Sabáticas: Falando sozinho
Mário Magalhães
Li numa entrevista um psicólogo bambambã identificando como muito bem resolvidas pessoas que falam sozinhas. Conheço uma que adorou o diagnóstico. Bom para elas, mas sei não. Se for por aí, estou longe de me resolver.
É o que também acha a gurizada do prédio de um conhecido meu, tipo excêntrico que anda no elevador em conversas exaltadas. Com o espelho, ignorando os vizinhos. Sai pela calçada, volta para casa, sempre confabulando com ele mesmo. As crianças o têm na conta de maluco.
Deve ter suas vantagens. Jamais encontra um argumento contrário, alguém para lhe dizer que está por fora. Ou encontra? Vai que se contrapõe: “Sabe de nada, inocente!” Daí principia a discussão. Está explicado o tom passional do meu conhecido. Ele bate boca com sua sombra.
Quem se deu mal foi Robert Durst, protagonista de um documentário da HBO nos Estados Unidos. O milionário havia escapado da suspeita de três homicídios: de sua mulher, desaparecida em 1982 e dada como morta; da senhora, abatida com um tiro na cabeça, que deporia na Justiça sobre o sumiço da mulher de Durst; e, alegando legítima defesa para escapar da condenação, de um homem cujo cadáver acabou esquartejado.
Ferrou-se por falar sozinho. No derradeiro episódio da série The Jinx, ele deu uma longa entrevista e correu ao banheiro. Pareceu esquecer que estava com um microfone sem fio. E o microfone estava ligado. Em meio a digressões solitárias durante o xixi, Durst esclareceu: “Que diabos eu fiz? Matei todos eles, é claro”. Foi em cana, encurralado por muitas provas.
Outro perigo é falar dormindo. No décimo sono, uma amiga caprichou no dengo: “Que loiro lindo”, sussurrou. Seu marido, de cabelos mais pretos que o velho papel-carbono, estava acordado e surtou. Ela contou que sonhava com um sobrinho bebê.
Se o peixe morre pela boca, melhor ficar de boca fechada.
(Publicado originalmente na revista Azul Magazine, maio de 2015)