Na TV, Freixo fala para convertidos e ignora até o Dia das Crianças
Mário Magalhães
É possível que Marcelo Freixo tenha diminuído a distância que o separa de Marcelo Crivella (67% a 33% de intenção de votos, de acordo com o Ibope mais recente).
Passar de 11 segundos para 10 minutos o tempo no horário eleitoral é um salto e tanto. O candidato se torna mais conhecido. Antes, para cada segundo do postulante do PSOL, o concorrente do PRB contava com seis segundos e meio. Com igualdade na exibição de propaganda na TV, desde a segunda-feira, é mesmo possível que Freixo tenha avançado.
Possível, mas não garantido.
Porque até agora o deputado que inspirou o personagem Fraga do filme ''Tropa de Elite 2'' tem se concentrado na pregação para convertidos. Ou seja, aqueles que já estão dispostos a votar nele. Mais ou menos metade do tempo do programa desta quarta-feira à tarde foi dedicado a cenas de um comício do primeiro turno e ao clip com o (ótimo) jingle da campanha. São cenas que estimulam a militância. Teriam o efeito de multiplicar a votação? (Mal comparando: nas disputas presidenciais recentes, o PSDB, ao radicalizar o discurso à direita, mobilizou sua base social mais aguerrida, mas não conseguiu abocanhar o eleitorado de centro-esquerda que acabou contribuindo para os triunfos do PT.)
A leitura dos programas de Crivella e Freixo para governar mostra que o do segundo é muito mais amplo e detalhado. Na televisão, contudo, Crivella apresenta propostas mais concretas, enquanto Freixo se contenta com generalidades. O deputado sempre disse que o segundo turno lhe permitiria divulgar sua agenda para o Rio. No primeiro dia de campanha televisiva, nada propôs, causando ruído entre o prometido e o cumprido.
Os correligionários de Freixo dizem que ele é muito menos conhecido do que Crivella. Se de fato essa diferença é tamanha, fica difícil entender por que em 10 minutos seu programa só dedica 60 segundos para contar a trajetória do candidato. Gasta mais tempo com o clip do que com a biografia de quem pretende ter a história apregoada.
O programa noturno de ontem mostrou cenas do encontro de apoiadores de Freixo, realizado em praça pública na Tijuca, para celebrar a liberdade religiosa. Sequências bonitas, bem editadas, mas plenamente claras apenas para iniciados. É óbvio que a data escolhida para exibição não foi acaso. Era Dia de Nossa Senhora Aparecida. Não foi dito. Apareceu a menina que foi apedrejada no ano passado quando vestia trajes brancos do candomblé. O programa não forneceu muitas informações, porém, sobre o que foi o ato intolerante e covarde de fanáticos contra a garota. Além de difundir a mensagem generosa de tolerância com todas as crenças (e não crenças), o propósito do programa era diferenciar Freixo de Crivella, bispo (licenciado) da Igreja Universal do Reino de Deus. O programa de Freixo calou a respeito do pastor da Universal que na década de 1990 chutou uma imagem de Nossa Senhora. O desvario foi ao ar na TV Record, controlada pelo bispo Edir Macedo, tio de Crivella. Marketing eleitoral deve ser claro.
O mais estranho, contudo, foi o esquecimento do Dia das Crianças. Porque só esquecimento explica a ausência de qualquer referência às mazelas e encantos da infância, tanto no programa das 13h quanto no das 20h30. O que Freixo tem a dizer sobre creches, escolas, lazer, transporte, tantas questões relevantes para as crianças cariocas e suas famílias? Está tudo escrito no programa, mas nada foi falado na TV no feriado. À noite, Crivella ofereceu seu programa às crianças, como devem ter feito numerosos candidatos país afora. É óbvio que as ações de governo específicas para a infância não devem ser alardeadas somente no dia oficial que as celebra. Mas o Dia das Crianças era um motivo, um gancho para tratar do assunto.
Dez minutos são um latifúndio em TV. Era possível falar de liberdade religiosa, de temas da infância e apresentar propostas concretas.
No comecinho da campanha do mata-mata, Freixo evitou críticas mais duras a Crivella. A desvantagem muda o tom, mas o candidato busca evitar o aumento de rejeição. Mesmo assim, no programa de ontem à noite o deputado fez algo que, na opinião de nove em cada dez marqueteiros do primeiro time, constitui equívoco grave: na propaganda da TV, um locutor ou uma locutora deve bater no adversário, não o candidato. Foi Freixo quem deu a cara para falar da recusa de Crivella a debates e do apoio do partido do senador à decisão recente da Câmara que castiga os mais pobres. Nos anúncios de 30 segundos, quem fustiga a parceria Crivella-Garotinho é uma narradora, não Freixo. Esse é o padrão consagrado. (O anúncio tem a frase ''e ainda fez greve de fome'', sobre Garotinho, incompreensível para boa parcela dos espectadores/eleitores.)
Televisão, sozinha, não decide eleição. Mas é um instrumento valiosíssimo.
Se o programa de Freixo não começar a falar para segmentos nos quais ele teve baixa votação no primeiro turno, sobretudo na zona oeste, o caminho de Crivella será facilitado.