O mais surpreendente é a surpresa com a conspiração pela impunidade
Mário Magalhães
Mencionado em delação na Lava Jato como beneficiário de milhões de reais em propinas, Edison Lobão (PMDB-MA) foi aclamado por seus pares presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no Senado.
Alguma surpresa?
Dez integrantes da CCJ, de partidos diversos, são investigados na operação Lava Jato.
Mais surpresa?
A CCJ sabatinará Alexandre de Moraes, o ministro da Justiça escolhido por Michel Temer (PMDB) para substituir Teori Zavascki no Supremo Tribunal Federal. Em sua tese de doutorado, Moraes defendeu que detentor de cargo de confiança não fosse indicado para o STF “durante o mandato do presidente da República em exercício”, para evitar “demonstração de gratidão política” _como revelou o repórter Luiz Maklouf Carvalho.
Surpresa, ainda?
A Polícia Federal apontou indícios de que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), recebeu propina da OAS.
Haja surpresa.
A PF também suspeita que o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) tenha embolsado um por fora, no butim acumulado pelo esquema criminoso comandado _sustenta o Ministério Público Federal_ por seu antecessor e padrinho, Sérgio Cabral (PMDB).
Não diga.
O senador José Sarney (PMDB-AP), investigado na Lava Jato, nomeia no governo Temer.
Quem é vivo sempre aparece.
O secretário Moreira Franco (PMDB), o Angorá da planilha de propinas da Odebrecht, foi promovido a ministro.
Quem quiser conhecer Wellington Moreira Franco deveria visitar alguns episódios de concorrências públicas em sua administração no Estado do Rio, nas décadas de 1980 e 1990 _o repórter Janio de Freitas escrutinou-os então.
Pauderney Avelino, líder do DEM na Câmara, é influente no governo Temer. Sobre o deputado, disse em gravação Sérgio Machado (PMDB), ex-presidente da Transpetro: ''Um cara mais corrupto que aquele não existe''.
O senador Renan Calheiros (PMDB-AL) emendou, na conversa com Machado: ''Pauderney Avelino, Mendoncinha''. Mendoncinha foi identificado pelo noticiário como Mendonça Filho (DEM), o ministro da Educação.
Surpresa com o prestígio de Mendoncinha e Pauderney no Planalto?
Só quem não ouviu ou não quis entender o áudio do diálogo entre Sérgio Machado e Romero Jucá (PMDB-RR). Ainda na época do governo Dilma Rousseff, os dois tratavam do cenário da Lava Jato:
''Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria'', disse Jucá.
Machado: ''É um acordo, botar o Michel [Temer], num grande acordo nacional''.
Jucá: ''Com o Supremo, com tudo''.
Machado: ''Com tudo, aí parava tudo''.
Jucá: ''É. Delimitava onde está, pronto''.
Onde anda Jucá? O senador é o líder do governo no Congresso. E o Caju em planilha de agrados da Odebrecht.
Constava das escrituras, ou da Lei Jucá: ''Estancar essa sangria''. Com esse propósito o governo se move.
Enquanto isso, Temer trata com distância olímpica o caos na segurança e a devastação social no Espírito Santo e outros Estados.
O PMDB, escudado por chantagens, ocupou postos relevantes nos governos Dilma, Lula, FHC.
Agora, não tem mais intermediários. Concentra o poder.
Inexiste surpresa autêntica, a não ser dos muito ingênuos, com a conspiração pela impunidade.
Surpreendente é ter quem ainda se surpreenda.
Quase tudo era previsível.
É previsível até a imprevisibilidade do futuro do Brasil, mesmo o imediato.