Jornalismo e literatura: ter que explicar ironia é derrota da existência
Mário Magalhães
Até escribas iniciantes sabem que ironias não costumam ser compreendidas por parcela dos leitores.
Escritores são demonizados por terem escrito o que não escreveram. Endossam uma ideia, mas parece a alguns que a combatem.
Já houve autor processado judicialmente por indivíduos e instituições que não entenderam que a prosa queria dizer o contrário do que parecia.
Pois ironia, ensina o ''Houaiss'', significa ''figura por meio da qual se passa uma mensagem diferente, muitas vezes contrária, à mensagem literal, geralmente com objetivo de criticar ou promover humor''.
Quando se emprega esse recurso retórico, a frase ''olha a delicadeza do deputado'' identifica de fato rudeza, maus modos.
Nos gêneros jornalísticos da reportagem e da notícia, ironia constitui erro grave, porque pode confundir a informação. O jornalismo é essencialmente o serviço público de informar.
É diferente em gêneros jornalísticos como o artigo, expondo opinião, e a crônica.
Na literatura, no cinema e no teatro, são menores as restrições à ironia, sobretudo no humor mais escrachado.
A não percepção da ironia decorre menos de carência de formação _o dito analfabetismo funcional_ e mais de ausência de humor.
No começo da madrugada de hoje, escrevi no Twitter e no Facebook: ''Ao golear o Haiti por 7 a 1, a seleção brasileira calou os críticos do 7 a 1 da Alemanha…''.
Havia tempo não apanhava tanto.
Quanto menor o entendimento de ironias, maior tende a ser a agressividade de quem bate.
Bordoadas são do jogo democrático da controvérsia pública e das ideias _desde que dispensando insultos e discursos de ódio.
Mas ser avacalhado pelo que não quis dizer é dose.
É evidente que a mensagem ridicularizava eventual regozijo com a goleada sobre o Haiti, ainda mais comparando-a à da Alemanha em 2014. As reticências reforçavam a ironia.
Bem, deixa para lá, porque se for traduzir tirada irônica, acabou-se a ironia.
Explicar ironia, ou alertar para sua presença, é derrota da existência.
É melhor ser achincalhado por má interpretação do que ceder, esmiuçando tim-tim por tim-tim, à anemia de humor.