Sabáticas: DR na churrascaria
Mário Magalhães
Já não havia como adiar de novo a conversa, tantas vezes o casal a empurrara para mais tarde, por escassez comum _nisso ainda combinavam_ de vocação e paciência para discutir a relação. Perdera-se na memória o jantar em que, na penumbra da velha cantina, ela pronunciara a senha que desatou o namoro, o noivado, o casório e a filharada:
“Eu sou pura emoção”.
Os dois eram, mas até as emoções pareciam ter ficado pelo caminho. Com medo da blitz da lei seca, pediram refrigerante, e o garçom se certificou:
“Diet?”
O tempo os maltratara. Antes, não temiam calorias.
“Você não me fala mais uma só palavra carinhosa”, murmurou o marido.
“Coraçãozinho”, ofereceu o garçom.
A mulher cobrou as madrugadas do marido enfurnado no serviço, com a desculpa de monitorar o mercado asiático. Interpelou-o: haveria alguém…
“Carne nova, argentina!”, o garçom anunciou.
Ela se queixou, faltava algo no casamento. O garçom a interrompeu:
“Molho… ao vinagrete? Maminha?”
“Linguiça”, ela respondeu. E lamentou, encarando o marido:
“Você está cansado de mim. Acertei?”
“Na trave!”, ele gritou, sem desgrudar os olhos do jogo na TV.
Ela emendou:
“Não aguento esses seus amigos, como dizer…”.
“Coxinhas?”, investiu o garçom.
“Você desconfia, mas é quem mais borboleteia por aí”, o marido contra-atacou. “Eu me sinto um…”
“Pastel!”, exclamou o garçom, ressurgindo altaneiro com a bandeja estendida.
Nenhum se dera conta, mas haviam sugerido o mesmo lugar para lavar a roupa suja. Ignoravam que o outro também ouvira a dica do amigo Fernandinho: nada como uma churrascaria rodízio para sufocar discussões sobre a relação.
Por um instante, lembraram-se dos prazeres que um dia sonharam ser para sempre. Os olhos se inundaram de lágrimas, e as línguas estalaram para dizer que recomeçariam tudo outra vez. Afinal, cantara o violeiro, o amor é como tobogã, com altos e baixos. Mais rápido que eles, o garçom abateu toda a ternura:
“Picanha?”
(MM, publicado originalmente na revista Azul Magazine, outubro de 2013)