Sabáticas: O narrador errado se deu bem
Mário Magalhães
O romancista peruano Mario Vargas Llosa viajava no avião rumo a um arquipélago do Atlântico quando outro passageiro o abordou com reverência: “Não sabe quão importante foram o senhor e seus livros na minha vida”. Sem dar tempo para o autor de Tia Julia e o Escrevinhador agradecer, o leitor devotado emendou: “Cem Anos de Solidão foi muito importante”.
Generoso como tantos de seus personagens, o escritor poupou o fã de Gabriel García Márquez, o gênio colombiano que nos legou a obra-prima passada em Macondo, de saber que conversava com o homem errado.
Confusões assim não são incomuns. Numa festa literária brasileira, o jornalista e escritor Zuenir Ventura ouvia elogios rasgados de admiradores, até que um deles chamou um amigo: “Vem ver o Saramago!”. Noutra edição, tomaram-lhe pelo artista e pensador Millôr Fernandes. “Este ano ele não pode vir”, disse Zuenir, certamente rindo por dentro _Millôr morrera dois anos antes.
Às vezes, acaba mal. Na ponte aérea, uma senhora bem-apanhada se achegou ao cronista e compositor Antônio Maria. Ela pensava ter encontrado o escritor que venerava, Carlos Heitor Cony. Com o clima esquentando, o co-autor do samba-canção Ninguém Me Ama manteve a ilusão e, depois de desembarcar, embarcou numa aventura amorosa com a leitora. E então?, perguntou Cony, quando o amigo confidenciou o caso. E então que na hora agá você brochou, contou Maria.
Testemunhei episódio semelhante, duas décadas atrás, num país distante. Uma repórter bebericava no bar do hotel com um narrador esportivo. “Adoro os seus bordões”, ela murmurava, antes de recitá-los um por um. Só que o locutor era outro, e ficou na dele. Antes de tomar o último gole do Kir Royal e partir, vi os dois sorrindo encantados.
(MM, publicado originalmente na revista Azul Magazine, janeiro de 2015)