Ferreira Gullar (1930-2016)
Mário Magalhães
Foi-se o poeta, grande poeta, Ferreira Gullar.
Entre seus talentos e gostos estava a tabelinha com a música.
Milton, Villa-Lobos e Fagner foram alguns dos que musicaram seus versos ou tiveram melodias letradas por ele.
Uma canção gravada, mas jamais registrada em disco, é ''Duplo Espelho'', na origem um poema do livro ''A Luta Corporal'' (1954).
Na virada dos anos 1970 para os 1980, o jovem compositor, jornalista, escritor e publicitário André Iki Siqueira procurou Gullar para lhe mostrar a música que criara para o poema.
O poeta ouviu de olhos fechados. Pediu para André tocar de novo e aprovou entusiasmado.
Ficou lindo.
Para escutar ''Duplo Espelho'', na voz de André Iki Siqueira, basta clicar na imagem acima.
Eis a poesia-letra:
''Neste leito de ausência em que me esqueço
desperta um longo rio solitário:
se ele cresce de mim, se dele cresço,
mal sabe o coração desnecessário.
O rio corre e vai sem ter começo
nem foz, e o curso, que é constante, é vário.
Vai nas águas levando, involuntário,
luas onde me acordo e me adormeço.
Sobre o leito de sal, sou luz e gesso:
duplo espelho — o precário no precário.
Flore um lado de mim? No outro, ao contrário,
de silêncio em silêncio me apodreço.
Entre o que é rosa e lodo necessário,
passa o rio sem foz e sem começo''.
Valeu, Ferreira Gullar!