Blog do Mario Magalhaes

História: livro ‘Um mundo coberto de jovens’ conta lutas contra ditadura

Mário Magalhães

O professor Lobão e o livro – Foto Antonio Scarpinetti/Portal Unicamp

 

Em tempo de Brasil conflagrado, acaba de sair ''Um mundo coberto de jovens'', viagem às lutas contra a ditadura que vigorou de 1964 a 1985.

O livro convida a conhecer refregas do passado e permite compará-las às de hoje, identificando ou não semelhanças expressivas.

Escrevem depoimentos e ensaios quem esteve lá, nas trincheiras das ideias e, alguns, também nas armadas.

Autores como Antonio Candido, Carlos Alberto Lobão Cunha, Walnice Nogueira Galvão, Joel Rufino dos Santos (morto em 2015), Boris Schnaiderman (recém falecido) e Ligia Chiappini. Todos passaram pela USP.

A organização é de Benjamin Abdala Júnior. A edição, uma parceria da Com-Arte e da Edusp. ''Um mundo coberto de jovens'' é o sétimo volume da coleção ''Memória militante''.

O livro pode ser comprado na Edusp, escrevendo para eduspliv@usp.br

A seguir, o blog reproduz reportagem publicada pelo portal da Unicamp, com foco nos dois textos de autoria do geólogo Carlos Alberto Lobão Cunha.

Líder estudantil, guerrilheiro, preso político, opositor da ditadura, Lobão tem muita história para contar. Tomara que um dia escreva um livro.

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Lobão, professor aposentado do Instituto de Geociências da Unicamp, escreve sobre período de resistência à ditadura militar

Por Patrícia Lauretti

Como se organizavam passeatas e protestos dos estudantes contra a ditadura militar, em 1966/67, no movimento que ficou conhecido como “setembrada” (1966); e a história dos “meninos da Glete”, como eram conhecidos na época, estudantes do curso de Geologia da Universidade de São Paulo (USP). Os dois temas são tratados pelo professor aposentado da Unicamp Carlos Alberto Lobão Cunha, no livro Um Mundo Coberto de Jovens, publicação da coleção “Memória Militante” da Editora ComArte em parceria com a Edusp e a Casa Rex de design gráfico. Trata-se do sétimo volume da coleção organizado por Benjamin Abdala Júnior. Além dos textos do professor Lobão, o livro reúne ensaios e depoimentos que traçam um panorama das discussões ocorridas dentro e fora das universidades brasileiras à época da ditadura.

Em 1967, um ano antes do Ato Institucional número 5 (AI-5), o geólogo que foi docente do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, era vice-presidente do Centro Paulista de Estudos Geológicos (Cepege), que funcionava, assim como o curso de Geologia,“na Glete”, como era conhecido o palacete da Alameda Glete com a Rua Guaianases, no bairro dos Campos Elíseos, em São Paulo. O texto “Os meninos da Glete” relembra a história da criação do Cepege e de como era a vida dos estudantes “da Geo”, um terço deles vivendo no Conjunto Residencial da USP (Crusp). Responsável por um banco próprio, que fazia pequenos empréstimos sem cobrar juros dos estudantes, um restaurante próprio, que chegou a fornecer comida para o Crusp e até um carnaval próprio – o Geo-samba -, o Cepege ficou dividido naquele ano pré AI-5.

“Em 1967 pelo menos três chapas disputaram a eleição. Tivemos uma diretoria completamente mesclada. O presidente era de direita”, escreve Lobão. Mesmo sob a pressão dos colegas “não solidários”, os “meninos” atuavam. “Estávamos sempre atentos ao destino dos nossos minérios que estavam sendo entregues às companhias norte-americanas. Especialmente após o golpe. Nas ruas, denunciávamos, insistentemente, que em 1964 tinha sido dado um golpe de estado, o que ainda não era consenso na sociedade”.

Especializaram-se, segundo Lobão, em fazer a segurança das passeatas, dos comícios – relâmpago, panfletagens, etc. No entanto o futuro da Glete, o lugar que abrigou o Cepege e tantas outras histórias foi o pior possível. “Que de mais ignominioso poderia acontecer do que sua transformação em uma delegacia de polícia em plena ditadura? Foi o que ocorreu”, narra.

Setembrada

“Para as ruas companheiros”, o outro texto do professor Lobão, detalha o trabalho das frentes que organizavam as passeatas contra a ditadura, especialmente a que ocorreu na primavera de “setembro ou outubro” no Anhangabaú. “Pessoas que não se conheciam necessariamente se encontravam em locais públicos previamente combinados, em horários precisos e, a partir desse contato, se deslocavam entabulando conversas ou mesmo se dirigindo para executar qualquer atividade. Quando os contatos não se conheciam, havia necessidade de senhas e contrassenhas de modo a garantir a segurança pessoal e a das próprias organizações – essencial durante a ditadura”, descreve em determinado trecho.

O movimento, que ocorreu em todo o Brasil, em 1966, foi chamado de “setembrada” pela imprensa na época. Juntavam-se ao movimento os alunos de universidades considerados “excedentes”, que eram aqueles que obtiveram médias para entrar na faculdade, porém estavam excluídos pela falta de vagas. “O ano de 1967 começou com centenas de excedentes no país inteiro, aproximadamente mil apenas em São Paulo”. As Frentes de Trabalho tinham o apoio de vários grupos de esquerda. “Corríamos contra o vento e contra o sentido do trânsito, muitas vezes aos milhares, e recebíamos o apoio da população, quer fosse com papel picado, quer fosse com aplausos e sorrisos”.

Histórias sobre o papel da União Nacional dos Estudantes, o rompimento com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), a luta armada e a criação da Ação Libertadora Nacional (ALN) são apresentadas ao som de Beatles ou Caetano Veloso. “O ano tinha homenageado a todos com músicas com nome de mulher, devidamente premiadas em festivais: Gabriela, de Chico Maranhão, então aluno da FAU/USP; Margarida, de Gutemberg Guarabyra; e Carolina, de Chico Buarque. É… o ano da cabra era mesmo feminino. Que venha logo 1968, o ano do macaco! As Frentes estarão prontas para lhe receber”.

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