Blog do Mario Magalhaes

Se a lei é igual para todos, todo manifestante pode bloquear quartel da PM

Mário Magalhães

Parentes de policiais militares permanecem acampados em frente 16º Batalhão de Olaria, no Rio de Janeiro. O manifestantes pedem melhorias da corporação

Parentes de PMs do Rio bloqueiam 16º Batalhão – Marco Antonio Teixeira/UOL – 10.fev.2017

 

É obsceno o atraso dos salários dos servidores estaduais do Rio de Janeiro, incluindo os policiais militares. Estes não constituem categoria à margem do funcionalismo; formam uma delas. É vergonhoso que o Estado não cumpra suas obrigações. Noutra palavra, a lei. Não paga o que deve, não cumpre o que promete. Em vez de honrar os pagamentos, trama para diminuir a remuneração dos trabalhadores, por meio de uma garfada maior na contribuição previdenciária e outros truques. Já tem garfado: o Rio, como o Espírito Santo, é um dos oito Estados em que o reajuste do salário inicial dos PMs ficou atrás da inflação, considerando os últimos cinco anos.

Não é somente o 13º de 2016 que não saiu. O governo Pezão institucionalizou o atraso mensal ao inventar o calendário esdrúxulo de pagamento no ''décimo dia útil''. Em fevereiro, dia 14. Mas ainda neste mês servidores recebiam parcela de salário do ano passado. O pessoal da segurança recebe antes que o da saúde, em disparidade aberrante. O compromisso público de salvar vidas cabe tanto a uns quanto a outros _ou não? A culpa não é de quem recebe, e sim de quem paga.

Enquanto o funcionalismo pena e os serviços públicos degringolam, o governador não toma uma só providência para recuperar a dinheirama afanada _de acordo com o Ministério Público Federal_ pela gangue que bancou sua candidatura ao Palácio Guanabara. Além das humilhações, das provações e do desespero, os servidores assistem às revelações cotidianas sobre a roubalheira que teria sido comandada pelo padrinho de Pezão, o hoje presidiário Sérgio Cabral. Querem torrar o patrimônio público, a começar pela companhia de água e esgoto.

Quem aguenta tudo isso?

Há outros calotes contra todo o funcionalismo. No caso dos policiais militares, o Estado deve também adicionais pelo trabalho na Olimpíada e pelo cumprimento de metas. É direito dos PMs reivindicar o que lhes surrupiam. Bem como não é direito de uma tropa armada fazer greve.

O que foi dito acima é o essencial. Limpa o terreno. Mas tem mais.

Há batalhões no Rio e no Espírito Santo com os portões fechados por parentes de PMs. Há quem suponha que todos os policiais queiram trabalhar, mas são impedidos. Quem quiser que acredite na balela. Parece uma forma de driblar punições, alegando que não pararam, mas que foram obrigados a parar. A ilegalidade é óbvia. Sobre a legitimidade, depende da cabeça de cada um.

Mesmo em grupos pequenos, às vezes sem somar uma dezena de pessoas, as manifestantes não são retiradas da frente dos quartéis. Depois de abordadas para negociação, são autorizadas a permanecer, impedindo entrada e saída de viaturas e até de policiais, cujas mochilas são revistadas. No Rio, um deles foi esculachado.

Em Cabo Frio (RJ), PMs permitiram que três mulheres esvaziassem os pneus de um carro de patrulha.

Permitir o esvaziamento dos pneus foi ato desajuizado. Quando quer, a PM proclama defender o patrimônio público, o que de fato é seu dever.

Não sou favorável à retirada à força dos parentes da frente dos batalhões. Entre outros motivos, porque equivaleria a jogar querosene numa fogueira que pede água. A não ser para quem aposta no caos, o paroxismo do quanto pior, melhor.

Mas é preciso assinalar, a bem da honestidade intelectual, que a atitude importa consequências.

A Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro considera, ao menos formalmente, que todo cidadão é igual perante a lei?

Do comando ao mais subalterno dos policiais, a resposta _ao menos protocolar_ será positiva.

Logo, a partir de agora todos os manifestantes têm o direito de acampar diante dos batalhões da PM, interrompendo o tráfego e a saída de policiais armados e uniformizados _para não falar do, entre aspas, ''direito'' de não ser preso em flagrante ao esvaziar pneus de viaturas.

Qual a diferença, consulte-se toda legislação, entre parentes de PMs e cidadãos como professores, estudantes, metalúrgicos, garis, bancários e companhia?

Se houver repressão a outros manifestantes diante dos quartéis, estará criada mais uma distinção entre cidadãos.

Da próxima vez que forem chamados para reprimir passeatas que ''prejudicam o trânsito'', os PMs deveriam se lembrar do que as manifestantes fizeram pelo menos sábado de manhã diante do Batalhão de Choque, onde passei duas vezes: restringiram a circulação de veículos a uma única pista, provocando engarrafamento.

Ou os PMs, castigados pelo injusto e patético governo do Estado, pensam que o direito ao protesto é só deles ou de suas famílias?

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