esquerda. De novo, o técnico o escalou ontem, deixando Rakitic no banco. A birra do treinador com o croata talvez um dia seja explicada. Sem condições físicas decentes, Iniesta foi jogado às feras em Paris. Busquets, que já não vem em grande fase, ficou tontinho, errando passes que nem nas divisões de base errava.
Luis Enrique e o Barça desdenharam Daniel Alves, o melhor lateral direito do mundo. O baiano mudou-se para a Juventus, e sua falta castiga. Sergi Roberto, o titular da terça-feira pela Champions, é dono de boa técnica, mas não aprendeu a defender. Embora a experiência tenha fracassado, insistiram. Aleix Vidal, depois de começo sofrível, melhorou. Mas lhe quebraram ossos dias antes da viagem para a França. Pela direita da defesa catalã, o time do treineiro basco Unai Emery deitou e rolou. O alemão Julian Draxler se consagrou por ali, num partidaço. Para agravar a inépcia defensiva de Sergi Roberto, o entrosamento dele com André Gomes inexiste. Os dois não dão liga.
É difícil julgar a zaga do Barcelona, abandonada à própria sorte pelos meias e pela fragilidade defensiva dos laterais _inclusive Alba, cujas virtudes inegáveis aparecem mais à frente. Mas Umtiti falha demais e Piqué já viveu dias mais felizes (ao menos em campo). As defesas de Ter Stegen impediram que o fiasco fosse mais aviltante.
O caráter coletivo do futebol foi reafirmado ontem pela pífia atuação dos atacantes, com exceção do valente Neymar. A bola não chegava a eles, ou chegava quadrada. Suárez não a viu. Messi pareceu representado por um boneco de cera. Como não havia equipe, mas um bando, Neymar tentou jogadas individuais, arrancando e driblando. Aos dois minutos de partida obteve um cartão amarelo para um volante, que não precisou mais bater para parar os visitantes.
São frequentes as notícias de desacertos entre Luis Enrique e muitos jogadores, a começar por Messi. No passado, fizeram um pacto para deixar para lá as antipatias e conquistaram a Champions. Agora, aparentemente não há mais jeito. Busquets chutou o pau da barraca: o Barcelona foi superado também taticamente.
E foi mesmo, com o futebol solidário, bonito e rápido do PSG. É verdade que Di María (o Barça se negou a pagar por ele o que pagou por André Gomes), Cavani, Draxler, Verratti, Matuidi, Marquinhos e companhia deram aula. Mas não se pode minimizar a capacidade de Emery de identificar as carências recorrentes do Barça. O time que ensinou o mundo a sair jogando com a bola nos pés se borra todo com a marcação adiantada dos adversários. Qualquer timeco do planeta, quando a pelota está com o goleiro, abre os zagueiros, recua dois meias, tudo para oferecer opções de passe. O time de Luis Enrique não domina mais esse recurso. Desaprendeu. Voltou no tempo.
É impossível o Barcelona enfiar quatro ou cinco no jogo da volta? Não, mas quase. Para se recuperar, precisa fazer tudo diferente do que fez em Paris e do que vem fazendo.
Sem deixar de providenciar mudanças para a próxima temporada, do técnico ao elenco. Não só na defesa e no meio. No ataque igualmente, para dar mais descansos aos três que costumam jogar direto.
Sergio Roberto de lateral é gambiarra.
André Gomes no meio tem sido.
Idem Iniesta, quando não recuperado de contusão.
Luis Enrique? Virou gambiarra.
O futebol agradece ao show do PSG.
E ao Barça também, mas não a este, e sim ao de tempos atrás.