Blog do Mario Magalhaes

Tudo é história: de 1964 a 2016, políticos-morcegos atacam de madrugada

Mário Magalhães

blog - bela lugosi

Bela Lugosi (1882-1956), célebre intérprete do Drácula: os dedos lembram os de alguém?

 

É raro eu me lembrar dos sonhos da madrugada. Otimista patológico e ingênuo irrecuperável, sonho de dia, acordado. Sei que ontem à noite vi uma comédia romântica com a Salma Hayek, o Pierce Brosnan e a Jessica Alba. Antes de dormir, pouco depois da meia-noite, tive uma recaída e tomei um todinho. Pensei no dom Paulo, cabra de coragem, que descansou. Talvez ele tenha assistido de algum lugar aos fariseus, que o demonizaram durante a ditadura, louvaminhando-o na cerimônia do adeus. Sei lá o que eu sonhava quando faltavam uns minutinhos para as três da manhã.

A essa hora terminou a sessão da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Os deputados deram sinal verde ao projeto de mudança na Previdência que desata pesadelos nos brasileiros mais pobres. Milhões deles teriam direito à aposentadoria integral só depois de esticar as canelas. E olha que para boa parte o benefício mesmo a 100% não passa de mixaria, mas é indispensável para sobreviver. O nome da comissão confere mais uma medalha ao país campeão em hipocrisia.

Noutra madrugada recente de 2016, pelas quatro horas, já haviam aprontado na Câmara. Fulminaram um projeto de combate à corrupção com espírito de dobermann. Virou bóxer. A brabeza desta adorável raça alemã, mal-encarada, é aparente. O bóxer costuma ser dócil e bom companheiro de crianças, embora alguns estimulem a agressividade dos cães e os adestrem para guarda. O bóxer do pacote anticorrupção desfigurado nem assustar assusta. Castraram-no.

Não é de hoje que Brasília é habitat de políticos-morcegos. Não do Homem-Morcego, o Batman, do bem. Como vampiros, sugam o sangue até arrotar. O sangue dos cidadãos e da democracia. Na calada da noite, entre as três e as quatro horas de 2 de abril de 1964, os presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo voaram pelo Palácio do Planalto. Os golpistas nomearam um deles, o capo deputado, para presidir a República, sem ter recebido um mísero voto popular. Ao amanhecer, haviam parido a ditadura.

Dali a meses, em julho, os morcegos esperaram as cinco e meia da manhã para atacar. Em assembleia conjunta de senadores e deputados, prorrogaram o mandato do ditador de plantão. Como lhes faltava um voto, enrolaram até convencer, imagina como, um hesitante que se tornou cúmplice. O Congresso dessangrou ainda mais a nação.

Em Brasília, recomenda-se cuidado com os morcegos-vampiros ou políticos-morcegos. Não à toa lá vive em certo palácio um tipo que já foi chamado de mordomo de filme de terror. Às vezes, por trás do mordomo se esconde o próprio conde Drácula.

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