Blog do Mario Magalhaes

Sabáticas: A ciência do pão-durismo

Mário Magalhães

 

Gastão Franco, por Chico

 

Um amigo desenvolveu uma técnica para o prato pesar pouco no restaurante a quilo. Pensando bem, não é mera técnica. Classificar assim o resultado do seu empenho seria subestimar a sofisticação da empreitada. Ele fundou uma ciência para comer mais pagando menos. Monta um prato de três andares, com bife suculento e verduras diáfanas. Só coloca o azeite depois de passar pela balança. Não sei se sente mais prazer com a comida ou por não gastar demais.

Incentivado a publicar suas lições em livro, o sovina prefere não compartilhar o que aprendeu. Parece que ele devora muito mais estrogonofe do que os colegas, o que a conta nega. Seu segredo? Maneirar nas colheres de carne e arroz, encobrindo-os com uma montanha de batata palha, mais leve que pipoca.

Restaurante é lugar onde os muquiranas se traem. Um compadre meu, da mesa mais modesta à mais metida a besta, abre as refeições se queixando dos preços no cardápio. A bronca antecede sua mania de pedir para misturar ingredientes de pratos diversos. E querer filé à parmegiana sem queijo. O compadre anda pelas ruas com as mãos no bolso. Se tropeçar, babau.

Mãos no bolso eram característica do mão-fechada Gastão Franco, personagem do Chico Anysio. “Pão-duro, não!; eu sou controlado”, era o seu bordão. O Gastão é daqueles tipos que morrem afogados, mas não abrem a mão para nadar. O Chico gracejou: “Tem gente que acha que ser pão-duro é pagar mico. Mas o Gastão não paga nada. Nunca”.

Outro mão de vaca das artes foi o protagonista da peça O Avarento, do Molière. O dito cujo guardava todo o dinheiro em casa. Triste sina. Como dizia o jornalista Vittorio Buttafava, “o absurdo da avareza está no fato de que o avarento vive pobre e morre rico”.

E conta vantagem, como um conhecido que jamais pegou o metrô em Nova York, para onde vai de férias. Gastar para quê?, ele pergunta. Só anda a pé. Vangloria-se de ver toda Manhattan de cima, não feito tatu, mesmo chovendo. Se neva, tranca-se no hotel. Táxi? Nem sabe o que é.

O unha de fome difere do poupador. Este tem consciência de que, como as incertezas espreitam, é recomendável se precaver. Para o morrinha, ainda que o dinheiro sobre, todo dia é dia de vacas magras.

Uma coisa são as circunstâncias obrigarem a apertar o cinto, até para trocar de carro ou economizar para a viagem de verão. Outra é manter a carteira lacrada como obsessão existencial.

Há quem confunda certas parcimônias com pão-durismo. As porções microscópicas da nouvelle cuisine não foram obra de cozinheiros mesquinhos, mas modismo gastronômico.

Não é o caso do sujeito que, quando a ligação cai, sempre espera para lhe telefonarem e pagarem a chamada. Aí, o diagnóstico flagra um pão-duro patológico.

(MM, publicado originalmente na revista Azul Magazine, maio de 2016)

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