Blog do Mario Magalhaes

Na noite mágica do Rio, um mau perdedor não entende nada e insulta torcida

Mário Magalhães

Thiago Braz, medalha de ouro e recordista olímpico do salto com vara – Foto Gonzalo Fuentes/Reuters

 

Meninos, eu vi.

A olho nu, no estádio olímpico Nilton Santos.

De todas as sessões do atletismo, escolhera comprar ingresso somente para a da noite de 15 de agosto de 2016.

A noite que nunca terá fim, pois se tornou eterna.

Quando a chuvarada encharcou o Engenhão, interrompendo as competições, pareceu pintar uma roubada.

Que se insinuara na Central do Brasil. Depois de mais de 15 minutos no trem parado, mandaram sair, alegando manutenção. Pegamos outro. Imagina depois da Olimpíada…

A torcida brasileira, que na véspera enchera a casa do atletismo para assistir à vitória de Usain Bolt nos 100 metros rasos, fez pouco da decisão do salto com vara masculino programada para a segunda-feira.

No auge, a ocupação das cadeiras deve ter ficado entre 30% e 40%.

No salto derradeiro, não passou de 20%.

Na noite mágica do Rio, um brasileiro conquistou a classificação para as semifinais dos 110 metros com barreiras dando um peixinho na chegada.

Logo uma velocista das Bahamas também mergulhou no finzinho dos 400 metros. Ao se levantar, desfilou como campeã olímpica.

A torcida, muito menor que a do domingo, não abandonou as vaias.

Reeditou os apupos para Justin Gatlin quando o norte-americano subiu aos pódio para receber a medalha de prata dos 100 metros.

E voltou a ovacionar Bolt.

Aplaudiu saltadores com vara, arremessadoras de disco, corredor@s de um sem-número de países.

Sem preconceito contra qualquer nacionalidade.

À medida que o salto com vara afunilou entre poucos concorrentes, aumentou o volume das vaias contra o principal adversário do brasileiro Thiago Braz da Silva: o recordista planetário (6,16 metros) e vencedor em Londres-2012, o fabuloso francês Renaud Lavillenie.

Um evidente comportamento de torcedor de futebol, no estádio de futebol remodelado para as provas de pista e campo da Rio-2016.

Lavillenie balançou a cabeça mostrando contrariedade.

Antes do último salto, com o sarrafo a 6,08 metros, virou o polegar para baixo. Errou. Seu máximo foi 5,98 metros.

E Thiago se sagrou campeão. Novo recordista olímpico, com 6,03 metros.

Quando o paulista saltou para a glória, as pessoas pularam e se abraçaram como num gol.

Idem quando o grande Lavillenie falhou.

O Engenhão gritou ''é campeão!, é campeão!''.

Mal terminou o épico, o francês avacalhou a torcida brasileira: ''Não houve fair play por parte do público. Isso é para futebol, não para o atletismo. Em 1936, o público estava contra Jesse Owens. Não víamos isso desde então. Preciso lidar com isso. Para as Olimpíadas, não é uma boa imagem. Não fiz nada para os brasileiros''.

Pode ser que ele esteja certo ao querer outra atitude. Pode ser.

E que a mimetização das torcidas boleiras decorra da inexperiência nacional em eventos de atletismo.

É seu direito espernear.

Mas associar as vaias legítimas e galhofeiras a torcedores nazistoides presentes em Berlim-1936 constitui insulto.

Num surto de chauvinismo, seria possível sugerir que o medalhista de prata lesse sobre o colaboracionismo de tantos franceses à ocupação do país pelas tropas do Terceiro Reich.

O que exigiria lembrar que no Brasil funcionaram uma agremiação fascistoide, que mobilizou multidões nos anos 1930, e um partido nazista.

Mas deixa para lá.

A frase vomitada por Lavillenie é tão ofensiva que ele reconheceu o desatino.

A propósito, até onde informam fontes primárias, a torcida no estádio de Berlim não vaiou o norte-americano Jesse Owens, quatro ouros naqueles Jogos.

O que não diminui o simbolismo dos triunfos de um negro no país governado por Adolf Hitler.

Nem a obviedade de que as arquibancadas estavam repletas de nazistas secando o imortal Owens.

''Preciso lidar com isso'', disse o francês.

Está certo. Deveria investir numa preparação mental mais eficiente.

Enquanto deu a impressão de ser barbada, não chiou.

Revelou-se mau perdedor.

Pelo jeito, se estivesse no boxe, Lavillenie estaria horrorizado com os gritos de ''Uh! Vai morrer!''

O cara não entendeu nada sobre o Rio, a cidade que talvez hoje falasse o idioma do Truffaut da minha devoção se as investidas francesas de séculos atrás tivessem prosperado.

Aqui, torcida e diversão são inseparáveis. Combinam como Biscoito Globo e Mate Leão.

Depois da judoca Rafaela, mais um Silva campeão.

Meninos, eu vi.

E para sempre contarei.

(O blog está no Facebook e no Twitter )