O país dos acidentes
Mário Magalhães
A empresa que cuida _cuida?_ do Complexo Penitenciário Anísio Jobim se chama Umanizzare, humanizar em italiano.
A organização criminosa que naquele presídio amazonense chacinou 56 detentos se intitula Família do Norte. Isso mesmo, família. Deveria também se italianizar, no estilo mafioso: famiglia.
A tal família proclama em documento o propósito de ''busca pela paz''. Enquanto isso, decapita e esquarteja.
''Não tinha nenhum santo'' entre os mortos, disse o governador, crente que lhe conferiram poderes de canonização.
Outro governador, com o Estado quebrado, foi buscar o filho com o helicóptero bancado pelos cidadãos. ''Nada ilegal ou irregular'', alegou. E imoral?
Os governos e seus vassalos tratam o arrocho como ajuste.
Roubalheira é malfeito.
Ditadura, regime autoritário.
Tortura virou maus-tratos ou, mais cínico, método não ortodoxo de interrogatório.
Covardia contra os mais fracos é aclamada como coragem.
Promoveram perna-de-pau a jogador limitado.
Feio é simpático.
Canastrão, ator correto.
Massacre? Não: confronto.
Assassinato movido a ódio é amenizado como crime passional.
Bomba que pode ferir e matar é apresentada como de efeito moral.
Privatização é concessão.
Falta d'água, crise hídrica.
Para o presidente, ministra mulher é ''representante do mundo feminino''.
Ele bravateia ''coragem na ação'', mas ficou com medo de ir ao velório de dom Paulo.
Em abril de 2016, dissera, sem corar: ''Sabem todos que há mais de um mês eu me recolhi exata e precisamente para não aparentar que eu estaria cometendo algum ato, praticando algum gesto com vistas a ocupar o lugar da senhora presidente da República''.
Agora, refere-se à carnificina como ''acidente pavoroso que ocorreu no presídio de Manaus''.
De acidente em acidente, acabam de matar mais de 30 presos em Roraima.
A declaração de Michel Temer não foi somente infeliz. Foi asquerosa.
De acordo com o ''Michaelis'', acidente significa ''o que é casual, fortuito, imprevisto''.
Temer é um acidente.
Terra dos eufemismos e das patacoadas, o Brasil se transformou no país dos acidentes sinistros.