Questão de perspectiva (ou a reforma trabalhista)
Mário Magalhães
Para os japoneses, ideogramas expressam palavras e ideias. Para mim, que não os compreendo, são arte.
Para um coreano, um prato de comida mexicana que abrasa a minha língua não passa de placebo desenxabido.
Para o Popeye, acostumado com a Olívia Palito, qualquer quadril modesto representa fartura.
Enquanto eu peço para a gurizada não falar tão alto, temendo importunar os passageiros que dormem no trem, um cidadão arrota como o Shrek, pois na sua terra longínqua o gesto de ogro não incomoda ninguém.
Um chama o outro de cagão, sinônimo de sortudo, e o outro pensa ter sido achincalhado como frouxo.
O turista lamenta o tempo ruim, o temporal que despenca impiedoso, e o morador do lugar agradece a piedade dos céus pelo tempo bom, o aguaceiro que mitiga as mazelas da seca.
As fotografias do atentado contra Ronald Reagan são grande momento da carreira de Sebastião Salgado, mas o documentário do filho sobre o pai fotógrafo ignora o episódio.
A legítima paella valenciana à mesa, o gole de vinho branco espanhol na boca e o Mediterrâneo no horizonte alimentam meu momento sereno e feliz. Dois dos quatro comensais tomam um comprimido de Lexotan antes da comilança.
Há quem celebra com soco no ar as mudanças na legislação que permitirão bagunçar as férias, alongar a jornada de trabalho e restringir o tempo de almoço. Muitos olham para as novidades como um goleiro desamparado que busca a bola no fundo da rede.