Sabáticas: A vingança do silêncio
Mário Magalhães
Se alguém quiser me tirar do sério, basta contar um filme que ainda não vi e pretendo ver. Por isso, vou logo avisando, para me livrar de broncas merecidas: o que vem a seguir é puro spoiler. Entrego pormenores do enredo de dois filmes que compartilham ao menos três virtudes: são argentinos, têm _adivinhe_ Ricardo Darín no elenco e constituem obras-primas do cinema deste século.
Relatos Selvagens, dirigido por Damián Szifron, escrutina em seis episódios o limite de cada vivente antes da irrupção da ira santa ou profana. E trata de vingança, servida quente ou fria.
Acompanhamos o comissário que reúne os desafetos no mesmo voo, determinado a matá-los; a garçonete que se depara com o homem que levou o pai dela ao suicídio; os motoristas que saem no braço depois de um xingar o outro por barbeiragem; o engenheiro que se enfurece com o guincho viciado em recolher seu carro e contra-ataca armazenando explosivos no automóvel; o pai endinheirado que, para proteger o filho que atropelou uma grávida, paga ao caseiro para assumir a culpa; e a noiva em surto na festa de casamento, ao descobrir que o noivo convidara a outra.
Faltou, nesse sangrento catálogo de vendetas, a que encerra O Segredo dos Seus Olhos, de Juan José Campanella, Oscar de melhor filme estrangeiro.
Na história, um bancário dedica-se a investigar quem foi o sádico que matou sua mulher. Quando o réu confesso é condenado e não fica muito tempo no xilindró, o viúvo o sequestra. O vingador descarta enfiar uma bala na cabeça do assassino, pois se opõe à pena de morte, mas decide mantê-lo para sempre em cárcere privado. O castigo supremo é jamais dirigir uma só palavra ao prisioneiro. Para o matador, a dor das grades é menor que o desespero com a mudez perpétua do carcereiro.
A vida é mesmo assim: às vezes, a vingança do silêncio fere mais que faca bem afiada.
(MM, publicado originalmente na revista Azul Magazine, fevereiro de 2015)