Fim do Ministério da Cultura vai ficando com cara de bode na sala
Mário Magalhães
Com a pressa maquiavélica de quem se dispõe a fazer todo o mal de uma vez, e não em conta-gotas, Michel Temer foi com muita sede ao pote. Ele se supõe um Mauricio Macri, que estabeleceu uma furibunda política econômica neoliberal. Esquece que, ao contrário do presidente argentino, ungido pelas urnas, foi promovido a presidente interino conspirando contra o voto popular. Carece da legitimidade e do capital político de Macri.
Entre as muitas maldades contra os mais pobres, anunciadas hora a hora, e a democracia, com a extinção de Ministérios dedicados ao combate à desigualdade e ao preconceito, Temer acabou com a pasta da Cultura. O antigo Ministério foi rebaixado a secretaria, subordinada à Educação, cujo ministro é Mendonça Filho, do DEM.
É difícil saber se o que levou o novo governo a tal ato foi vingança vulgar contra os numerosos artistas que repudiaram a ruptura institucional. Ou ignorância sobre o relevo simbólico e político da cultura com estatuto de Ministério. E, aspecto pouco ou nada mencionado na controvérsia em curso, desconhecimento do impacto da cultura no PIB, outro motivo que justifica a manutenção e incremento do Ministério.
Temer fez o que fez, e vozes em defesa da democracia e da cultura o contestaram. Protestos tomam o país. Hoje, aqui no Rio, Caetano Veloso e Erasmo Carlos devem se apresentar para os manifestantes que ocupam o Palácio Capanema _curiosidade histórica: a representação do extinto Ministério da Cultura fica no belíssimo prédio batizado com o nome do ministro da Educação, Gustavo Capanema, da ditadura do Estado Novo (1937-1945).
O bode na sala costuma ser instrumento bolado na origem, para criar um transtorno suplementar que, quando retirado, dê a impressão de melhora, ainda que outras agruras permaneçam.
Mas nada impede que durante entreveros algo que não tinha a função de bode na sala passe a ter.
Os protestos combinam a exigência de restabelecimento do Ministério da Cultura com a denúncia sobre o caráter ilegítimo da administração Temer.
Não será surpresa se ele recuar e ressuscitar o Ministério, com o propósito de arrefecer as manifestações. Cederia no que lhe parece pouco para manter o que vale mais.
O fim do Ministério da Cultura vai ficando com cara de bode na sala.
Se o bode for eliminado, haverá o efeito desejado pelo governo, o de dispersar os artistas que recusam o Planalto tomado por gente sem voto do povo?
(Depois de escrito este post, eu soube que anteontem o escritor João Paulo Cuenca empregou a expressão ''bode na sala'' no mesmo contexto. É necessário assinalar o pioneirismo. O JPC é fera.)