Blog do Mario Magalhaes

106 anos após Revolta da Chibata, Marinha celebra a sargento negra Rafaela

Mário Magalhães

Rafaela Silva, a menina de ouro – Foto Danilo Verpa/NOPP

 

O épico existencial e esportivo de Rafaela Silva, medalha de ouro na Olimpíada do Rio, desmoraliza interpretações que negam a existência de racismo no Brasil.

Insultada por brasileiros com impropérios racistas, na época dos Jogos de Londres, Rafaela perseverou e chegou ao alto do pódio.

Há uma curiosidade histórica proporcionada por seu triunfo.

No programa de apoio a atletas, incorporando-os às Forças Armadas, Rafaela tornou-se terceiro-sargento da Marinha.

Sim, eu preferiria escrever sargenta, mas o padrão militar mantém o nome no masculino.

''Atleta da Marinha conquista medalha de ouro no judô'', apressou-se a divulgar a velha Armada. Fez muito bem. Rafaela orgulha o país.

Tempo, tempo, tempo…

Cento e seis anos atrás, em 1910, a Marinha reprimiu uma rebelião contra castigos físicos.

No cotidiano da Força, subalternos eram punidos com chibatadas, expediente saudosista do escravidão abolida 22 anos antes.

Boa parte dos subalternos era negra.

Os oficiais eram brancos.

O marinheiro negro João Cândido Felisberto comandou a revolta.

Agora, a Marinha celebra a sargento negra.

Tudo coisa de mais de um século atrás, sem cicatrizes?

Se o Brasil não fosse um dos últimos países do planeta a extinguir formalmente o trabalho escravo…

Em 2008, 98 anos depois da Revolta da Chibata, uma estátua de João Cândido foi inaugurada no Rio.

A Marinha não enviou representante ao ato.

E manteve a opinião do comecinho do século 20. Seu Centro de Comunicação emitiu então nota afirmando não reconhecer ''heroísmo nas ações daquele movimento [Revolta da Chibata]''.

A Revolta da Chibata foi um movimento heroico contra a tortura e os resquícios da escravidão. E em defesa da civilização.

João Cândido, o ''almirante negro'', é um herói brasileiro.

E Rafaela Silva, sargento negra, uma heroína em século e circunstâncias diferentes.

A história gosta mesmo de pregar peças.

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